Friday, December 31, 2010

Thursday, December 23, 2010

O Regresso da Véspera da Véspera de Natal Parte IV

365 dias, 128 bilharacos, 64 pacotes de Pop Chocs, 32 dias pedrado, 16 instalações simétricas, 8 pães-de-ló, 3 distritos, 1 Uberman Shedule e 0 pencas depois, está de regresso a Véspera da Véspera de Natal! Acredita em mim, e as pencas tornar-se-ão em couvões.

Mas couvões e pencas não são sinónimos? Couves queres tu dizer, ou repolhos? Há diferença? Sim. Mas eu não quero saber.

Jesus estava a jogar ao peão enquanto o Domingos ligava a PS3 ao seu novo LED 3D. O Mindo também estava ali, por algum motivo.

“Ó Domingos, tem lá paciência”, disse Jesus enquanto acendia uma das velas do seu Menorah, apesar deste ano o Hanukkah ter sido mais cedo, mas este Jesus não recebeu o memo. No meio de visitas a Genselkirchen e celebrações do antigo avançado do Sporting de Lourenço Marques, também conhecido como Eusébio, Jesus só tinha tempo para ver vitórias a migrar para Norte.

“Mas não é inverno?”, pergunta o Mindo, que continuava por ali, apesar de toda a gente o ignorar.

“Isso é subjectivo”, responde Vasco da Gama que por acaso passava por ali para usar o telefone de Jesus para votar no António da Casa dos Segredos. "Ele é fofo e ao mesmo tempo parolo", confessou recentemente à Caras durante uma festa do Afonso Henriques com o Aristides de Sousa Mendes para celebrar a redescoberta da terra desconhecida chamada Brasil, onde o Mindo se encontrava antes de se perder por aqui.

Jesus, Domingos, Vasco da Gama, Eusébio e o gajo dos óculos escuros saíram dali. A principal razão era evitar terem que falar com o Mindo, mas este não percebeu e foi atrás deles. Juntaram-se a Sócrates, o filósofo, para debater a diferença entre pencas e couvões.

Fernando Pessoa e Camões, que tentavam versar sobre aquilo, pararam para questionar a descoberta da terra desconhecida chamada Brasil, enquanto esperavam pelo comboio das 13h06, apesar de hoje este não circular, já que é domingo.

“Mas hoje é quinta-feira!”

“Tu é que és quinta-feira!”, responde o gajo dos óculos escuros, demonstrando os seus rápidos reflexos mentais.

“’Tu é que és’ está longe de ser uma resposta digna de ser referida.”

“Tu é que tens dois sentidos!”

“Como uma estrada!”, diz o Mindo, rindo-se em alta voz, apesar de mais ninguém ter achado piada.

Fernando Pessoa, Camões, Sócrates, o filósofo, Eusébio, Vasco da Gama, e o gajo dos óculos escuros, foram-se embora, deixando em aberto a eterna questão sobre a diferença entre pencas e couvões.

Cá para mim é 42. Deixa-te disso e vai ver o Stargate Universe... Ah, pois, não podes porque foi cancelado!

Domingos perdeu a paciência e foi para Braga jogar ao peão. Esse não era Jesus? O Jorge? Não, o Cristo. Esse não nasce apenas amanhã? Não ouviste? O quê? Bird, bird, bird! Bird is the word! Porquê Jesus? Porquê?!

Fernando Pessoa regressa depois de dormir vinte minutos, e assim habilitar-se a mais quatro horas desperto antes da próxima sesta. Camões traz consigo um cartaz que arrancou do Continente onde dizia "couve penca" com uma promoção de Janeiro a Janeiro. Esse é o Pingo Doce. Deixa de implicar com as minúcias do discurso dos outros e preocupa-te com seja lá o que for que tens para fazer. Buzzkill.

No meio da confusão, enquanto Eusébio tweetava sobre o que se estava a passar no seu Android e Vasco da Gama usava o iPad para fritar umas batatas, Jesus decidiu acender mais uma das velas da sua Menorah e pôr aquele chapéuzinho na cabeça, também conhecido como yarmulke.

Todos tiraram uma foto para colocar no facebook e partilhar através do tumblr, enquanto o gajo dos óculos escuros marcava no foursquare as coordenadas do restaurante de francesinhas em Aveiro, onde todos iam cear mais logo. O Mindo actualizava o seu perfil do linkedin para alargar a sua rede de contactos no universo do stand up comedy, apesar de ser o único capaz de se rir com ele próprio.

E assim se celebra a Véspera da Véspera de Natal, numa galáxia sem sentido onde todos estes seres se reúnem para debater as tremendas complexidades da existência cuja resposta continua a ser 42. Chega então ao fim mais um ano sem que alguém alguma vez descubra qual a diferença entre pencas e couvões, couves ou repolhos.

A todos um Feliz Natal e a todos uma boa noite! Se alguém entrar pela vossa chaminé durante a noite, comer as vossas bolachas e beber o vosso leite, chamem a polícia pois acabaram de ser assaltados, o Avô Geada só aparece de 6 para 7 de Janeiro. С Рождеством!

Morram Pencas, morram! Pim!

Wednesday, November 10, 2010

Observações

Hoje é dia 10 de Novembro, uma data como outra qualquer que facilmente me passaria ao lado, não fosse por um simples pormenor: hoje termina o prazo de uma embalagem de Panrico onde ainda me sobram cinco fatias.

Desde a semana passada que sabia que dificilmente seria capaz de usar este pão todo antes do fim do prazo. Comprei-o há semana e meia por pensar que o pão que tinha em casa não era suficiente para aguentar até ao final da semana anterior. Mas não só aguentou, como ainda sobraram algumas fatias. Já quando o comprei fiquei algo reticente: “O prazo termina a uma quarta-feira? Não sei se vai dar”, disse. Mas a embalagem era pequena e a necessidade parecia ser mais urgente. Má gestão, ou uma simples atitude de “deixa andar”, que me impediu de perder alguns segundos para ver a quantidade de pão que ainda me sobrava, colocaram-me agora nesta triste situação.

Não posso dizê-lo com toda a segurança, mas creio que esta é a primeira vez que vou ter que deitar comida fora por deixar passar o prazo de validade. A única alternativa, e a mais óbvia, seria comer cada uma das fatias até à meia-noite de hoje. Mas já desde segunda-feira que este pão tem um sabor estranho. Sabor esse que apenas piorou nos últimos dias. Daí as minhas naturais reticências em lhe dar um destino que não o caixote do lixo.

Posso sempre fazer torradas, mas a torradeira não é minha, e tem um aspecto muito pouco higiénico. Duvido que fosse capaz de comer qualquer coisa que de lá saísse.

Ao falar com alguém sobre este meu pequeno dilema a reacção quase imediata foi: “anda tanta gente a passar fome no mundo”, ao qual respondi: “e ia lhes dar pão estragado?” Confesso que sinto-me mal por deitar comida fora independentemente do seu estado, mas isto talvez seja mais válido em casos de pratos que ficam por “limpar”, ou de refeições feitas em excesso, mas agora, quando a situação retrata um possível perigo de saúde alimentar, a minha consciência está limpa.

Podia fazer umas sandes e oferecer a um sem-abrigo. Mas não só não os há nesta zona, como provavelmente me iriam odiar por lhes oferecer um pão com tão mau sabor. Outros poderiam sugerir que as deixasse para amanhã, afinal o que é um dia a mais, e “eles” são sempre excessivamente cautelosos ao estabelecer os prazos de validade. Se provassem deste pão não diriam o mesmo, acreditem.

Já no último sábado vi uma caixa de hambúrgueres de seitan em promoção no Modelo. Coloquei-os no cesto mas, após uma análise mais atenta da caixa, verifiquei que o prazo tinha terminado naquele dia às sete e meia da manhã. Apesar do preço reduzido, e de estarem congelados, o que garantia pelo menos algum nível de segurança, decidi repô-los na prateleira.

É raro o produto que compre sem prestar atenção ao prazo de validade, algo que mais pessoas deviam ter em atenção. Afinal somos aquilo que comemos, e pelo menos o meu prazo é daqueles que não quero ver expirado.

Tuesday, November 09, 2010

Sensações

Jantar. Mais do que um simples hábito embebido na rotina diária, é também uma necessidade. Mas por mais que a fome, ou a simples vontade de nos alimentarmos, nos force a iniciar qualquer refeição, o jantar é algo mais, é também ele, um evento social.

