Foto: Adriano Cerqueira |
Duzentos e setenta e cinco. Sim, duzentos e setenta e cinco. Não acredito que acabei na página duzentos e setenta e cinco.
Todos temos uma lista de objectivos que um dia esperamos concretizar. Escalar uma montanha, fazer bungee jumping, skydiving, rafting, ou outro tipo de desporto radical, visitar um país longínquo, comer algo exótico, ir ao Espaço, ou algo mais simples como encontrar a melhor francesinha fora do Porto, actualizar o teu blogue todos os dias durante uma semana, escrever um livro, plantar uma árvore, passar um dia sem misturar termos ingleses na tua conversa, aprender a falar Russo fluentemente, e até mesmo ler um livro inteiro num único dia. Ontem estive perto de alcançar este último.
Dividi o meu dia entre Porto e Lisboa. Sabendo à partida que ia passar pelo menos seis horas dentro de um comboio, mais umas cinco horas de espera em Lisboa com muito pouco para fazer, decidi levar um livro comigo para me acompanhar durante a viagem. Como apenas me restavam cerca de cem páginas para terminar de ler A Dança dos Dragões, de George R. R. Martin, achei que não o devia trazer comigo, pois acabaria por o terminar antes sequer de embarcar no Intercidades.
Decidi então pegar num dos livros que guardo num montinho ao qual gosto de chamar, “lista de espera”. Já planeava lê-lo após terminar A Dança dos Dragões, por adivinhar que a minha encomenda do décimo livro da versão portuguesa de A Song of Ice and Fire não deve chegar ainda este mês. O meu companheiro de viagem intitula-se Evolução e Criacionismo: Uma Relação Impossível da autoria de Augusta Gaspar com a intervenção de outros colaboradores como a Teresa Avelar e o Octávio Mateus.
Escolhi este livro maioritariamente porque após estes longos meses de constante convivência com o mundo de fantasia da mente de George R. R. Martin, estou a precisar de uma séria dose de realidade e de conhecimento. Já no intervalo entre O Mar de Ferro e A Dança dos Dragões, quebrei o jejum com o The Greatest Show on Earth de Richard Dawkins, também este um livro sobre Evolução.
Só na viagem para o Porto, à qual terei que juntar as duas horas de espera que dividi entre o Campus São João e a Estação de Campanhã, consegui chegar à página noventa sem grandes problemas. Sem querer iniciar uma crítica exaustiva ao livro, embora não o considere uma grande obra literária, está escrito com uma boa fluidez e com uma simplicidade de argumentação capaz de cativar qualquer interessado na matéria, ao mesmo tempo que procura ensinar os leigos sobre o que é a Evolução e sobre os problemas que os fanáticos do Criacionismo estão a causar à investigação científica séria que é feita nesta área.
Quando cheguei a Lisboa já tinha chegado à página cento e setenta e sete. Após algumas horas de “descanso” e de outros afazeres, retornei a leitura pouco depois do jantar. Quando o comboio de regresso a Ovar finalmente chegou, tinha acabado de ultrapassar a página duzentos. “Duas horas e meia de viagem, há vinda tinha conseguido ler cerca de cem, isto vai ser canja”, assim pensei. Mas o dia já ia longo e subestimava o meu real nível de cansaço. Ainda assim, aguentei-me firme até ao último instante. Quando o comboio parou em Aveiro, já sabia que não seria capaz de chegar ao fim, mas não desisti de ler. Quase que me senti tentado a saltar alguns parágrafos, mas não existe qualquer mérito em fazer batota.
Tinha acabado de passar o apeadeiro de Válega quando finalmente desisti. Estava na página duzentos e setenta e cinco. Tão perto e, contudo, tão longe. Sim, podia ter continuado a ler em casa, mas mal entrei, corri logo para a cama.
Não foi desta que li um livro inteiro em um dia. Não sou “papa-livros” como já ouvi alguém dizer. No máximo sou capaz de ler cem páginas em um dia, e apenas se o livro me cativar. Mas sempre admirei aqueles que são capazes de “engolir” um livro de quinhentas páginas em menos de vinte e quatro horas seguidas. Já eu contentava-me com um de duzentas e noventa, mas agora vejo que escolhi mal o dia e o local para o fazer. Pelo menos fico com a consolação de poder juntar mais uma obra para os Cantos da Minha Estante de 2012, além do prémio que é todo o conhecimento que um livro como este me fornece.
Confesso que hoje ainda não peguei nessas quinze páginas que me restam, nem tão pouco nas cem de A Dança dos Dragões. Talvez o faça amanhã, talvez noutro dia. O mais importante é que não sinto que tenha “morrido na praia” mas sim, que descobri quais os meus limites e que com mais um pequeno esforço sou bem capaz de os ultrapassar.
Além disso, hoje posso orgulhosamente afirmar que com esta crónica, posso agora riscar da minha lista a tarefa de “actualizar o meu blogue todos os dias durante uma semana”.
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