Saturday, December 29, 2018

As Terras do Meu Verão

Foto: Onde o Couro é Tingido, Fez, Marrocos; Autor: Adriano Cerqueira
Portugal

  • Albergaria-a-Velha (Rede Expressos)
  • Alviela (Praia Fluvial de Olhos d'Água)
  • Amadora (Residência)
  • Aveiro (Entrevistas 90 Segundos de Ciência, Compras&Utilidades)
  • Bairro (Visita ao Monumento Natural Pegadas de Dinossauro)
  • Bombarral (Visita ao Bacalhôa Buddha Eden Garden)
  • Braga (Entrevistas 90 Segundos de Ciência)
  • Branca (Copo de Água)
  • Carcavelos (Praia)
  • Castelo Branco (Jantar)
  • Coimbra (Entrevistas 90 Segundos de Ciência, Visita)
  • Covilhã (Entrevistas 90 Segundos de Ciência)
  • Espinho (Compras&Utilidades)
  • Faro (Entrevistas 90 Segundos de Ciência)
  • Fátima (Visita ao Santuário)
  • Gaia (Compras&Utilidades)
  • Gondomar (Natal)
  • Idanha-a-Nova (Almoço)
  • Lisboa (Residência, Comic-Con, Cinema, Compras&Utilidades)
  • Lourinhã (Visita ao Dino Parque)
  • Mira de Aire (Tentativa de Visita às Grutas)
  • Murtosa (Casamento Cecilia e Xavier)
  • Óbidos (Almoço, Visita, FOLIO)
  • Odivelas (Compras&Utilidades)
  • Oledo (Fim-de-semana de perigrinação do Sagrado Chinelo)
  • Ovar (Carnaval, Residência)
  • Porto (Entrevistas 90 Segundos de Ciência, Despedida de Solteiro Xavier, Visita, Compras&Utilidades, GraPE)
  • Santa Maria da Feira (Visita, Compras&Utilidades)
  • Santarém (Visita)
  • Santo Amaro de Oeiras (Praia)
  • São Jacinto (Visita)
  • São João da Madeira (Compras&Utilidades)
  • Sintra (Visita)
  • Torreira (Praia, Almoço)
  • Vila do Conde (Entrevistas 90 Segundos de Ciência, Compras&Utilidades)
  • Vila Real (Entrevistas 90 Segundos de Ciência)
  • Vilar Formoso (Almoço)

Açores - Ilha de S. Miguel

  • Ponta Delgada (Entrevistas 90 Segundos de Ciência)

Espanha

  • Salamanca (Aniversário, Visita)

Marrocos

  • Azrou (Visita)
  • Beni Mellal (Almoço)
  • Casablanca (Here's looking at you, Kid)
  • Ifrane (Visita Monumento ao Leão de Atlas)
  • Fez (Estadia, Visita à Medina)
  • Marraquexe (Estadia, Almoço, Visita)
  • Meknes (Estadia)
  • Rabat (Visita)
  • Volubilis (Visita às Ruínas Romanas)

Sunday, December 23, 2018

O Regresso da Véspera da Véspera de Natal Parte XII


365 dias, 236 conferências de imprensa de Bruno de Carvalho, 90 Segundos de Ciência, 50 arranhadelas do Dalí, 28 toupeiras, 17 bilharacos, 5 títulos europeus, 4 sequelas de Jurassic Park, um Morabed e 0 pencas depois, sejam bem-vindos a mais um episódio do Regresso da Véspera da Véspera de Natal, a tradição anual mais aguardada pelos fiéis seguidores da Igreja Universal do Sagrado Chinelo, e por todos aqueles cujo ódio a pencas os une nesta santa data.

Comecemos assim a nossa viagem num rooftop com vista para o Douro. A Menina do Gás, munida do seu telemóvel alimentado por uma Pluma da Galp, aproveita o pôr-do-sol para encontrar o seu ângulo mais instagramável. O seu sonho é um dia conseguir seguidores suficientes para ser convidada a participar num videoclipe do David Carreira. Para já contenta-se com algumas amostras de maquilhagem, e a habitual oferta de sushi para ilustrar momentos especiais como incêndios, terramotos ou outra tragédia similar.