Não falo dos jantares de curso, de trabalho, entre grupos de amigos, aniversários, festas, familiares, ou até mesmo românticos, mas sim do comum jantar de segunda, terça ou quarta à noite. Uma simples refeição, dois ou três pratos, uma mesa, uma cadeira, e talvez uma televisão. Uma mera equação de relativos factores que se conjugam em mais uma actividade rotineira. Quando vivido a sós, na nossa cozinha, ou sala, é mais fácil de engolir. Prepara-se a comida, vai ao prato, come-se, lava-se a loiça e o dia continua. Já fora de casa, é diferente.

Seja num restaurante, na zona de alimentação de um centro comercial ou numa cantina, o peso de enveredar por esta tarefa a sós é mais evidente. Esperamos na fila ou escolhemos uma mesa onde aguardamos para ser atendidos. Consultamos a ementa, sem nenhuma outra opinião que não a nossa, fazemos a nossa escolha, voltamos a aguardar, comemos, levantamo-nos, pagamos a conta e saímos. Isto sistematicamente, dia após dia, nada de novo, talvez o prato seja diferente, talvez a bebida, mas tudo igual, mais do mesmo.

A sós, jantar fora é mais que o mero saciar de uma fome perpétua, é também uma forçosa observação daqueles que nos acompanham naquele lugar. Estranhos. Alguns, também eles, sós, outros, nem tanto. Sentimo-nos sós no meio de uma multidão. Mesmo com o auxílio das novas tecnologias que nos permitem estar em contacto com alguém enquanto jantamos, a falta de uma conversa, por mais banal que seja, a falta de outra opinião, mesmo contrária à nossa, torna esta experiência sensaborona, insípida, entediante e, vá, chata. Ainda para mais quanto para lá de pontual, tal experiência se torna tão parte do dia-a-dia, como dormir ou respirar.

“Mais vale só que mal acompanhado”, dizem. Talvez tenham razão, talvez nunca tenham ido jantar fora sozinhos vezes suficientes.

Tuesday, October 19, 2010

Distracções

Tenho dificuldade em estar atento, em concentrar-me apenas numa única tarefa. Talvez seja culpa da cultura de multitasking constantemente incutida ao longo da minha formação, talvez seja culpa de mim próprio por insistir em manter o twitter, o facebook e o gtalk ligados ao mesmo tempo que procuro pela vontade de fazer alguma coisa. Estou mais inclinado para apostar na segunda hipótese.

Há uma verdadeira auto-estrada de informação que continuamente submerge-me num oceano de dados inúteis e desnecessários para a eficiente progressão do meu dia-a-dia. Tive um professor que dizia: “Ao aprenderem algo novo guardem-no no vosso disco rígido, não na memória RAM”. Pois bem, embora ele tenha razão, suspeito que o buffer do meu cérebro já ultrapassou a sua capacidade máxima e agora não tem remédio se não armazenar toda a informação no disco. Isto deixa-me sem espaço para assimilar a totalidade das novidades mais pertinentes, para não falar que por vezes sinto como que a entrada de nova informação forçasse alguns ficheiros a serem eliminados.

Mas hoje o problema não é a minha capacidade de retenção de dados mas sim o foco dado às tarefas que tenho em mão. Mesmo a simples escrita destas linhas afasta-me de exercícios mais urgentes e, consequentemente, mais importantes. Contudo, vejo-me mais motivado para o desperdício do meu tempo em textos de auto-reflexão, do que para o dispêndio do mesmo em algo mais produtivo.

Talvez um dia devesse tentar simplesmente não ligar o twitter, o facebook e o gtalk, ou pelo menos um deles. Confesso que são estas coisas que mantêm a minha mente sã, mas são elas também as principais responsáveis pela minha constante distracção. Ver o número de tweets por actualizar na minha timeline obriga-me a parar seja o que for que esteja a fazer. Isto pode então levar a que eu me disperse por um link curioso ou que perca alguns segundos a responder a alguém. O mesmo acontece com o facebook. Quem de vocês nunca se apercebeu que tinha passado os últimos minutos a actualizar a página principal na expectativa de alguma reposta, ou comentário, a algo que lá publicaram?

O gtalk é outra história. Os chats, como qualquer conversa, distraem e obrigam-nos a alguma dedicação, visto ser socialmente incorrecto deixar alguém à espera de uma resposta durante um longo período de tempo. Contudo, este não é um verdadeiro problema, visto que por dia apenas falo com cerca de quatro pessoas, e apenas mantenho uma conversa prolongada com uma ou duas. Como se costuma dizer, “não é por aí”.

A conjugação de todas estas distracções fazem-me questionar da minha real capacidade como multitasker. Talvez seja a minha recém-descoberta dificuldade em assimilar novas ondas de informação, talvez seja este um mero sintoma de uma profunda desmotivação psicológica por falta de um sentimento de realização naquilo que faço. Talvez sejam todos estes motivos, e nenhum deles.

Há meses li um artigo que citava um estudo onde indicavam que fazer uma pausa para consultar o e-mail, ou para aceder às redes sociais, ajudava a aumentar a produtividade no local de trabalho. Hoje em dia é comum ver normas contra o uso das redes sociais, empresas com sites como o twitter ou o facebook bloqueados, e estudos atrás de estudos, feitos apenas para demonstrar o quanto perder tempo a navegar pela Web seja a socializar ou não, acaba por resultar apenas numa quebra de produtividade.

Ontem encontrei uma citação que dizia algo do género “só porque muita gente está no lado oposto, não significa que tu não estejas no lado certo”. Contudo, estou mais inclinado para acreditar que aquele estudo inicial precipitou-se no momento de tirar as reais ilações. Sim, fazer uma pausa de tempos a tempos ajuda a manter alguma da sanidade que, caso contrário, se esvaneceria com a imersão constante na mesma tarefa. Mas uma simples pausa não é o mesmo que várias horas de contínua tentação por parte de redes sociais em perpétua actualização.

A solução é simples, parar de queixar-me, desligar as redes sociais e pôr as mãos ao trabalho.

Monday, October 04, 2010

Confissões

Este não é um momento da verdade. Não sinto necessidade em aliviar a minha consciência, nem tão pouco de revelar algo mantido em segredo. Não. Apenas tenciono ponderar sobre algumas coisas que são, só por si, únicas em mim.

Nunca provei Nestum. Não sei ao que sabe, nem tão pouco do que é feito. Quando era pequeno a minha papa predilecta era Milupa e sempre assim foi. Ora comia Milupa, ora uma papa da fruta que a minha avó fazia com bolachas Maria, iogurte, e vários tipos de fruta.

Nunca vi o Rei Leão. Conheço vagamente a história, e já ouvi o nome de algumas das personagens, mas nunca o vi e não tenciono ver, pelo menos, não por enquanto. Vi o Em Busca do Vale Encantado. Uma história bonita, uma história de amizade, adulta, com uma bela mensagem.

Nunca fui à Eurodisney, nem a nenhum grande parque de diversões como a Isla Magica. Fui à Bracalândia uma vez na escola primária. Fui a vários parques aquáticos no Algarve. Diverti-me bastante por lá. Tenho vertigens por isso atracções que envolvam alturas, e andar muito depressa, não eram o ideal para mim.

Nunca tive um animal de estimação per se. Tive uma tartaruga chamada Speedy. Era pequena e pouco ou nada fazia. Morreu de subnutrição, ninguém cá em casa lhe prestava muita atenção. Mesmo hoje sinto-me responsável pela sua morte. Isso entristece-me. Também tive várias galinhas até há pouco tempo. Às vezes deixava-as à solta só para chatear a minha avó. A gata da minha tia, chamada Didi, passou cerca de um ano connosco. Era suposto passar apenas duas semanas, mas como alguém uma vez me disse, sofria de Síndrome de Estocolmo e não queria voltar para a sua casa.

Nunca vi o Samurai X. Não sei qual a sua história, nem qual o seu apelo. Vi o Dragon Ball, os Power Rangers e até mesmo Pokémon. Participei em torneios de cartas que se realizavam num café perto de minha casa. Cheguei a ficar em terceiro lugar num desses torneios. Foi o meu melhor resultado.

Nunca li “Os Lusíadas”. Nem tão pouco os estudei na escola. No décimo segundo ano falámos por alto sobre eles, em comparação com “A Mensagem”, mas nunca os estudei aprofundadamente. Tenciono ler, um dia, mas não por enquanto.

Tudo tem o seu tempo, um momento ideal, único, para ser vivido. Passei ao lado destas coisas, algumas delas em definitivo. Sentei-me na margem a observar enquanto o rio seguia o seu curso. Hoje, algumas destas coisas não fazem sentido. Outras terão a sua oportunidade. Já as restantes mediram forças com adversários à altura e saíram derrotadas.

Há momentos para tudo. Vivo hoje noutro tempo, ao qual novos dias se seguirão.

