Saturday, September 15, 2012

Esmiuçar a crise

Todos se queixam, alguns a ultrapassam, poucos a compreendem. A crise é uma palavra que nos últimos anos se tem espalhado de forma viral pela boca dos portugueses. Passou a ser parte do nosso dia-a-dia, virou cliché, e fomenta quase a totalidade das conversas do povo desinformado que poucos ou nenhuns assuntos de interesse tem para partilhar com o resto do mundo. Mas falar de crise parece não passar de uma catarse de desespero e queixas, sem se ver um verdadeiro debate sobre potenciais soluções para nos livrarmos dela.

De um ponto de vista sociológico a crise teve início no dia 11 de Setembro de 2001. O medo de ataques terroristas aparentemente aleatórios em países que há muito tempo gozavam de um ambiente de paz e segurança, fez com que as pessoas aderissem à ideologia do “só vivemos uma vez” e temos que “aproveitar o dia de hoje e esquecer o amanhã”. Isto levou a que muitas famílias, principalmente das classes média e baixa, parassem de adiar futuros investimentos e recorressem ao crédito para comprarem casas, carros, gadgets e afins. Isto despoletou um crescimento nunca antes visto nos mercados de crédito, no imobiliário e no sector financeiro. As famílias aceitaram sobreendividarem-se em troca de um nível de vida superior àquele que os seus salários permitiam. Para quê guardar e pagar amanhã se posso pedir crédito e pagar hoje?

A parte mais curiosa é que tudo isto seria aceitável, desde que as pessoas mantivessem os seus empregos e que os seus salários continuassem a subir superando todos os anos o valor da inflação. Contudo, tal utopia cedo se mostrou catastrófica graças ao rápido crescimento económico dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). A mão-de-obra barata e um regime de esclavagismo que ignora por completo os direitos dos trabalhadores em alguns destes países, levou a que as grandes empresas norte-americanas e europeias deslocassem para lá as suas fábricas. O baixo custo de produção levou ao encerramento de muitas indústrias em países europeus e nos EUA. Como as fábricas começaram a fechar, os trabalhadores foram para o desemprego, deixando-os sem possibilidade de pagar os seus créditos. Iniciou-se assim um efeito dominó que culminou na explosão da bolha imobiliária dos EUA no ano de 2008.

Como os trabalhadores das fábricas ficaram desempregados, ou viram os seus salários reduzidos, o seu poder de compra diminuiu. As pequenas empresas de bens não-essenciais deixaram de ter clientes e elas também começaram a falir. Os serviços viram-se forçados a reestruturar a sua política económica o que levou a mais despedimentos e a um constante agravamento dos impostos, o que resultou num forte corte dos salários.

Com um menor poder de compra e com o já referido sobreendividamento das famílias, estas deixaram de ter dinheiro para pagar os seus créditos. Algumas deram a volta e passaram a viver a um nível mais adequado àquele que os seus salários proporcionavam, contudo, já era tarde demais. Como as pessoas deixaram de pagar os créditos, ao mesmo tempo que deixavam de ter dinheiro extra para depositar nas suas contas, os bancos começaram a ficar sem dinheiro. Embora fossem capazes de reaver as casas, carros e afins nos quais os seus clientes tinham investido, os bancos mesmo que os conseguissem vender, nunca conseguiriam repor na totalidade o dinheiro investido. Desta forma não tiveram outra solução que não falir ou então recorrer a dinheiros públicos para se tentarem salvar.

Endividamento em cima de endividamento levou a que os défices da grande maioria dos países ocidentais subissem a pique. O povo não tinha poder de compra, o desemprego continuava a subir e os pagamentos ao estado a baixar.