Indecisa sobre que foto escolher, começam a cair mensagens no seu whatsapp. Dentro do grupo do pica-pau amarelo, Mindo, o subjectivo, partilha mensagens de apoio à candidatura de Bolsonaro, e umas notícias falsas sobre o estado de manutenção do viaduto Duarte Pacheco. Emigrado na terra conhecida chamada Fossa, Mindo congratula-se pelo voto secreto que deixou em branco a favor do regresso do fascismo à terra desconhecida chamada Brasil.

“Isso é subjectivo”, diz o Mindo em mensagem de voz, imediatamente bloqueado por Vasco da Gama, Jesus, o Cristo, Pedro Álvares Cabral e a Menina do Gás.

Entre citações de Pedro Chagas Freitas e de uma pita, – as minhas desculpas pela redundância – a linha do tempo do twitter português é pontoada por uma conta emergente conhecida pelo seu bom humor, pela sua assertividade de análise à diplomacia internacional, e pelo seu profundo conhecimento filosófico e literário. Em directo do Panteão, a Toalha do Eusébio protagoniza esta conta sem medo de pôr o dedo na ferida sobre os temas fracturantes da nossa sociedade.

Proibido de consumir os seus vídeos de intimidade caseira no Tumblr, Vasco da Gama, Fernando Pessoa e os seus Heterónimos, Jesus, o Jorge, e Moisés, embarcam numa Nau em busca da terra desconhecida chamada Brasil.

Pelo caminho entretêm-se a fazer scroll pelo facebook onde Jesus, o Cristo, partilha algumas fotos da sua viagem pelo Dubai. Ora na palha estendido, ora na palha deitado. Ora em cima de um camelo, ora com a verde-e-branca vestida acompanhada pelas hashtags #OndaVerde e #OMundoSabeQue.

Já no Youtube, Peyroteo publica um vídeo sobre o fim da internet como a conhecemos que faz com que os jovens percam as estribeiras e comecem a pesquisar por tutoriais sobre como votar, o que é essa coisa de União Europeia, se se come, e como ficar viral sem mostrar demasiado decote.

Os media espantam-se por Peyroteo, conhecido pelo seu podcast “Tu não entendes o Hip-hop”, onde se debatem os mais profundos sentidos da literatura de Nietzsche em comparação com as iluminadas dissertações de Kanye West, ter dedicado algum do seu tempo a um tema que, de forma continuada, tem caído nas catacumbas da agenda mediática.

Fernando, o Pessa, Álvaro de Campos, Jesus, o Jorge, a Menina do Gás e Vasco da Gama, perdem-se pelo Mediterrâneo em busca da terra desconhecida chamada Brasil. Pelo caminho salvam alguns migrantes do Norte de África e dirigem-se para Itália na esperança de serem bem recebidos.

“Excusi, bapidi, bopidi”, diz Jesus, o Jorge, oitochentos e ocho minutos depois de atracar em Nápoles.

“Que cosa?! Tu sei un pazzo! Va via di qui!”, responde um oficial italiano que recambia a Nau de regresso a Portugal.

Chegados a Lisboa, duas pessoas com coletes amarelos rodeadas por uma centena de polícias dão as boas vindas a Ricardo Reis, Jesus, o Jorge, Peyroteo e Vasco da Gama que enfim regressam da sua viagem.

A Menina do Gás dirige-se para o aeroporto para apanhar um avião para Bali com stop over no Dubai onde se irá encontrar com Jesus, o Cristo, ora nas palhas estendido, ora nas palhas deitado, para, em conjunto, criarem o milionésimo blogue de viagens com base nos seus seguidores do Instagram.

Já no twitter um longo debate começa a fervilhar por motivo do tema do próximo Prós e Contras. Este programa questiona quais os limites do cozido à portuguesa. Um tema fracturante que divide grandes facções da nossa sociedade, desde os ambientalistas, ao deputado do PAN, passando pelo senhor Vítor do Café Gidelos em São Bento da Porta Aberta.

Entre ameaças de porrada de um tipo em constante crise de meia-idade, e piadas sem qualquer nexo de outro tipo com baixa auto-estima, a comunidade divide-se entre aqueles que gostam de cozido, e os que acham que a linha da Lousã devia ser reconstruída como uma ferrovia normal.