Wednesday, September 29, 2010

Decisões

“Todos os dias somos confrontados com pequenas decisões, momentos que definem a direcção do nosso caminho.” Um telefonema, uma breve conversa e quatro anos volvidos, hoje é um dia diferente.

Os primeiros raios de sol abrem caminho pelas persianas, envolvendo o meu quarto aos poucos numa suava carícia de calor matinal. Acordo pouco antes da hora que programei no despertador. Enquanto aguardo que este desperte mergulho na fantasia de um dia diferente. Um dia como hoje.

A mesma hora, a mesma música. “Talvez esteja na hora de mudar a estação de rádio, já há uns tempos que não consigo apanhar o ‘Café da Manhã’”, penso. O mesmo banho, as mesmas roupas, o mesmo pequeno-almoço. As rotinas dão-me conforto, são seguras e estáveis. Aconteça o que acontecer posso sempre contar com elas.

Pego no meu telemóvel, nada de novo. Questiono-me se devia continuar a adiar a compra de um novo, ter a caixa de mensagens sempre cheia já começa a irritar. Saio de casa. A mesma porta, as mesmas chaves, o mesmo carro. Talvez não o mesmo, a cor é diferente. Mantém ainda o tom original, um verde-água sinónimo da sua experiência, marcado pelos longos quilómetros de estrada já percorridos. Hoje tem ainda mais alguns para fazer.

É bom estar de regresso a casa. Após estes últimos anos em constante viagem é bom ter um lugar para guardar as malas, dormir numa cama já bem familiar e fazer-me à estrada sem precisar de um mapa.

A viagem, essa, indispensável desde o meu regresso, é já ela mais um mero percurso rotineiro que, não fosse pela imprevisibilidade do trânsito, faria de olhos fechados.

Chego a Arouca pouco antes das nove e meia. Cidade diferente. Entro no café do costume onde a vejo a tomar o pequeno-almoço. Um croissant e uma meia de leite, também ela criatura de rotinas. “Se apenas esse leite fosse de soja podias ser perfeita”, digo-lhe com um sorriso. Ela limita-se a olhar-me de relance fingindo ignorar-me. Sento-me ao seu lado a aguardar a sua reacção. “De todos os cafés em todo o Mundo, tinhas que entrar no meu”, acaba por dizer. Beijamo-nos. Um beijo, também ele rotina, não fosse pela constante novidade de emoções que este momento desperta. Cada vez, único.

O seu nome é Sofia. Conheci-a há anos. Partilhávamos o mesmo sonho. Tomámos a mesma decisão, mas em cidades diferentes. Eu no Porto, ela em Lisboa. Lugar-comum nestas histórias. Nada de novo. Há dois anos, o destino, ou talvez uma mera coincidência entre duas pessoas que escolheram o mesmo ano para fazer Erasmus, ditou que nos encontrássemos em Madrid.

Conhecemo-nos quando já nos tínhamos esquecido um do outro. Conhecemo-nos no momento certo. “Assim estava escrito”, disse-lhe pouco após o nosso primeiro beijo. Ela sorriu. O mesmo sorriso.

“Vamos chegar atrasados”, disse. “Deixa-os esperar, a maioria deles prefere continuar na camioneta a dormir em vez de nos ouvir”, respondi. Ela concordou. Com alguma relutância deixámos aquele lugar.

Cabia a nós fazer a visita guiada ao Museu de Arouca. Uma breve lufada de ar fresco nos exaustivos dias de trabalho de campo. O grupo de hoje era uma turma de uma escola básica da região. A maioria das crianças distrai-se com facilidade e acaba por prestar pouca atenção às nossas apresentações. Acabamos por passar metade do tempo a avisar para não tocarem nas exibições. A minha única esperança é que, entre as poucas dezenas de alunos, haja pelo menos um interessado, sem medo de nos pôr à prova.

A turma de hoje parecia mais calma que as anteriores. Como era habitual gastámos algum tempo a explicar a origem das pedras parideiras e a mostrar-lhes alguns dos exemplares que pareciam maravilhar por breves instantes as suas jovens mentes. Enquanto ela os levava para a sala com os fósseis de trilobites, fui preparar o anfiteatro para a projecção de um pequeno documentário sobre os nossos estudos de campo.

Um rapaz franzino seguiu-me para colocar algumas questões. Já tinha reparado nele, era o que parecia mais atento do grupo. Perguntou-me sobre o que fazia, sobre o meu curso, também ele queria seguir as minhas pisadas. Sugeri alguns sites onde ele se podia informar e, antes de o levar para junto do resto da turma, disse: “Se o teu sonho for algo que te traga verdadeira felicidade, não desistas antes de o concretizares.”

Ao aperceber-me do forte impacto que teria na vida daquele rapaz, deixei-me envolver por um agradável sentimento de realização. São simples momentos como este que mudam o tom de qualquer dia.

Durante o filme, sentei-me ao lado da Sofia no fundo da sala. Contei-lhe a conversa que tive com aquele rapaz enquanto recordávamos alguns dos momentos passados durante as filmagens. “Não és um pouco novo para ser o mentor de alguém?” perguntou. “Talvez. Duvido que aquele rapaz se lembre de mim ou daquilo que lhe disse, mas quem sabe, talvez um dia ele nos venha a citar na sua tese de doutoramento.”

“A mim talvez, já tu, é outra história”, respondeu fixando o olhar na tela de projecção enquanto esboçava um expressivo gesto de contentamento. Fingi ignorá-la e imitei o seu recém-descoberto interesse pelo vídeo. Estava na parte em que explicava o processo da separação do fóssil da placa de xisto. Lembro-me bem daquela tarde. Cansados e cheios de pó após um longo dia de trabalho, acabámos por dar um mergulho numa das várias cataratas da Serra da Freita. Uma tarde diferente.

Passava pouco do meio-dia quando nos despedimos da turma. Almoçámos no centro, um pequeno restaurante com esplanada perto do convento. “Temos que aproveitar estes últimos dias de calor”, foi a desculpa que ela usou para me convencer a almoçar ali. Talvez um dia tenha que aprender a dizer não, mas hoje não é esse dia.

A mesma comida, o mesmo atendimento. “Estou a pensar levar umas fatias de pão-de-ló”, disse. “Prefiro o de Ovar”, respondeu. Diferente lugar, mas algumas coisas não mudam.

Chegámos ao centro museológico do Geoparque de Arouca pouco antes das duas da tarde. O resto da equipa já estava à nossa espera. A Sofia é do sul de Aveiro, desde pequena que teve uma forte paixão pela paleontologia. Terminada a licenciatura na Universidade de Lisboa, iniciou agora o doutoramento em parceria com a universidade de Madrid onde nos conhecemos. O estudo dela foca os vestígios paleozóicos do centro de Portugal.

É curioso como, embora tivéssemos passado grande parte das nossas vidas próximos um do outro, foi necessário ir para outro país de forma a, por fim, nos encontrarmos.

Passei as últimas semanas a ajudá-la com os trabalhos de campo. Já nos verões anteriores fizemos o mesmo em preparação das nossas teses. Daqui a um mês irei para a Lourinhã juntar-me ao Octávio Mateus e a mais um grupo de jovens investigadores. Também fui aceite no mesmo programa doutoral que ela, mas decidi seguir uma linha diferente de estudo. Durante os próximos meses irei assistir à recolha dos fósseis de uma nova espécie de saurópode similar ao Lourinhasaurus. Ela acabará por se juntar a mim, mas não podemos escapar a algumas semanas de separação. Dias como este são, assim, muito importantes.

Separámo-nos do resto do grupo em busca de novas áreas ainda por explorar. Recolhemos algumas amostras promissoras e preparávamo-nos já para regressar quando sugeri que fizéssemos uma pausa. Preparei um pequeno piquenique com alguns dos seus doces preferidos. Aguardámos durante horas, que na verdade não passaram de meros minutos, a fitar as belas paisagens da serra. Uma ligeira brisa acariciava o seu rosto. Com a sua face encostada sobre o meu peito, sentia as fortes batidas do meu coração, sinónimo de uma ligação mais profunda do que alguma vez podia ter imaginado.

Por um instante era como se o próprio tempo tivesse cedido à nossa vontade. O resto do mundo parecia não mais importar enquanto nos perdíamos um no outro.

Não tardou a regressarmos à realidade daquele dia. Regressámos para junto do grupo e continuámos o nosso trabalho. Ao fim do dia jantámos todos juntos novamente no centro da cidade. O mesmo jantar, pessoas diferentes.

Levei-a até casa. Pelo caminho mergulhámos num profundo oceano de milhares de conversas, todas elas a esconder simples palavras que ambos reconhecíamos no olhar um do outro. Ao despedir-me dela, fiquei para trás a observá-la enquanto se dirigia para a sua porta. Ela olhou para trás e sorriu. Senti uma forte necessidade de lhe dizer o que sentia, mas mesmo que as palavras ficassem por ser ditas, ela era capaz de as ler naquele simples gesto. Assim como eu as li no seu último relance antes de entrar.

