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Nunca os níveis de desconfiança
nos media estiveram tão altos em Portugal e no Mundo, e nunca a qualidade do
jornalismo foi tão baixa como é hoje. Os jornalistas são hoje um alvo constante
de críticas e de audíveis protestos nas redes sociais, nas caixas de
comentários dos seus próprios sites, em fóruns públicos e privados, junto das
mais diversas instituições, e até mesmo pelos seus próprios colegas.
Nunca o seu trabalho foi tão
esmiuçado, avaliado e exposto. Nunca estiveram estes tão pressionados pelo
escrutínio da opinião pública. Nunca esta opinião pública reagiu tão a quente.
Nunca esta opinião pública foi tão pouco exigente com a qualidade dos factos
que partilha entre si.
Ser jornalista significa viver
entre uma dicotomia constante de um público que exige qualidade de informação,
ao mesmo tempo que a protesta quando a mesma não se insere na sua própria
narrativa.
Ser um profissional da
comunicação perante um cliente tão bipolar, acrítico e reactivo, nunca foi tão
difícil. Nunca foi tão complexo. Nunca foi tão exigente.
Nunca foi tão preciso, tão
necessário, que os media respondessem a isto com mais e melhor conteúdo. Com
reportagens profundas e imparciais. Com recurso a especialistas conceituados.
Com um cortar de relações com os poderes instalados, com os charlatões e com os
vendedores de banha da cobra.
No entanto, o caminho escolhido
foi o oposto. O do imediatismo. Da notícia de última hora. Do exclusivo. Do sensacionalismo.
Do click bait.
Ao vivermos de perto a realidade
das redações, ao conhecer os interesses que movem os seus editoriais e as suas
direcções nada disto é surpreendente. É surpreendente sim o silêncio. O
silêncio ensurdecedor de uma classe que não se manifesta. Que não se opõe. Que
não critica. Que não procura cortar com o marasmo do ciclo noticioso. Que não pára
para respirar.
E, apesar de tudo isto, muitas
vezes a culpa é mal dirigida. É impossível pedir mais a um jornalista que vive
com pouco mais de setecentos euros por mês. Que chega a trabalhar turnos de dez
a doze horas seguidas sem direito a horas extra. Que está sujeito à pressão do
tempo. À pressão dos editoriais. À pressão da viralidade do seu próprio
conteúdo.
É difícil pedir mais a alguém que
vive uma situação precária. Que está há anos a recibos verdes. Que todos os
dias chega à redacção sabendo que este pode ser o seu último.
Não é justo pedir a um jornalista
para pensar quando a sua mente está ocupada com as contas que tem para pagar,
com o stress que tudo isto causa na sua família e nas suas relações.
Quando não basta seres bom,
quando não tens tempo para escrever, quanto menos para pensar, quem sofre é o
conteúdo. Conteúdo esse que muitas vezes não passa de uma nota de imprensa
replicada. Do relato unilateral de uma única fonte. De pouco mais que frases
feitas que alguém disse para fazer passar a sua mensagem.
Não, não culpo o jornalista
comum. O jornalista comum não tem tempo. Não lho dão. O jornalista comum não
tem voz. Não o deixam falar. O jornalista comum não tem segurança. O salário
dele quer-se baixo. Ele tem que sobreviver, não que viver. O jornalista comum
não tem saúde. Sem dormir, sem parar, sem respirar. O jornalista comum não tem
tempo para a família. Sempre em piquete. Sem férias. Sem descanso.
É esta a realidade de uma classe
que vê os seus melhores profissionais a mudarem de carreira mal saem da universidade.
É esta a realidade de uma classe cujo trabalho é julgado em praça pública onde
todos somos júri, juiz e executor, sem direito de resposta.
Os poucos que ainda conseguem
viver desta profissão. Aqueles que têm tempo para pensar, para pesquisar, para
encontrar as fontes, para ouvir os intervenientes. Esses são cada vez menos.
Cada vez mais raros e cada vez mais cansados para se preocuparem com as
questões mais estruturantes da sociedade actual.
Os restantes estão limitados
pelas próprias direcções. Onde antes apenas se respeitava o estilo editorial
imposto pela filosofia do próprio meio, hoje temos o bloqueio do capital. Um
jornal não pode ousar publicar uma notícia negativa sobre a sua empresa mãe ou
sobre um patrocinador. Não sem arriscar fechar portas ou despedir pessoal.
Se for possível, tal notícia será
abafada por tempo indeterminado, ou remetida a um canto obscuro de uma secção
que ninguém lê. Se a concorrência decidir publicá-la, terão que esperar por
ordens dos intervenientes antes de seguirem com a sua divulgação.
Em tempos os jornalistas
trabalhavam com gabinetes jurídicos do próprio jornal. Se uma notícia era
efectivamente complexa, pediam conselhos, recolhiam todas as fontes, e só
depois a publicavam. Hoje, é tudo para ontem. Os factos são alternativos. E o
que não interessa, não aparece.
Por vezes, nem sequer há uma real
malícia por parte da direcção, mas uma simples protecção da sua fonte. Sem
entrar em clubismos, basta olhar para como os jornais desportivos cobriram a
investigação do fisco espanhol às contas de Jorge Mendes.
Jornais que vêem neste empresário
uma fonte importante de furos e de notícias de última hora, corriam o risco de
perder o exclusivo se tentassem publicar algo sobre o tema. Questionados sobre
o seu silêncio por jornalistas espanhóis, alguns editores apenas responderam “não
nos arranjem problemas”.
É esta permissividade entre os
poderes instalados, as grandes instituições e os testas-de-ferro do grande
capital, que polui e destrói a credibilidade editorial dos principais meios da
nossa praça.
É por isso que cada vez mais nos
voltamos para blogues, para projectos independentes como o Fumaça, e para
barómetros de coerência e acuidade como o polígrafo e Os Truques da Imprensa Portuguesa.
Estes espaços são neste momento
os principais instrumentos de democratização da informação em Portugal. Estes
espaços têm tempo. Espaço para respirar. Segurança. Qualidade. E, acima de tudo,
procuram apenas informar, corrigir, alertar, ou até, só dar a conhecer.
Não dão tantos cliques. Não são
tão virais. Os títulos não são tão chamativos. Mas a informação é real. É
cuidada. É, apenas e só, baseada em factos. Em trabalho de investigação.
Deem tempo ao jornalista comum.
Deixem-no respirar. Deixem-no trabalhar numa única peça por dia, se esta o
justificar. Deem-lhe um salário digno. Tempo para si, para a sua saúde, e para
a sua família.
Procurem por outras fontes de
publicidade. Não tenham medo de cortar com um investidor se este vos forçar a impor
a sua própria agenda.
Acima de tudo, sejam fiéis aos
princípios que movem a nossa profissão.
Quando o jornalismo é livre,
quando o jornalismo tem em si a voz dos factos e nada mais, somos todos
vencedores.
Quando assim não é, a própria
democracia e os direitos mais básicos são postos em causa.
O estado actual dos media não é
surpreendente, mas é, e sempre foi, evitável. Basta aprender a dizer não.
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