Sunday, June 27, 2010

Querido Diário

Sabes aquele momento mesmo antes de sair de casa, aquele instante em que paro para respirar, e o Mundo como que abranda por meros segundos? É tão fácil menosprezar as pequenas coisas que por mais breves ou insignificantes que pareçam são, em verdade, tudo menos isso. É tão fácil fazê-lo, pelo menos, até ao momento em que reconhecemos o seu real valor.

Ao abrir a porta sinto o Mundo a acelerar, o Universo a regressar ao seu ritmo natural, e na relatividade daquele instante dou o primeiro passo rumo à incerteza de um futuro próximo, até a força da rotina me colocar de novo nesta situação.

Abrir a porta, colocar a chave na ignição, embarcar no comboio, todas elas acções motoras gravadas na memória das minhas mãos. Acções automáticas, não menos rotineiras que respirar ou que cada batimento do meu coração. Actos quase inconscientes, tão naturais e aborrecidos que, dia após dia, não acrescentam nada de novo. Mas às vezes a porta não abre, o carro não pega e o comboio chega atrasado. Às vezes as bases de tudo aquilo que temos como certo desmoronam à nossa frente sem que nada possamos fazer além de testemunhar o seu rápido declínio.

Naquele segundo não nos limitamos a abrir uma porta, não estamos apenas a respirar, estamos sim, a pôr a nossa fé, a nossa esperança, na certeza de uma acção cuja fiabilidade foi sempre uma constante até àquele ponto. O que acontece, então, quando essa crença é abalada? A resposta é simples: questionamos o porquê de tal ter acontecido.

Agora a rotina de algo que tomávamos como garantido passou a fazer parte do inesperado. O certo deu lugar ao incerto. O que antes aceitávamos como facto incita hoje dúvida. Aquele insignificante momento voltou a ter importância. Respirar deixa de ser um acto básico e passa a ser uma necessidade.

Coisas simples como chaves trocadas ou uma bateria descarregada perturbam a harmónica sinfonia da nossa viagem diária. Às vezes basta apenas uma noite sem dormir, uma viagem atribulada por uma estrada sem luz, ou um momento perdido, substituído por algo que exigia maior atenção. Momentos de clareza que nos dão aquilo que precisamos de ouvir.

Às vezes basta apenas um instante, e acreditar.