Não era uma despedida. Amanhã voltaria a vê-la. Amanhã.

Regressei a casa. A mesma estrada, o mesmo carro, a mesma rotina. Deitei-me. A mesma noite, a mesma cama, um dia diferente, um pensamento diferente. Deixei-me adormecer, envolto na felicidade daquele dia, foi para ela o meu último pensamento. Mal podia esperar para acordar, para a ver, para voltar àquele lugar. Mal podia esperar para ver este sonho concretizado. Mal podia esperar.

O mesmo eu, um dia diferente, um mundo diferente, uma escolha diferente.

São simples os momentos que nos definem. Podem surgir por entre as linhas de um bom livro, na equação dos acordes de uma boa música, ou nas palavras de uma pessoa querida. Para mim foi um telefonema, dois minutos de conversa e um comum formulário.

Hoje, não é um dia diferente.

Tuesday, September 28, 2010

O Preço de Andar em Quatro Rodas

Gasolina, GPL, seguro, manutenção, óleo, limpeza, estacionamento e, agora também, portagens. Um carro é já de si um investimento bastante dispendioso, mas aquilo que pagamos por ele é apenas a “entrada” para uma vida inteira de despesas.

O combustível é desde logo o gasto mais óbvio. Seja qual for aquele que escolherem, mesmo nos casos dos carros eléctricos, é necessário pagar pela energia que faz com que ele se mova. O seguro é outro acréscimo que mensalmente nos vemos forçados a inserir no carrinho de compras. Para aqueles que compraram o carro às prestações, além do preço de base inicial há que ter ainda em consideração os juros que, por mais baixos que sejam, a longo prazo acabam por ser bastante consideráveis.

A verdade é que um carro de 20 mil euros, com um tempo de vida útil até dez anos pode custar ao seu proprietário bem acima de 40 mil, mesmo que este seja bastante rigoroso com a sua manutenção e não tenha qualquer acidente. Não são estes gastos mais do que suficientes?

Parece que não. Não basta ser necessário pagar para ter carro, para que ele ande, para que ele ande com segurança, e para que em caso de algum imprevisto a assistência seja assegurada. Querem também que paguemos simplesmente por andar com ele.

Siglas. Durante o dia-a-dia é raro não recorrermos a elas. Seja em referência às instituições onde estudamos ou trabalhamos, ou no simples acto de nos referirmos a um determinado clube. As siglas são uma parte tão importante do nosso vocabulário que algumas delas já por si formam palavras capazes de serem vocalizadas, ao invés de meramente nos limitarmos a ditar letra por letra.

Há dias questionava-me sobre o significado de QREN. Quadro de fundos comunitários não parecia encaixar dentro destas quatro letras. Aliás, apenas refiro a ele como quadro devido ao proeminente Q no início desta “palavra”. De facto, QREN desdobra-se em Quadro de Referência Estratégico Nacional. Outra sigla, também ela comum na agenda mediática é SCUT. Esta é mais fácil de descortinar. Via Sem Custos para o Utilizador, ou SCUT. Talvez acharam que o V estava implícito, ou que VSCUT não seria tão “melódico”.

Pois bem, essa sigla encontra-se hoje ameaçada. Já quase tão raras como o Priolo açoriano, as SCUT estão prestes a extinguir-se e até têm data marcada: 15 de Abril de 2011. Contudo, essa data não é uniforme, para algumas é já dia 15 de Outubro que se vão ver forçadas a evoluir para uma aberração com portagens que ainda não se sabe bem como vão funcionar. Já agora, se alguém for capaz de me explicar esta obsessão com o 15, agradecia.

Até era capaz de compreender a necessidade da cobrança de portagens nestas auto-estradas. Afinal, o governo está endividado e alguém tem que pagar a sua manutenção – apesar de na maioria dos países europeus as auto-estradas serem gratuitas, mas isso já é outra história. Mas, se a ideia sempre foi cobrar portagens, porquê eliminar as vias alternativas? De uma perspectiva estratégica até foi inteligente da parte deles, ao eliminar as vias gratuitas alternativas, forçam os utentes a enveredar pelo percurso pago, o que, numa cidade como o Porto irá implicar um lucro de vários milhões de euros mensais, tendo em conta o número de veículos que por lá passam todos os dias.

Eu já não costumo levar o carro ao Porto. A viagem de ida e volta, que no meu caso ronda os 80 Km, implica um gasto de cerca de seis euros – equivalente a um consumo de dez litros a cada 100 Km e a um preço de 0,7 € do litro de GPL. Um bilhete de comboio, mesmo acrescido com uma viagem de metro fica por 5,7 € o que acaba por ir dar ao mesmo, mas sem o inconveniente de ter que o estacionar. Para aqueles não familiarizados com a invicta, ou se paga, ou deixa-se o carro num sítio manhoso em cima de um traço contínuo amarelo.

Mas eu não tenho muita necessidade de ir ao Porto, pelo menos, não agora. Imaginem alguém que viva nos arredores e que trabalha no Porto. Sem alternativas de transportes públicos, vê-se forçado a levar o carro por lá e como o único trajecto implica uma passagem pela A29, não tem remédio se não pagar os custos de portagem. Mesmo com o tal desconto de 100% nas primeiras dez viagens e 15% em cada viagem seguinte, no final do mês são cerca de 40 euros que este utente gasta apenas para poder ir trabalhar.

Infelizmente, cada um só se preocupa com a realidade que o afecta directamente. Parece que as regiões não afectadas pelas SCUT limitam-se a queixar dos gastos das suas contribuições fiscais que são assim direccionadas para a manutenção destas vias. O que acaba por ser uma mera redundância visto que os seus impostos não vão baixar mesmo que todas as SCUT deixassem de o ser neste preciso instante.

Parece algo inútil continuar a apelar à consciencialização contra algo que é inevitável. Mas mais inútil é o silêncio perante uma forte injustiça discriminatória. E sim, eu sei que a A29 não será paga entre Esmoriz e Vilar do Paraíso, mas basta alguém se enganar na saída e a portagem é logo cobrada. Já para não falar que quem vem do Freixo apanha ainda com as portagens da A44 e o sistema é assim, mais uma vez, deturpado contra o utente.

Ter carro é uma forte responsabilidade. É dispendioso, mas útil. É prático, mas incómodo. É caro, é cada vez mais caro.

Thursday, September 23, 2010

Entre Londres e Paris escolho Ovar

Sempre quis ir a Londres, mas nunca fui. Já Paris, cheguei mesmo a comprar um bilhete, mas não embarquei. Hoje queria lá estar.
Adriano Cerqueira

Ao entrar para a faculdade uma das coisas que mais me impressionou foi o facto de ser rara a pessoa que não tinha visitado Londres pelo menos uma vez. No início senti alguma inveja aliada a uma sensação de não-pertença. No meu velho liceu podia contar pelos dedos o número de pessoas que tinham viajado para fora da Península Ibérica, daí ser compreensível estranhar profundamente esta diferença.

Cedo limitei-me a ignorar esse facto, no fundo é um mero pormenor que apenas me forçava a ficar calado nos raros momentos em que esse tema surgia. Apesar de sempre ter tido vontade em visitar Londres nunca fiz nada de forma a concretizar essa viagem. Contudo, por duas vezes isso esteve perto de acontecer.

A primeira ainda no início da minha adolescência quando a Windsor School me propôs para passar um mês em Inglaterra em casa de uma família de acolhimento que recebia alunos estrangeiros. Contudo, o programa custava cento e cinquenta contos (cerca de setecentos e cinquenta euros) o que na altura era um custo muito elevado para os meus pais suportarem. Para não falar que a ideia de passar um mês em casa de estranhos não me agradava em nada. Hoje gostava de ter podido aceitar essa oportunidade.

A segunda foi no meu décimo segundo ano. A minha turma estava a planear uma viagem de finalistas que não a típica semana em Lloret del Mar, e que não envolvesse quaisquer gastos. Para tal procurámos patrocínios e vendemos bolos, entre outras coisas, no liceu de forma a pagarmos a viagem. O objectivo era ir a Londres, contudo, não conseguimos juntar dinheiro suficiente para levar a turma toda lá, mesmo com recurso a companhias low cost. Optámos então por ir a Coruña e Santiago de Compostela onde ficámos cerca de uma semana.