Outro fenómeno que contribuiu para esta situação foi o crescimento do Euro. A moeda única quando surgiu tornou-se muito atraente para os mercados internacionais. Uma moeda forte suportada pela economia europeia que era mais barata que o dólar. Isto levou a que muitos países, nomeadamente os sul-americanos, optassem por usar o Euro como moeda de câmbio, em detrimento do dólar, nas suas transacções internacionais. Como se a crise económica não bastasse, os EUA viviam assim uma forte ameaça a uma das suas principais fontes de financiamento, as transacções internacionais. O dólar desvalorizou e o Euro cresceu, chegando mesmo a igualar a libra, uma das moedas europeias mais valorizadas a nível internacional. Os EUA olharam para isto como uma oportunidade e optaram por manter o dólar baixo. A Europa virou vítima do seu próprio veneno e o dólar começou a recuperar terreno nos mercados internacionais. O Euro desvalorizou e perdeu terreno.

A crise chegou à Europa através dos pequenos países na periferia da Zona Euro. Portugal, Grécia e Irlanda, eram países aliciantes para o investimento internacional dado o seu baixo custo de produção, contudo, incapazes de rivalizar com os BRIC ou até mesmo com os países da Europa de Leste. Como se isto não bastasse, a Grécia apresentou uma agravante crise de corrupção ao mais alto nível em todo o seu sector público. Há anos que o governo grego adulterava as suas contas para parecer um país cumpridor. Mas as mentiras apenas os conseguiram levar até um certo ponto. Quando a verdade emergiu os mercados internacionais e as agências de rating perderam confiança na Grécia e na União Europeia. Isto fez com que o investimento parasse e com que a dívida externa passasse a ser negociada com juros muito elevados e incomportáveis por parte deste país. A União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional (FMI) entraram em acção e tentaram ajudar a Grécia, mas o nível de corrupção era demasiado profundo e ainda hoje esse problema parece estar longe de ser resolvido.

O caso Português é sintomático do que se passa no resto da Europa. A instabilidade política provocada pelo PSD aquando da tentativa de aprovação do PEC IV por parte do governo de Sócrates foi a última palha nas costas do nosso camelo económico. Temendo que Portugal se acabasse por tornar numa nova Grécia, os investidores internacionais perderam a confiança em nós e obrigaram-nos a pagar juros surreais, tudo por causa de um aparente mal-entendido e do despertar de uma desconfiança pornográfica na nossa capacidade de ultrapassar as diversidades financeiras.

Somos vítimas de uma ideologia que assolou o mundo ocidental após o 11 de Setembro de 2001. Somos vítimas de nós próprios por tentarmos viver acima das possibilidades, mas acima de tudo somos vítimas da actual realidade europeia da qual parecemos apenas ser parte do problema e não da solução. Portugal foi em tempos o país exemplo de como a União Europeia poderia funcionar como um elemento fomentador de crescimento. Hoje temos que voltar a ser o exemplo de como somos capazes de ultrapassar a crise e de retomar uma estabilidade económica que permita ao Euro estabilizar-se, dando espaço para os mercados recuperarem e incentivarem o investimento e a subida do emprego. As soluções estão à nossa volta, e já demonstrámos a perseverança necessária para alcançarmos a estabilidade económico-financeira que tanto almejamos. Sim, é o momento para sacrifícios, mas são sacrifícios necessários para que no longo prazo sejamos capazes de recuperar a nossa confiança de forma a que esta não mais volte a ser questionada e abalada por factores externos.

Monday, April 04, 2011

Dívidas

Descobrir a origem da crise pode parecer complexo, mas a sua explicação é relativamente simples: dívida. Hoje em dia não parece ser suficiente viver com aquilo que temos ao alcance da nossa remuneração. Queremos coisas, e para as ter recorremos ao crédito. Porquê contentarmo-nos com aquilo que podemos ter, quando é tão fácil ter aquilo que não podemos comprar?