A Toalha do Eusébio é a única conta que procura trazer alguma sanidade ao tema, sugerindo aos seus seguidores para trocarem o cozido por polvo à lagareiro ou por bacalhau com todos. Com todos, menos com pencas.

“E o bolo-rei sem glúten? E as rabanadas sem açúcar?”, questiona a Menina do Gás, imediatamente bloqueada por Peyroteo, Jesus, o Jorge, Alberto Caeiro, Eça de Queirós, Fernando, o Pessa, e por Sócrates, o José.

Em gesto de despedida, a Toalha do Eusébio deu um salto a Ervedal, onde por entre as silvas, e as heras, largou umas amoras em homenagem ao local de nascimento do Sagrada Chinelo, nosso Deus e Salvador, que nos mostra sempre o caminho.

E assim regressa o dia mais aguardado ao longo de todo o ano. Dediquem estas horas a espalhar pelo Mundo as palavras de felicidade que só um dia como o 23 consegue transmitir.

Pois hoje é a Véspera da Véspera de Natal. Dêem as mãos e cantem todos comigo:

Morram Pencas, morram! Pim!

Wednesday, November 28, 2018

Toxicidade

Imagem DR

Há cerca de três anos decidi deixar o facebook. Esta decisão não foi assim tão simples pois, para mal dos meus pecados, uma das minhas funções na empresa onde trabalhava então era a de gestor de redes sociais.

Tive assim que chegar a um compromisso. Tinha que arranjar uma forma de continuar a usar o facebook sem me ausentar desta plataforma. A solução mais simples passaria por criar um perfil anónimo para gerir a página. Contudo, isto entra em conflito com a minha necessidade de usar o seu sistema de mensagens.

Na verdade queria deixar de usar a timeline do meu facebook, mantendo todos os restantes benefícios que esta plataforma proporciona.

Optei enfim por uma opção de compromisso. Mantive a minha conta activa mas, em vez de abrir esta rede social na sua página inicial, comecei a abri-la na página da empresa. Deixei de fazer novas publicações. Deixei de responder a comentários. Reduzi a minha interacção ao mínimo necessário para não perder o contacto com as pessoas que me são mais próximas.

Para não dar a impressão que tinha de facto deixado o facebook mantive a minha conta de twitter ligada ao meu perfil. Os meus tweets continuavam a ser publicados no facebook sem que alguém notasse alguma diferença. Mas, a seu tempo, também isto deixei de fazer.

Para todos os efeitos, deixei de usar o facebook. Este deixou de ser uma plataforma pessoal e passou a ser apenas uma ferramenta de trabalho. Continuei a alimentar e a gerir a página da empresa, e não deixei de publicitar os meus feitos profissionais, assim como o meu blogue e portefólio, na minha página pessoal.

Contudo, através desta simples acção, consegui libertar-me de uma das minhas principais fontes de ansiedade.

Deixar o facebook foi uma decisão que tomei para o meu próprio bem-estar e para o meu equilíbrio mental. Fora isso, não retirei grandes benefícios palpáveis deste acto. A minha produtividade continuou igual. Sempre soube gerir bem o meu tempo, mantendo-me activo nas redes sociais sem alguma vez falhar qualquer prazo. E, no fim de contas, apenas troquei o meu tempo no facebook por uma mais intensa participação no twitter.

Durante pouco mais de dois anos, a única vez que me atrevia a ir além das páginas que geria era para felicitar alguém pelo seu aniversário.

Usei este tempo para pensar sobre o que me movia contra esta rede. Por que me custava tanto visitar a minha timeline?

A resposta era simples. Por medo. Medo do que podia lá encontrar. Medo do conteúdo tóxico. Medo do sentimento que uma foto, uma notícia, ou um comentário, pudesse despertar em mim.

Uma noite, respirei fundo e decidi limpar a minha timeline de tudo aquilo que era tóxico. De tudo aquilo que era negativo. De todas as pessoas, páginas e eventos que transmitissem qualquer tipo de sentimento destrutivo ou derrotista.

Deixei de seguir todas as pessoas tóxicas. Todos aqueles contactos que dia sim, dia sim, têm algo de frustrante ou derrotista para partilhar. Deixei de seguir todas as pessoas incapazes de ter uma base de diálogo com alguém com ideologias diferentes das suas. Fossem essas políticas, filosóficas, religiosas ou desportivas.