De facto, apenas este ano consegui viajar para fora da Península Ibérica. Apesar das inesquecíveis passagens por Colónia, Amesterdão, Roterdão, Bruges, Leuven e Bruxelas, Londres e Paris ficaram fora do itinerário. A segunda, curiosamente, fez parte do plano de viagem até ao último minuto. Planeávamos ir de comboio directamente para Paris a partir de Charleroi, mas tais gastos iriam implicar um esforço financeiro que nenhum de nós estava disposto a fazer, já para não dizer que apenas íamos passar um dia na capital francesa, o que inviabilizava desde logo qualquer experiência turística digna desse nome.

Tarde ou cedo irei a Londres. Talvez já no próximo ano, talvez um dia vá para lá estudar, trabalhar, viver, como desde sempre planeei. Por enquanto não faz sentido lá ir. Este ano já olhei um T-Rex nos olhos, posso esperar pelo momento em que me encontre directamente por debaixo de um Diplodocus. Sinto que a Londres, mesmo à distância, já lhe disse aquilo que tinha para dizer. Um destino do passado, como um velho desejo, não passa disso, de uma memória guardada de velhas certezas que hoje pouco mais são que simples ilusões.

Destino, fado, sorte, pode ser que um dia, por um destes, ou por outros motivos, o meu caminho passe por lá, mas por agora, é apenas um lugar que, por mais próximo, é para mim eternamente distante.

Já Paris, essa concubina martirizada de uma História ainda por escrever, é um destino que guarda em Lisboa o segredo da sua vontade.

Era 2008, tinha acabado de ganhar um passe InterRail. Passei meses a planear a viagem, reservei várias pousadas nos diversos destinos que propunha visitar. Cheguei mesmo a comprar um bilhete de ida para Paris. Poucos dias antes de embarcar ainda não tinha encontrado alguém que quisesse aventurar-se comigo. Estava convicto que era capaz de fazer esta viagem sozinho, mas no momento da verdade os elevados gastos envolvidos e o medo das diversas coisas que me podiam acontecer sem ninguém ao meu lado para me ajudar, fizeram-me desistir da ideia. O dia do voo chegou e eu não parti.

Talvez devesse ter procurado Paris mais cedo, talvez devesse ter feito algo mais ao invés de simplesmente aceitar a inevitabilidade de algum dia por lá me aventurar. Perdi a minha oportunidade e a janela fechou-se. Já lá vão dois anos e nada mudou. Mesmo Lisboa, que visito pelo menos uma vez por ano, mostra-se demasiado distante. Podia ser tão perto como o Furadouro e, mesmo assim, além do meu alcance.

Hoje queria lá estar. Não desta forma pois sentir-me-ia a mais num sítio já de si sobrepovoado, mas sim ao seu lado, só com a cidade. Talvez um dia, talvez nunca.

Entre Londres e Paris escolho Ovar. Cidade que inúmeras vezes me rejeitou e eu a ela. Lugar que me acolhe sem nada pedir em troca. Sítio que bem conheço. Espaço onde pertenço. Casa.

É difícil lá ficar. É difícil lá querer estar. É mais difícil de lá sair. Hoje não queria lá estar. Hoje não vejo outra cidade onde quisesse estar.

Wednesday, September 22, 2010

Défice de falta de atenção

Reparei que tenho andado despistado ultimamente. Distraio-me com uma tremenda facilidade, e é com grande esforço que consigo manter-me atento a algo, especialmente quando alguém fala comigo.

“Isto não vem de agora”, uma frase que da última vez que a ouvi, da última vez que me lembro pelo menos, vinha ligada a algo bem mais profundo, mas agora apenas serve para ilustrar a minha recém-descoberta incapacidade de focar-me apenas numa coisa durante um longo período de tempo. Mas é a melhor forma que encontrei para iniciar este exercício de introspecção.

Desde sempre que quando falo com alguém em condições de bastante ruído por vezes chego a um ponto em que simplesmente deixo de perceber o que a pessoa está a dizer. Na maioria das vezes limito-me a acenar e a fazer sons que mascarem a minha falha de audição, contudo, por vezes, peço para repetirem, mas antes que o possam fazer ouço, como um eco, o que me tinham dito anteriormente, como se apenas agora o estivessem a dizer, e houvesse alguma espécie de atraso no canal de comunicação.

Nunca prestei muita atenção a isto, achando que se tratava apenas de uma ilusão auditiva. Talvez, embora não tivesse ouvido, o meu cérebro seja capaz de ler os lábios e gestos do outro e interpretar o que foi dito tendo em conta a informação ao seu dispor.

Ultimamente isto tem-se agravado muito mais. Vejo-me a esquecer-me facilmente das tarefas que me proponho a fazer. O exemplo mais comum é abrir um browser e esquecer-me do site que queria consultar. Também por vezes levanto-me para ir a um sítio qualquer e encontro-me no meio do corredor a pensar no porquê de ali estar.

Sempre tirei vantagem da minha memória quase fotográfica que me permitiu concluir o liceu com pouco ou nenhum esforço. Tinha uma vasta capacidade de memorizar os mais ínfimos pormenores dos sítios que visitava de forma a poder reproduzi-los sem problemas dias, meses ou até mesmo anos mais tarde. Mas agora sinto como se o meu disco rígido estivesse cheio, sem lugar para mais informação.

De regresso à falta de atenção. Já chega a ser preocupante. Ontem convidaram-me para ir a um sítio, perguntei onde, mas não ouvi. A minha mente fugiu para outro lugar e apenas fixei a hora sem fazer ideia para onde me dirigia. Por embaraço, não voltei a perguntar e apenas deixei as coisas se desenrolarem até que me voltassem a dizer o sítio. Embora tenha boa memória para caras e nomes, ultimamente ao conhecer alguém novo, é raro o caso em que me lembro do nome.

Também ao ler uma notícia ou um livro, começo a divagar para outros lugares, sem deixar de ler cada palavra, mas ao mesmo tempo não as leio pois não lhes presto atenção. Cheguei ao ponto de reler o mesmo texto duas, três, quatro vezes seguidas antes de conseguir verdadeiramente assimilar o que lá está escrito.

Sinto-me como o J.D. num episódio de Scrubs. É raro manter uma conversa com alguém sem que a minha mente se aventure em outros pensamentos. Muitas vezes sou eu próprio que me apercebo do que se está a passar e forço-me a despertar deste sono.

Talvez a resposta esteja aí, não me lembro da última vez que dormi bem. Acordo várias vezes durante a noite e desperto ao menor ruído. Tento voltar a adormecer, mas demoro horas a fazê-lo.

Isto é mais notável quando estou sob stress, ou quando algo me preocupa. Nisso, este último ano não ajudou em nada. Mesmo quando estou a conduzir, já aconteceu esquecer-me do caminho e seguir em piloto automático pela estrada fora aos círculos. Não que eu não saiba o destino, ou por onde tenho de ir, mas simplesmente fico ausente do meu próprio corpo e começo a observar-me a partir de um ponto exterior. Tal é muito evidente quando vou a conversar com mais alguém. Pareço ter perdido a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo.

Será um efeito secundário do cocktail de comprimidos ao qual me submeti durante meses? Estarei a atingir o limite de stress que o meu corpo e a minha mente aguentam? Não sei, mas acho que preciso de ajuda.

Thursday, September 16, 2010

À Margem da Tecnologia

Por vezes pareço ter um dom especial para tomar as decisões erradas nos piores momentos. Pelo menos no que toca ao investimento tecnológico, esse dom tem sido bastante evidente. Cépticos? Bom, nesse caso resta-me apenas enumerar os argumentos que fazem disto regra, e nada melhor do que começar pelo início.

Em meados da década de 90 – diria 1996, mas não tenho a certeza do ano exacto – comprei o meu primeiro computador, um Pentium 100. Na altura optei por não apostar na internet, por ainda ser pouco usada e não ter uma distribuição significativa em Portugal. Talvez esta decisão não tivesse sido assim tão disparatada, apesar de hoje em dia ser impensável adquirir um computador sem ligação à net, na altura a realidade era bem diferente. Contudo, passei ao lado de um bom investimento que me colocaria à frente do meu tempo e acabei por optar pela escolha mais segura.

Poucos anos passaram até que o meu velho Pentium 100 ficasse obsoleto. Ter um computador incapaz de ligar à afamada auto-estrada da informação era a mesma coisa que ter um enorme pisa-papéis que nem sequer era bonito o suficiente para servir de adorno. É em meados de 2000 que passo ao lado de mais um grande investimento. O meu segundo computador, um Pentium 4 com 10 gigabytes de Memória e 128 Mb de RAM, já veio equipado com um modem e portas USB, também elas novidade na altura, mas quando questionado se queria incluir um leitor de DVD, decidi que não valia o esforço extra, visto que os DVDs ainda não eram muito usados e “apenas serviam para ver filmes”. Sim, foram estas as palavras exactas do rapaz que me atendeu na loja onde fui encomendar o meu PC.