Pedimos crédito para comprar uma casa. Pedimos crédito para comprar um carro. Se parássemos por aqui o desastre seria evitável, afinal não é qualquer um que tem 100 mil euros guardados para gastar de uma só vês, mas isto não é suficiente. Queremos coisas, outras coisas dispensáveis que não precisamos no imediato, e que para as ter bastaria poupar mais um pouco. Pedimos crédito para um computador. Pedimos crédito para as férias. Pedimos crédito para o próximo iPhone, iPad, ou para outro gadget qualquer, excessivamente sobrevalorizado. Pedimos crédito para tudo e mais alguma coisa, e quando começamos a pedir crédito para comer já é tarde demais.

As famílias endividaram-se, tentaram viver acima das suas possibilidades. Enquanto tiveram empregos fixos com salários regulares, de uma maneira ou de outra, lá conseguiam devolver o dinheiro da dívida aos bancos, e estes continuavam a respirar de alívio com o retorno do seu investimento acrescido de juros. Mas, de repente, os empregos deixaram de ser fixos, os salários deixaram de ser regulares, e o desemprego passou a ser o Pão Nosso de Cada dia.

Sem emprego, e sem dinheiro, os bancos levaram as casas, os carros e os iPhones. Quando tentaram vender as casas para recuperar o seu investimento, ninguém tinha dinheiro para as comprar, e aqueles que optaram por o fazer pagaram através de empréstimos e a preços mais baixos, pois assim ditava o mercado. Dívida atrás de dívida, com dinheiro a esvanecer que nem grãos de areia no vento, os bancos entraram em colapso e deixaram de emprestar dinheiro, vendo-se forçados a recorrer aos seus depósitos para pagar o seu próprio endividamento.

Aqueles que tinham contas no banco, aqueles que pouparam, viram o seu dinheiro desaparecer por causa dos outros que decidiram viver na ilusão de um mundo que nunca lhes pertenceu, em vez de aceitarem a dura realidade. O Mundo todo levou com uma lição de humildade, mas em vez de aprender com os erros do passado, continuou a agir da mesma forma.

Hoje, poupa-se em alimentação e em bens básicos para se mostrar aquelas coisas que não são precisas, nem tão pouco servem para nada. Um desempregado de longa-duração que arranja um emprego de três meses compra logo um carro de 30 mil euros, ou mais, apenas para o devolver quando passados os três meses regressa ao desemprego. Podia ter usado o dinheiro para alimentar a família, mas assim não o fez.

Trabalho há sete meses. Durante esses sete meses poupei e continuo a poupar. Ainda conduzo o meu carro que daqui a alguns meses fará 17 anos, não comprei outro, não pedi crédito, e tão cedo não o farei. Comprei um computador pois o meu já ia fazer cinco anos e não tinha as características necessárias para aquilo que eu preciso que ele faça. Juntei durante cinco meses e aguardei por uma promoção de uma loja de electrónica. Consegui poupar cerca de 200 euros. Também comprei outras coisas que embora úteis, não eram tão necessárias. Mas para o fazer pus dinheiro de lado, não gastei aquilo que não tinha.

O problema é puramente uma questão de mentalidade, de sensibilização para a atitude correcta. Não gastem aquilo que não têm, e tudo voltará à normalidade. Não se queixem da crise, façam algo para que ela termine. Não vivam das aparências pois, sinceramente, ninguém quer saber de vocês. Se querem mesmo algo, e se sentem que vale a pena fazerem um sacrifício para o ter, ponham algum de lado, poupem, e tudo tornar-se-á mais simples.

Há dias, no programa Quem Quer Ser Milionário, uma das participantes disse que 20 mil euros só davam para um carro usado. É este tipo de mentalidade que é necessário mudar. Com 20 mil euros não apenas se compra um carro novo bom, como se quiserem poupar mais um pouco podem ainda comprar um usado de gama alta por um preço ainda mais baixo. Nem tudo precisa de ser o melhor, ou o mais caro, e barato não é sempre sinónimo de baixa qualidade.

Se me permites ser directo, a crise é culpa tua, e de mais ninguém. A boa notícia é que ainda vais a tempo de mudar.