Deixei de seguir todos aqueles que associava a más memórias, momentos, ou recordações. Excepção feita apenas a quem estava lá para mim nesses momentos.

Mas também deixei de seguir algumas pessoas cujo perfil não encaixa nas mais comuns definições de toxicidade. Deixei também de seguir pessoas excessivamente felizes.

Lamento, mas não quero saber dos vossos amores, e desamores, das vossas vitórias, e conquistas, dos vossos sucessos, e carreiras, das vossas viagens, e passeios.

No fim, mantive apenas o meu núcleo de amigos, alguns contactos profissionais, pessoas neutras com vidas normais, e personagens intelectualmente estimulantes, fossem elas académicas, ou simples contemporâneos que, independentemente das suas filosofias colidirem ou não com as minhas, sabiam estabelecer um diálogo digno com a sua oposição.

Não analisei cada contacto individualmente. Avaliei-os consoante o impacto emocional de cada publicação que aos poucos aparecia na minha timeline.

Timeline essa que passou a estar muito vazia. Dominada quase inteiramente por páginas, por notícias, e por artigos de opinião.

Virei-me então para os grupos. Para pessoas com interesses similares aos meus. Fossem estes profissionais, desportivos, ou de entretenimento. Neste momento são eles que dominam a minha timeline. Uns mais que outros é certo, mas todos os dias mantenho-me a par das mais diversas novidades sobre os principais temas que me interessam.

Os restantes contactos não passam agora disso. São apenas uma bola verde no Messenger, de nenhuma forma diferentes de um qualquer número numa lista telefónica. Um pequeno preço a pagar por uma lufada de ar fresco no meu constante combate contra a ansiedade.

Consegui fazer isto sem me fechar numa bolha. Sem me recolher em um círculo de opiniões em comum. Todos os dias participo em conversas interessantes com pessoas que pensam diferente de mim. A maioria delas no twitter, claro, a discussão intelectual há muito que abandonou o facebook.

Os temas hoje em dia são as notícias falsas, a desinformação, a fraca qualidade dos media, e as típicas polémicas do dia-a-dia que tão depressa surgem, como desaparecem.

Continuo a usar o facebook esporadicamente. Já não estou na mesma empresa mas continuo a gerir redes sociais. Evito comentar qualquer publicação fora dos grupos onde sou membro activo. Limito-me a dar os parabéns a alguns contactos e a usar o Messenger para falar com os meus amigos.

O resto? O resto deixou de estar à distância de um clique.

Monday, November 19, 2018

Sem tempo, Sem dinheiro, Sem princípios: O jornalismo em Portugal

Imagem DR

Nunca os níveis de desconfiança nos media estiveram tão altos em Portugal e no Mundo, e nunca a qualidade do jornalismo foi tão baixa como é hoje. Os jornalistas são hoje um alvo constante de críticas e de audíveis protestos nas redes sociais, nas caixas de comentários dos seus próprios sites, em fóruns públicos e privados, junto das mais diversas instituições, e até mesmo pelos seus próprios colegas.

Nunca o seu trabalho foi tão esmiuçado, avaliado e exposto. Nunca estiveram estes tão pressionados pelo escrutínio da opinião pública. Nunca esta opinião pública reagiu tão a quente. Nunca esta opinião pública foi tão pouco exigente com a qualidade dos factos que partilha entre si.

Ser jornalista significa viver entre uma dicotomia constante de um público que exige qualidade de informação, ao mesmo tempo que a protesta quando a mesma não se insere na sua própria narrativa.

Ser um profissional da comunicação perante um cliente tão bipolar, acrítico e reactivo, nunca foi tão difícil. Nunca foi tão complexo. Nunca foi tão exigente.

Nunca foi tão preciso, tão necessário, que os media respondessem a isto com mais e melhor conteúdo. Com reportagens profundas e imparciais. Com recurso a especialistas conceituados. Com um cortar de relações com os poderes instalados, com os charlatões e com os vendedores de banha da cobra.

No entanto, o caminho escolhido foi o oposto. O do imediatismo. Da notícia de última hora. Do exclusivo. Do sensacionalismo. Do click bait.