Os anos passaram, no entretanto investi num gravador de CDs, num modem externo de banda larga – na verdade foram dois, mas isso agora também não interessa –, aumentei a RAM para 256 Mb e instalei um segundo disco interno de 20 Gb. Ainda comprei uma placa de rede mas nunca fui a tempo de a pôr a funcionar visto que o sistema de alimentação avariou e um familiar que se dispôs a repará-lo, limitou-se a deitá-lo para o lixo, tornando o CPU completamente inútil. Não fosse por isso e ainda hoje estaria a funcionar.

Na altura já tinha comprado o meu terceiro computador, que ainda hoje uso. Setembro de 2006 foi o mês em que ele chegou. Tinha acabado de entrar na Universidade e como acontece com a grande maioria dos estudantes os meus pais ofereceram-me um portátil. Um Asus com 120 Gb de memória, 1024 Mb de RAM e um processador Intel Centrino Duo com 1,73 GHz. Veio equipado com placa Wireless, placa de vídeo com ligações Firewire e S-Video que até hoje não tive necessidade de utilizar – ou melhor, quando tive necessidade, acabaram por se mostrar inúteis para a tarefa em questão – , até veio com um microfone incorporado que também nunca usei por ser perfeitamente inútil visto que só capta bem a voz se falarmos directamente para ele.

“Mas então onde está o problema? Parece-me bem equipado mesmo para os requisitos de hoje”, dizem vós. De certa forma o vosso raciocínio não está errado, mas o meu portátil falha em dois aspectos que são hoje tomados como garantidos, não possui ligação por bluetooth, o que me forçou a comprar uma drive de bluetooth de forma a poder transferir as fotografias do meu telemóvel para o portátil, e veio sem uma webcam incorporada, não que eu tivesse grande interesse em usá-la, até porque o portátil já veio com uma webcam externa que serviu bem nas situações em que a tive de usar, mas é uma componente presente em praticamente todos os portáteis vendidos hoje em dia.

Desta vez a culpa recai totalmente sobre a minha simples ignorância. Na altura ainda não compreendia o que o bluetooth realmente significava e pensava veemente que o meu portátil já vinha com ele incorporado na altura em que o comprei. Para a próxima é melhor prestar mais atenção às especificações.

É mesmo esse o motivo que dá hoje origem a este artigo. Após quatro anos de desempenho razoável, em que posso apenas apontar dois momentos de falha épica – a primeira no ano passado quando me vi forçado a formatar o portátil após um ataque de vírus massivo, e a segunda no início deste ano em que o ecrã deixou de funcionar e optei por o trocar por um novo, investimento esse que me custou quase 350 euros –, está na altura de trocar de computador. Até porque a minha formação académica e profissional implicam a necessidade de uma máquina bem mais actual e potente.

Mais uma vez vejo-me com um dilema. Apostar num bom computador um pouco acima da média daqueles hoje disponíveis para venda, ou então fazer um esforço extra para adquirir um portátil com leitor de Blu-ray e um ecrã 3D – de salientar que a tecnologia 3D em portáteis ainda está numa fase experimental e as opiniões que encontro online dizem que por enquanto não vale a pena o investimento (talvez um dia me venha a rir disto).

A questão é simples, estarei novamente a investir num computador no momento precisamente anterior a uma nova evolução das tecnologias informáticas, ou será que à quarta é que é de vez e este acabe por ser o timing exacto para esta aquisição.

Até Janeiro manter-me-ei atento ao mercado e daqui a quatro ou cinco anos, quando voltar a trocar de equipamento, serei então capaz de confirmar ou de desmentir aquilo que até hoje tem sido regra.

Tuesday, September 14, 2010

Intermission, O Intervalo do Segundo Acto

Recomeça… se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só metade.
Miguel Torga

O segundo acto pode ser muito difícil de se escrever. Encontrar o ponto certo da história que faça a ponte entre a apresentação do conflito e a sua resolução. Às vezes deixamo-nos envolver pelo elenco e passamos tão subtilmente por essa transição que nem sequer tomamos conhecimento dessa existência. Outras vezes, a história apenas muda, num momento estamos no primeiro acto e no seguinte somos levados para o meio do segundo, com pouco ou nenhum aviso. Talvez este último descreva da melhor forma o início do meu segundo semestre.

Ao entrar neste mestrado foram dadas várias opções para as disciplinas em que poder-me-ia inscrever no segundo semestre, das quais teria que escolher apenas três. As minhas primeiras escolhas recaíram sobre Fotografia e Cinema, Sistemas Gráficos e Animação 3D e Interfaces Multimodais. A mudança de paradigma na minha proposta de tese fez-me optar, ainda no primeiro semestre, por Tecnologias Web em detrimento de Interfaces Multimodais. Embora a primeira tivesse exame – o último e único exame que tive de fazer na segunda metade deste primeiro ano – a necessidade de aprofundar os meus conhecimentos de programação para a Web, motivaram-me a pôr de lado Interfaces Multimodais, disciplina que na altura não sabia sobre o que iria tratar, nem tão pouco havia informação sobre os seus objectivos e respectivo plano curricular.

Contudo, esta não foi a única alteração ao plano de estudos que inicialmente delineei. Em Janeiro, no final de uma aula de Tecnologias da Comunicação Multimédia, um professor da minha licenciatura foi lá apresentar uma nova disciplina dedicada apenas ao desenvolvimento e produção de um Documentário. Os interessados teriam que optar por Laboratório Multimédia II e Guionismo. As aulas seriam dadas em parceria com o Mestrado em Ciências da Comunicação da UP, e, para tal, teríamos ao nosso dispor salas de aula, equipamentos de filmagem e apoio técnico por parte da TVU, empresa de conteúdos multimédia sediada nas mesmas instalações. A ideia pareceu-me bastante aliciante, e apesar de me ver forçado a abdicar de 3D juntamente com Fotografia e Cinema – que acabaria por ir dar ao mesmo, só que com um nível de desenvolvimento muito inferior –, inscrevi-me na disciplina de Produção de Documentários. Foi a melhor decisão que podia ter tomado.

E assim as três opções iniciais deixaram de figurar no meu plano de estudos sem que eu tenha dado um passo sequer para dentro de uma sala de aula.

Devido aos atrasos nas apresentações de Sistemas Digitais Interactivos, as minhas férias entre semestres foram reduzidas a dois dias. Como já se tinha passado no primeiro semestre as aulas começaram com um atraso considerável, pelo menos aquelas que eram leccionadas na FEUP. A primeira a ter início foi a disciplina de Produção de Documentários. Regressar ao meu velho curso foi uma verdadeira lufada de ar fresco em comparação com os últimos meses passados na Faculdade de Engenharia. Voltar a ter aulas a 15 minutos a pé da estação, sem necessitar de fazer transbordos no metro, era mesmo o que estava a precisar. O stress da viagem que por vezes chegava a hora e meia entre Ovar e Paranhos criava uma tensão demasiado forte sob o meu estômago, principalmente depois dos problemas de saúde que tive por essa altura.

A disciplina em si foi a melhor que tive neste primeiro ano. Não fosse por ela e talvez tivesse desistido do mestrado. Embora tenha dado bastante trabalho, foi bom poder fazer algo que realmente sabia fazer, poder melhorar a minha experiência na edição de vídeo e produção de documentários, e abrir caminhos para a minha definitiva proposta de tese.

As aulas eram dadas por Soraia Ferreira, da Yellow Entertainment, produtora sediada em Gaia, José Azevedo, professor de Guionismo e Artur Pimenta Alves, director do Doutoramento em Médias Digitais. Pontualmente, Andrew Garrison, professor convidado da Universidade de Austin, Texas, também lá aparecia para dar a sua opinião sobre os projectos e encaminhar algumas das nossas ideias.

Desenvolvemos dois projectos ao longo do semestre. O primeiro, um documentário individual com a duração máxima de três minutos. Fiz o meu sobre a produção do Pão-de-Ló de Ovar, na confeitaria Flor-de-lis. O segundo, e mais importante, um documentário de dez minutos que seria realizado em grupo, desde a ideia até à sua execução. Cada um de nós propôs uma ideia. Duas delas foram escolhidas e dois documentários produzidos. A minha proposta foi sobre a sobrevivência dos quiosques de jornais, mas a falta de um personagem concreto motivou que fosse deixada de parte. As propostas escolhidas foram The Uberman Schedule, em que participei, e outra sobre os perigos da falta de privacidade nas redes sociais, nomeadamente, no facebook.