Ao vivermos de perto a realidade das redações, ao conhecer os interesses que movem os seus editoriais e as suas direcções nada disto é surpreendente. É surpreendente sim o silêncio. O silêncio ensurdecedor de uma classe que não se manifesta. Que não se opõe. Que não critica. Que não procura cortar com o marasmo do ciclo noticioso. Que não pára para respirar.

E, apesar de tudo isto, muitas vezes a culpa é mal dirigida. É impossível pedir mais a um jornalista que vive com pouco mais de setecentos euros por mês. Que chega a trabalhar turnos de dez a doze horas seguidas sem direito a horas extra. Que está sujeito à pressão do tempo. À pressão dos editoriais. À pressão da viralidade do seu próprio conteúdo.

É difícil pedir mais a alguém que vive uma situação precária. Que está há anos a recibos verdes. Que todos os dias chega à redacção sabendo que este pode ser o seu último.

Não é justo pedir a um jornalista para pensar quando a sua mente está ocupada com as contas que tem para pagar, com o stress que tudo isto causa na sua família e nas suas relações.

Quando não basta seres bom, quando não tens tempo para escrever, quanto menos para pensar, quem sofre é o conteúdo. Conteúdo esse que muitas vezes não passa de uma nota de imprensa replicada. Do relato unilateral de uma única fonte. De pouco mais que frases feitas que alguém disse para fazer passar a sua mensagem.

Não, não culpo o jornalista comum. O jornalista comum não tem tempo. Não lho dão. O jornalista comum não tem voz. Não o deixam falar. O jornalista comum não tem segurança. O salário dele quer-se baixo. Ele tem que sobreviver, não que viver. O jornalista comum não tem saúde. Sem dormir, sem parar, sem respirar. O jornalista comum não tem tempo para a família. Sempre em piquete. Sem férias. Sem descanso.

É esta a realidade de uma classe que vê os seus melhores profissionais a mudarem de carreira mal saem da universidade. É esta a realidade de uma classe cujo trabalho é julgado em praça pública onde todos somos júri, juiz e executor, sem direito de resposta.

Os poucos que ainda conseguem viver desta profissão. Aqueles que têm tempo para pensar, para pesquisar, para encontrar as fontes, para ouvir os intervenientes. Esses são cada vez menos. Cada vez mais raros e cada vez mais cansados para se preocuparem com as questões mais estruturantes da sociedade actual.

Os restantes estão limitados pelas próprias direcções. Onde antes apenas se respeitava o estilo editorial imposto pela filosofia do próprio meio, hoje temos o bloqueio do capital. Um jornal não pode ousar publicar uma notícia negativa sobre a sua empresa mãe ou sobre um patrocinador. Não sem arriscar fechar portas ou despedir pessoal.

Se for possível, tal notícia será abafada por tempo indeterminado, ou remetida a um canto obscuro de uma secção que ninguém lê. Se a concorrência decidir publicá-la, terão que esperar por ordens dos intervenientes antes de seguirem com a sua divulgação.

Em tempos os jornalistas trabalhavam com gabinetes jurídicos do próprio jornal. Se uma notícia era efectivamente complexa, pediam conselhos, recolhiam todas as fontes, e só depois a publicavam. Hoje, é tudo para ontem. Os factos são alternativos. E o que não interessa, não aparece.

Por vezes, nem sequer há uma real malícia por parte da direcção, mas uma simples protecção da sua fonte. Sem entrar em clubismos, basta olhar para como os jornais desportivos cobriram a investigação do fisco espanhol às contas de Jorge Mendes.

Jornais que vêem neste empresário uma fonte importante de furos e de notícias de última hora, corriam o risco de perder o exclusivo se tentassem publicar algo sobre o tema. Questionados sobre o seu silêncio por jornalistas espanhóis, alguns editores apenas responderam “não nos arranjem problemas”.

É esta permissividade entre os poderes instalados, as grandes instituições e os testas-de-ferro do grande capital, que polui e destrói a credibilidade editorial dos principais meios da nossa praça.

É por isso que cada vez mais nos voltamos para blogues, para projectos independentes como o Fumaça, e para barómetros de coerência e acuidade como o polígrafo e Os Truques da Imprensa Portuguesa.

Estes espaços são neste momento os principais instrumentos de democratização da informação em Portugal. Estes espaços têm tempo. Espaço para respirar. Segurança. Qualidade. E, acima de tudo, procuram apenas informar, corrigir, alertar, ou até, só dar a conhecer.

Não dão tantos cliques. Não são tão virais. Os títulos não são tão chamativos. Mas a informação é real. É cuidada. É, apenas e só, baseada em factos. Em trabalho de investigação.

Deem tempo ao jornalista comum. Deixem-no respirar. Deixem-no trabalhar numa única peça por dia, se esta o justificar. Deem-lhe um salário digno. Tempo para si, para a sua saúde, e para a sua família.

Procurem por outras fontes de publicidade. Não tenham medo de cortar com um investidor se este vos forçar a impor a sua própria agenda.

Acima de tudo, sejam fiéis aos princípios que movem a nossa profissão.

Quando o jornalismo é livre, quando o jornalismo tem em si a voz dos factos e nada mais, somos todos vencedores.

Quando assim não é, a própria democracia e os direitos mais básicos são postos em causa.

O estado actual dos media não é surpreendente, mas é, e sempre foi, evitável. Basta aprender a dizer não.

Tuesday, September 04, 2018

A Anunciada Extinção da Estranha Espécie Conhecida por Avec

Sistela, Foto: Adriano Cerqueira
Todos os Verões há um fenómeno migratório que transforma o Norte e o Interior do país em uma amálgama de matrículas amarelas, memorabilia da selecção nacional de futebol, e trajes de um estilo que, no mínimo, podemos pensar como arrojado. Este fenómeno está tão enraizado na cultura destas regiões que as diversas vilas e aldeias que as povoam lhe dedicam extensos arraiais e romarias, sempre antecipando uma farta participação daqueles que trocam os seus habitats naturais nas planícies francesas, belgas e suíças, pela sua casa de Verão algures guardada em um canto de Portugal

Não é, inclusive, incomum que os dialectos próprios destas regiões sejam substituídos por um primo esquecido das línguas românticas que algures entre o português e o francês ficou perdido na tradução.

Há já quarenta anos que os locais se habituaram a receber estes migrantes, reservando assim, integralmente e sem marcação, o seu querido mês de Agosto para os deixar o mais confortáveis possível e para garantir que os seus carros alugados sejam exibidos dentro da sua comunidade como se fossem eles os seus donos.

Contudo, esta tradição tem os seus dias marcados. O prognóstico não é favorável e, sem qualquer dado empírico que o suporte, não acredito que a mesma sobreviva aos próximos vinte anos.

O tempo será o culpado por esta esperada extinção. O tempo e o próprio mote que motiva a periodicidade desta migração.

A geração que em tempos partiu para fugir à ditadura em busca de um novo emprego algures no centro da Europa há muito que deixou para trás a vivacidade da sua juventude. As novas gerações que entretanto nasceram já se encontram tão embrenhadas no tecido multicultural dos países que habitam que qualquer traço de portugalidade apenas ainda resiste na sua genética.

Poucos falam português, pelo menos não de forma fluente. As recordações que trazem dos seus Verões passados com os pais são de um Portugal de interior, pobre, aborrecido e parado no tempo.

Não exploraram o país que havia para lá das suas vilas. Não conheceram as pessoas que viviam fora dos muros construídos pelos seus vizinhos e pelos seus parentes. Vinham de carro e entravam em Portugal ora por Vilar Formoso, ora por Viana do Castelo. 

Não conhecem Lisboa, não conhecem o Porto. Das restantes capitais de distrito, pouco ou nada sabem. Aqueles que visitaram o litoral fizeram-no fechados em tendas com churrascos à beira-mar, e pouco, ou nenhum, contacto com os locais. 

O Portugal que eles conheceram é hoje apenas uma caricatura, uma imagem transmitida através das salas e dos quintais dos familiares que cá ficaram.

Podem até manter uma ou outra recordação de infância mas, para eles, a ideia de passar um Verão inteiro a visitar familiares e a saltar entre arraiais está muito longe de ser uma opção viável para as suas férias.

As novas gerações não têm uma língua quebrada entre fragmentos de outras duas. As novas gerações falam francês, alemão ou inglês. São gerações qualificadas. Integradas na sua comunidade. Gerações com vontade de viajar.