The Uberman Schedule documenta a experiência de David Silva, o colega que propôs a ideia. Durante 10 dias o David tentou “sobreviver” a um horário de sono que implicava dormir apenas 20 minutos de 4 em 4 horas, em vez de dormir as 8 horas habituais. Todas as peripécias envolventes tornaram a realização deste documentário ao mesmo tempo exaustiva e empolgante. Nalguns dias não era apenas o David a viver sob o horário do Uberman Schedule, nós também o acompanhámos, pelo menos num dia em que o guião nos levou até à Maia, onde o David vive, por volta das 4 da manhã para filmar um jogging ultra-matutino.

O limite de dez minutos acaba por ser a principal crítica ao desenvolvimento do documentário em si. Isso e a interacção com os alunos de Som que não conseguiam compreender o tom que pretendíamos dar a este projecto. Um projecto deste calibre devia ter direito a um tempo mais extenso de exibição. Acabámos por editar uma versão de 13 minutos que para já conta com uma participação no Festival de Vídeo Universitário UFrame, que terá lugar na Coruña no início do próximo mês.

As aulas em si eram bastante interactivas e dinâmicas. Víamos documentários e comentávamos as técnicas usadas. Apenas lamento a falta de tempo para desenvolver tópicos como a construção de um guião e toda a produção por detrás do desenvolvimento de um documentário, temas que por si só davam disciplinas independentes e até mesmo licenciaturas próprias. Mas foi dado aquilo que podia ser dado com o tempo e recursos ao nosso dispor. Embora o mais importante tenha sido o projecto em si, terminei a disciplina com 16.

Agora vem o outro lado da moeda, as restantes disciplinas. Neste segundo semestre apenas tivemos uma cadeira obrigatória, Metodologias de Investigação e Gestão de Projecto. Esta disciplina é dividida em duas componentes Metodologias de Investigação, leccionada por três professoras da Faculdade de Letras e Gestão de Projecto, leccionada por outros três professores da Faculdade de Economia.

A primeira que pensava poder indicar-me um melhor caminho para o desenvolvimento da minha ideia de tese, acabou por desapontar. As aulas eram entediantes e apenas davam matérias já antes leccionadas durante a licenciatura. O projecto consistiu do desenvolvimento da ideia – sim, da ideia, nem sequer um projecto de investigação foi – de um projecto de investigação, com recurso ao software online ideapuzzle. Nem tudo foi um total desperdício de tempo, o ideapuzzle mostrou ser uma ferramenta muito útil na preparação de uma tese e tenciono voltar a recorrer a ele no futuro.

Já Gestão de Projecto foi uma completa idiotice. É que não há mesmo outro termo. Tivemos apenas 3 aulas em que os professores falaram sobre marketing e outros aspectos da existência de uma empresa no mercado. Tudo muito por alto e com pouco fundamento. No final pediram-nos um plano de negócios de uma empresa inventada por nós, sem qualquer base ou modelo para o desenvolver. Como se isto não fosse mau o suficiente, apenas soubemos as notas na semana passada, isto quando legalmente todas as classificações do segundo semestre tinham que ser atribuídas até 31 de Julho. Tive 14, a nota mais baixa que tive até agora neste mestrado.

Por fim, falta referir Tecnologias Web. Embora a professora tenha-se mostrado bastante disponível e fosse clara no ensino dos temas abordados, os conteúdos estavam algo desadequados à realidade da disciplina. Em cerca de 10 aulas, abordámos 9 linguagens de programação para a Web. É impossível desenvolver profundamente uma linguagem de programação com apenas três horas de aula. Quem pouco ou nada sabia, saiu de lá a saber apenas um pouco mais, e quem já tinha algum background nesta área acabou por ficar a saber o mesmo e a fazer a disciplina apenas por fazer.

A avaliação baseava-se em três pequenos projectos que interagem entre si para a criação de um trabalho final que consistia no desenvolvimento de uma aplicação Web. O meu grupo acabou por fazer um site sobre colecções de Canecas em que o utilizador podia criar o seu perfil e assim organizar a sua colecção de canecas.

Tecnologias Web foi a única cadeira com exame que tive no segundo semestre. O exame é de consulta e bastante acessível, contudo, requer algum estudo. No total dos trabalhos e do exame, terminei a disciplina com 16.

Este segundo semestre foi mais calmo e em vários aspectos melhor que o primeiro. Contudo, a grande maioria dos problemas evidenciados no semestre anterior mantiveram-se. Este mestrado necessita de uma forte remodelação a nível de plano de estudos. Talvez uma maior aposta em disciplinas dedicas à aprendizagem de tecnologias fosse o caminho a seguir. A ideia de grupos multidisciplinares embora seja boa, acaba por não ajudar no crescimento do conhecimento dos alunos, pelo menos, não da forma como é hoje implementada. Cada um de nós chega ao ano da tese com praticamente os mesmos conhecimentos com que iniciou o mestrado, o que nos força a enveredar por um projecto dedicado apenas à área que corresponda ao nosso background do primeiro ciclo de estudos superiores.

Resta agora saber o que o próximo ano me reserva, até lá questiono-me se esta terá sido, de facto, a melhor opção.

Monday, August 30, 2010

As Terras do Meu Verão

Foto: Mar do Furadouro, Ovar; Autor: Adriano Cerqueira
Portugal
  • Aveiro (Visita, Compras&Utilidades)
  • Carriço (Almoçar)
  • Coimbra (Visita)
  • Faro (Aeroporto)
  • Fátima (Visita ao Santuário e Igreja da Santíssima Trindade, Compra de Estrelinhas de Fátima)
  • Figueira da Foz (Visita)
  • Leiria (Passagem)
  • Lisboa (Jantar, Transbordo, Walking with Dinosaurs: The Live Experience)
  • Oliveira do Douro (Visita)
  • Porto (Cinema)
  • São Jacinto (Viagem de Bicicleta)
  • Torreira (Praia)
  • Vila Nova de Gaia (Transbordo)

Alemanha
  • Colónia (Visita, Dormida)

Holanda
  • Amesterdão (Visita)
  • Haarlem (Visita)
  • Keukenhof (Visita)
  • Roterdão (Almoçar, Visita)
  • Santpoort (Dormida, Visita, Praia)

Bélgica
  • Bruges (Dormida, Visita)
  • Bruxelas (Visita)
  • Charleroi (Aeroporto)
  • Leuven (Dormida, Visita)
  • Waterloo (Visita)

Saturday, August 21, 2010

Uma Vez, Só por Uma Vez

Sorte. É algo que nunca tive. Não a sério. Uma vez ganhei um passe InterRail num passatempo da CP e não o pude usar, pelo menos, não da forma que gostaria. A única outra coisa que alguma vez ganhei foi uma máquina fotográfica descartável num sorteio da Windsor School, a minha antiga escola de Inglês. Tirei umas duas fotos e não mais a usei, quando me lembrei de a usar o prazo de validade já tinha expirado e as fotos que continha estavam estragadas.

Ao crescer sempre tive que fazer o dobro do esforço para alcançar aquilo que queria. As coisas que para os outros estavam ao alcance de um pedido ou de um simples gesto, sempre exigiram de mim um processo bem mais intrincado e complexo. Era o miúdo da Bonjóia, com cara de idiota, que provavelmente nunca iria longe. Acabava sempre por lhes provar o contrário.

Nunca fui bom com primeiras impressões, se alguém não se der ao trabalho de me conhecer – e, normalmente, apenas o fazem por imposição ao invés de verdadeiro interesse – ficam para sempre com uma ideia errada de mim. A nível académico e profissional sempre foi assim. Raro foi o professor que não me achava ignorante até ao momento do primeiro teste em que as minhas notas geralmente lhes surpreendiam e passavam a tratar-me com algum respeito e menor preconceito.

Aos 13 anos estava a passar férias com os meus pais em Quarteira, no Algarve. Eles tinham ido ao mercado comprar sapateiras e eu tinha ficado no apartamento sozinho. Decidi então ir jogar à bola para o quarto, até hoje não sei bem porquê, devia estar mesmo aborrecido. Rematei a bola contra o espelho e ele partiu-se. Não sou muito supersticioso mas dado a minha constante onda de má sorte, encontrei nesse episódio a única explicação lógica para o que se passava comigo. Esperei sete anos e quando o dia finalmente chegou, nada aconteceu. Tudo permaneceu na mesma. Comecei então a pensar que talvez o meu azar se devesse a algo mais do que uma mera maldição.