As suas férias não são passadas em Portugal, mas sim em Itália, na Grécia, no Vietname, na Tailândia, no Japão, na Austrália, nos EUA ou no México. Os seus fins-de-semana prolongados são divididos entre Paris, Berlim, Viena ou Amesterdão.

O quão mais integrados estiverem, menos verão esta migração a Portugal como um mal necessário. Enquanto os seus pais insistirem, vão continuar a regressar. Primeiro durante um mês, depois por duas semanas, uma semana, e enfim, talvez apenas um fim-de-semana lá para o Natal.

De anual, para de ano a ano, de quatro em quatro, para nunca. Talvez ouçam alguns amigos franceses a elogiar o país. A mostrar as fotos que tiraram no Porto, em Lisboa, no Algarve, nos Açores ou na Madeira. E talvez aí pensem em regressar. Não à terra. Não. Os familiares que aí habitam já não os conhecem, e os vizinhos há muito que se mudaram. 

Quando regressarem vão chegar por um dos aeroportos. Vão visitar as nossas cidades, as nossas praias e um ou outro destino turístico. Vão ser turistas indistintos de outros quaisquer. 

As vilas do nosso interior vão enfim ver-se livres das infindáveis matrículas amarelas e os seus arraiais vão ter que se reinventar para garantir a sua sobrevivência.

Esta tradição está condenada e a poucos anos de se consumar como uma breve nota de rodapé na história de Portugal.

Não vale a pena esperar uma nova vaga desta tradição através dos mais recentes emigrantes. 

Ao contrário dos primeiros, estes, quando saíram, já eram fluentes em ambas as línguas. Não foram para França ou para a Suíça, mas sim para o Reino Unido, para a Alemanha, para a Dinamarca e para os EUA. São novos migrantes. Migrantes qualificados. Ambiciosos. Migrantes que, em muitos casos, nem sequer procuraram emprego em Portugal.

Muitos optaram logo por uma posição lá fora que lhes garante um salário mais alto e melhores condições que aquelas que alguma vez as nossas empresas lhes seriam capazes de oferecer.

As suas férias são passadas a viajar pelo Mundo fora. São uma geração europeia, cosmopolita e multicultural. Uma geração Erasmus, com vontade de atravessar novos horizontes. Uma geração que quando emigra não o faz para juntar dinheiro para um dia regressar, mas sim para construir a sua carreira e, talvez, uma família lá fora.

Vão sempre voltar para visitar os seus familiares mas, não no Verão, não durante um mês. O Natal, a Páscoa e outras datas importantes serão as escolhidas. Também estes vão regressar de avião e não de carro. Não vêm para impressionar ou meter inveja a ninguém, mas sim para matar saudades da família e daqueles que ficaram e para, em breve, regressarem à vida que lá fora constroem em permanência.

O destino está traçado e o alarme está prestes a tocar. Em breve o único motivo de reportagem na fronteira de Vilar Formoso será a ausência de tráfego onde antes muitos faziam fila. De carro cheio, sorridentes, e com novas matrículas amarelas para passear pela sua aldeia.

Um postal que, não tarda, passará a ficar guardado numa qualquer gaveta da memória colectiva da nossa história contemporânea.

Wednesday, August 08, 2018

Um Verão a Sós

Imagem DR

Os Verões da minha adolescência eram passados em casa, ora a ler, ora a ouvir a música, ora online no mIRC ou no MSN. Durante oito anos fui apenas uma vez à praia com colegas de escola. Não tinha amigos, pelo menos não daqueles que me convidassem para fazer algo fora do liceu.

A primeira, e única, vez que fui à praia com colegas do liceu foi já no nono ano. A minha mãe lá me convenceu a ir com um grupo de pessoal popular com quem me dava mais ou menos bem, mas a quem não podia verdadeiramente chamar de amigos.

Foi uma tarde algo embaraçosa. Com a pressa de sair de casa levei um tapete em vez de uma toalha de praia e passei a tarde com a t-shirt vestida. Dizia como desculpa que estava com algum frio, mas na verdade não tinha confiança o suficiente no meu corpo para o mostrar desta forma. Eventualmente acabei por tirar a t-shirt mas, no geral, não parei de me sentir desconfortável. Foi uma tarde muito longa e uma experiência que tão cedo não queria repetir.