A primeira vez que levei o meu carro ao Porto, fiquei sem combustível em ambos os tanques – o meu carro é a GPL, por isso tem dois – em plena hora de ponta no meio do acesso da Ponte da Arrábida ao Campo Alegre. Por algo que até hoje reconheço como um pequeno milagre, consegui voltar a ligar o carro e levá-lo até à bomba de serviço mais próxima. Até hoje ainda não devolvi o funil que me emprestaram para pôr a gasolina no depósito, visto que tive de deixar o carro num parque de táxis e ir a pé até à bomba para ir buscar um garrafão de combustível. Sim, garrafão, os bidões já tinham esgotado por isso tive que comprar um garrafão de água, deitar a água fora e enchê-lo com gasolina na bomba. Descobri que a gasolina da Repsol é azul escura, por isso não foi um total desperdício de tempo e dinheiro.

Nesse mesmo dia quando me preparava para regressar a casa descubro um enorme risco na porta do lado do passageiro, risco esse que lá ficou até ao inverno passado em que dois mecânicos decidiram pintar o meu carro sem me consultar. Foi a sua prenda de natal para mim, uma prenda que me custou 400 €, mas pronto.

Terminei o 12.º ano em 2006. Fui o melhor aluno do meu liceu e por isso recebi um certificado e uns vales Fnac no valor de 45 €. No ano seguinte o ministério da educação teve a brilhante ideia de premiar os melhores alunos com cheques de 500 €, sem efeitos retroactivos, claro.

Mesmo na faculdade, raros foram os momentos em que a sorte me sorriu. No último semestre grande parte dos meus colegas passou a odiar-me pelo simples facto de alongar a minha decisão sobre que estágio escolher, decisão essa que punha em causa o futuro de um dos rapazes mais populares, cuja média não era suficiente para ele escolher o estágio que quisesse.

Ninguém se importou em perguntar qual o motivo por trás da minha indecisão. Eu só estava a passar por um dos piores momentos dos últimos anos. No dia em que estava prestes a entregar a minha ficha de candidatura a estágio, aliás no exacto momento em que a preenchia, a rapariga de quem gostava chamou-me para fora da sala e simplesmente disse-me que não havia qualquer hipótese de alguma vez existir algo entre nós.

Sim, naquele momento a única coisa que me apetecia fazer era tomar uma grande decisão que iria influenciar a minha vida para os próximos seis meses. Enfim, talvez eles nunca tenham passado por um mau momento em que se viram forçados a dar prioridade a coisas mais importantes, talvez seja eu o único marcado pela sina da má sorte.

Nesse dia, depois de conversar com ela, saí da faculdade em direcção ao Campo Alegre – ironia, eu sei – para ter a já habitual aula de Russo – sim, era uma quarta-feira –, chovia bastante e decidi tomar um atalho por uma pequena viela em empedrado, com uma descida bastante íngreme. Pareceu-me ver algo em cima do guarda-chuva, distraí-me por um segundo e caí de frente. Magoei-me nas mãos e os meus joelhos começaram a latejar, levantei-me, sacudi alguma da lama e fui directo para a aula. Ainda me consegui limpar o suficiente para que nenhum dos meus colegas reparasse no estado em que eu estava.

Devido à minha indecisão uma das pessoas que tinha como amiga e cuja minha admiração por ela era, e é, bastante alta, começou aos gritos comigo. Hoje já fizemos as pazes, mas foi naquele momento que tive a confirmação que o Porto, que a minha cidade, não tinha lugar para mim. Cometi um erro ao escolher ir estudar para lá, cometi um erro ao escolher aquele curso, e este parecia apenas o início de novas tormentas que o futuro adivinhava.

Não costumo ganhar, aliás é muito raro. Seja jogos como cartas, Uno, xadrez, damas, Monopólio, Cluedo, ou desportos como futebol, andebol, basquetebol ou outra coisa qualquer. Apenas na natação consegui algumas vitórias, mas isso foi em outros tempos. No secundário, quando jogávamos futebol, sempre que eu marcava um golo festejava efusivamente a correr pelo campo todo com os braços abertos para ir abraçar o guarda-redes. As pessoas perguntavam-me porque reagia daquela forma por causa de um golo que pouco ou nada valia, mas quando recebia um 20 num teste simplesmente aceitava e voltava para o meu lugar. A resposta é simples: sorte. Um golo é sinónimo de esforço e um pouco de sorte à mistura. Sorte, essa coisa que não sei o que é. Já um teste é algo preparado e a nota quase sempre é aquela esperada.

“Azar ao jogo, sorte ao amor”, costuma-se dizer, pois eu sou a excepção que confirma a regra. No outro dia uma amiga minha perguntou-me o seguinte: “Porque não namoras? És um rapaz tão sensível, não faz sentido não namorares”. Se alguém souber a resposta, agradecia que ma contasse. A primeira rapariga de quem gostei acabou por namorar com o meu melhor amigo. A rapariga que convidei para o baile de finalistas, apesar de inicialmente ter aceitado ir comigo, acabou por ir com outro pois se tinha “esquecido” do meu convite. Uma vez perguntei a uma amiga minha se queria sair comigo, ela apenas perguntou se eu estava parvo e fugiu. Não fugiu de verdade, estávamos à espera do autocarro, o dela chegou, ela entrou e nada mais me disse.

O meu avô morreu no dia 8 de Dezembro de 2004. Não o conheci, não verdadeiramente. Desde que me lembro que ele vivia assolado pela doença de Parkinson, tinha dificuldades em falar, e nos últimos anos tinha mesmo perdido essa capacidade. Não chorei quando ele morreu, odeio-me por isso. Desde esse dia que vivo assolado por uma enorme tristeza que apenas consigo mascarar com uma personagem que interpreto todos os dias antes de sair de casa.

O ano de 2005 foi o pior ano da minha vida até agora. A minha avó materna sofria de problemas de circulação e passava a vida a ser operada à perna. Quando regressava a casa, os dias dela eram passados a chorar e aos gritos com dores. Era algo muito triste que colocava a minha família sob um stress constante. Acabou por haver apenas uma solução, ela teve que amputar a perna. Desde aí que está numa cadeira de rodas, ainda a encontro a chorar de vez em quando, mas pelo menos já não sente dores.

Como se isto não bastasse a firma onde a minha mãe trabalhava foi à falência nesse mesmo ano e ela foi assim forçada, ao fim de 25 anos, a entrar no desemprego. O momento até foi bom, pois pôde dedicar o seu tempo a tomar conta da minha avó. Não mais arranjou emprego e é agora o meu pai o único que nos sustenta. Por isto tudo isolei-me bastante do resto do mundo e só hoje começo verdadeiramente a sarar das feridas causadas por esse ano terrível. Procurei ajuda e apoio mas poucas foram as pessoas que me acudiram. A minha namorada na altura acabou inclusive comigo por causa da minha distância. Não a culpo, pois não lhe contei o que se estava a passar, talvez o devesse ter feito, mas não o fiz.

De regresso ao presente, este ano tem sido tudo menos rico em sorte. Em Março a poucos dias do concerto dos The Cranberries, no Campo Pequeno, em Lisboa, adoeci. Não era uma simples gripe, mas algo bem mais grave que me obrigou a ficar medicado durante cerca de três meses. Não fui ao concerto, faltei a uma semana de aulas e passei os meses seguintes num estado de dormência emocional apenas suplantado pela ligeira high dos medicamentos.

No mestrado, ao montar uma instalação multimédia interactiva que custou ao meu grupo um total de 300 €, tivemos que discutir com outro grupo a divisão do espaço para a expor, o que nos atrasou um dia na montagem. Ao fim de 72 horas seguidas de trabalho não conseguimos pôr o som e o vídeo a funcionar, o que nos forçou a simular quase todos os elementos interactivos que a instalação possuía. Pelo menos as luzes funcionaram. Nessa mesma manhã comecei a ter os primeiros sinais da doença que me assolou nos meses seguintes e por causa das dores cheguei com uma hora de atraso à faculdade. Apesar deste investimento, o professor apenas nos deu 14 por achar que a ideia não era inovadora.

Mais recentemente a CP lembrou-se de marcar uma greve geral no dia em que eu ia ter o único exame deste semestre. Felizmente consegui arranjar boleia, caso contrário não teria forma de ir ao Porto. Sim, porque ao mesmo tempo o meu carro estava com problemas no motor de arranque.

No dia em que fui ao café ver o Portugal vs. Espanha, do último Mundial, com uns amigos meus, o meu carro deu de si e fiquei a pé, logo quando tinha dito que dava boleia a um deles. Já agora, Portugal perdeu por 1-0 e foi eliminado.

Podia continuar a enumerar os meus momentos de má sorte, mas acho que ficam com uma boa ideia.

Uma vez, só por uma vez, gostava de ter um momento de sorte, um dia em que tudo corresse bem e pudesse sentir-me feliz como qualquer outra pessoa.

Hoje não é um desses dias e, sinceramente, já não quero saber.