Passar férias fora de Ovar também não era uma opção. Os meus pais decidiram construir a nossa casa no virar do milénio, quando ainda tinha 12 anos. Sem dinheiro para mais nada não viajávamos. Fomos uma semana para o Algarve em 2001 e em 2005 e passámos um fim-de-semana em Évora em 2003.

Ia à praia com eles na Torreira de vez em quando ao fim-de-semana. Por vezes pegava na minha bicicleta e ia até à praia ler, mas se o fizesse mais que duas vezes no mesmo Verão já era muito. Lembro-me de passar os dias a adiar esta minha viagem até ao Furadouro. Eram apenas cerca de sete quilómetros a pedalar, mas sozinho parecia ser uma distância interminável.

As desculpas eram muitas e variadas. Ora estava mau tempo, ora estava muito calor. A minha constante preguiça e as longas noites passadas no mIRC, faziam com que raro fosse o dia em que saísse da cama antes das duas da tarde. Nas raras vezes que lá conseguia levantar-me cedo, aproveitava as manhãs para ler ou para arrumar o meu quarto.

Chegava a perder dias inteiros na arrecadação à procura de algo em específico. Um velho brinquedo, uma peça de roupa ou algum velho pedaço de lixo tecnológico que pudesse, talvez, ainda funcionar.

Tudo servia como desculpa para não pegar na minha bicicleta. Na verdade só não o fazia por receio de encontrar alguém conhecido. Talvez esteja a exagerar quando o digo, mas durante anos a ansiedade que sentia sempre que era forçado a sair de casa, fez-me acreditar que sofria de agorafobia. Hoje compreendo que o que sentia era apenas medo. Medo de interagir com alguém conhecido fora do habitat natural que era a escola.

Apesar disto, ia ao Porto com alguma frequência. O meu pai deixava-me no Gaiashopping ou no Arrábida. Passeava pelas lojas e ia ver um filme, fim-de-semana sim, fim-de-semana não.

Volta e meia ia também a Aveiro, ou a Coimbra, ter com pessoal com quem falava no mIRC. Eram tardes muito fixes que me davam algum alento para aguentar o resto do ano mas, infelizmente, muito fugazes. Tão fugazes como essas amizades que, hoje, não passam de memórias ou de meros conhecidos que há muito deixei de seguir no facebook.

Sentia-me um verdadeiro outsider, sempre à espera que surgisse alguém capaz de dar um novo rumo à minha vida.

Durante esses anos perdi muitos dos meus interesses. Gradualmente deixei de ver o Em Busca do Vale Encantado todas as semanas. Deixei de coleccionar/jogar cartas Pokémon. Deixei de ver Power Rangers e de brincar com os meus LEGO.

Uma das frases que mais vezes usava no meu perfil do MSN era algo sintomática deste sentimento de perda: “Já ninguém ouve New Order, já ninguém vê o Em Busca do Vale Encantado, já ninguém gosta da Primavera.”

Com três simples traços desenhava a minha solidão.

Virei-me então para a música. Passava os dias entre a MTV e o SOL Música à procura de novas bandas. Por vezes chegava a mandar mensagens para o rodapé do SOL Música. A maioria delas a pedir para passarem New Order ou t.A.T.u.

Cheguei inclusive a ir a alguns festivais de Verão. Era assíduo no SBSR e fui aos dois primeiros Rock in Rio. Sempre com o meu pai, pois nunca encontrava alguém interessado em acompanhar-me.

Eram Verões muito aborrecidos. Passava-os a contar os dias até ao regresso às aulas. Não por gostar particularmente do meu liceu, mas para poder ter algo para fazer além do constante marasmo do meu dia-a-dia.

Passava-os também na esperança que a pessoa de quem gostava na altura não tivesse arranjado namorado e que, de alguma forma, ela se lembra-se que eu existia.

Sempre que, por alguma brecha, a minha realidade se cruza com estas memórias, sinto alguns destes sentimentos a vir ao de cima. Uma profunda tristeza por tempos que perdi, por momentos que não vivi, pela solidão e pela frustração que assolavam os meus dias.

Tive que esperar até 2010 para a minha vida começar a ficar mais interessante e para, de facto, começar a vivê-la.

Ao meu Eu adolescente apenas tenho isto a dizer: Levanta-te desse canto e volta para a cama. Não te preocupes, o futuro será muito melhor.