Thursday, March 26, 2015

Adeus Glee

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Workin' hard to get my fill, everybody wants a thrill. Payin' anything to roll the dice just one more time. Some will win, some will lose. Some were born to sing the blues. Oh, the movie never ends. It goes on, and on, and on, and on.
Don’t Stop Believing, Journey

Há cerca de um ano regressava de comboio para casa. Ao meu lado, sentava-se uma rapariga com um tablet. Não o usava para trabalhar, ler, ou navegar pela Internet. Estava a ver séries. Desviei o olhar para não me imergir num qualquer acto de falta de educação. Contudo, a curiosidade, e o tédio da longa viagem, faziam com que os meus olhos acabassem, volta e meia, colados naquele ecrã.

A meio da viagem, reparei que ela estava a ver How I Met Your Mother. Não era um episódio qualquer. Não. Era o episódio daquela semana que ainda não tinha visto. Ou pelo menos assim parecia. Confirmei com ela e pedi-lhe se não se importava que o visse com ela. Assim aconteceu. Vi sem som, mas graças às legendas pude acompanhá-lo sem problemas. Era o penúltimo episódio da série.

Dias mais tarde, já de regresso à Covilhã, após um fim-de-semana atípico, sentei-me para ver o último episódio de How I Met Your Mother. Um episódio duplo, como é hoje tão habitual acontecer. Logo pela manhã a Teresa já quase me tinha estragado o final, com uma mensagem de incredulidade, mas que felizmente não continha qualquer spoiler. Decidi passar esse dia fora das redes sociais. Fui trabalhar, passei os olhos pelo twitter, sempre atento ao mínimo sinal de uma qualquer informação que não quisesse conhecer. E esperei. Esperei pelas seis da tarde. Pela hora de saída.

Cheguei a casa, e mal lanchei. Quando finalmente estava disponível sentei-me no meu quarto, sem distracções, pronto para o final de How I Met Your Mother. Não foi assim que aconteceu com Glee. Na verdade, não sabia que estava marcado para este sábado o último episódio. Embora já o tivesse confirmado há alguns meses, esqueci-me que o final de Glee seria também exibido como um episódio duplo.

Era um sábado como outro qualquer. Acordei cedo, almocei, e preparei-me para ir jogar basket com o pessoal. Voltei por volta das cinco e meia e, depois do banho, sentei-me para ver Glee. Um hábito que já tinha perdido há muito. Embora as primeiras duas temporadas me tivessem entusiasmado, o nível de absurdo e a aleatoriedade do argumento das seguintes fizeram-me quase desistir da série. Era a última que eu via e, por vezes, passava semanas sem sequer me lembrar de ver os episódios. Contudo, isto não aconteceu com a última temporada. A qualidade dos episódios subiu e a nostalgia, assim como a inevitável antecipação da despedida, tomaram lugar de destaque.

Pela primeira vez em meses, se não mesmo em anos, Glee foi a série principal daquele dia. O primeiro episódio, repleto de referências ao início, àquilo que fez com que os fãs ficassem colados à série, foi uma apologia do percurso de cada um dos actores, e um elogio ao Cory Monteith, actor que faleceu por overdose em 2013.

Já o segundo foi aquilo que o final de uma série precisa de ser. Uma resolução. Uma despedida. Uma conclusão. Embora nem tudo aquilo que fizeram com este episódio tenha sido bem feito, no geral, funcionou bem. Foi a despedida perfeita. O fim ideal para seis anos de uma série que, embora num papel secundário, foi uma constante no meu repertório semanal.

São incontáveis as músicas que Glee me deu a conhecer. Algumas, inclusive, com qualidade suficiente para ainda hoje integrarem a minha playlist. Glee foi aquela série que usava para desanuviar. Uma série onde os riscos eram baixos e onde a comédia e a música eram as verdadeiras estrelas. Era uma escapatória da dura realidade do dia-a-dia, e do soturno ambience de outras histórias que se perpetuam ao longo dos anos. De Stargate Universe a Spartacus, de Game of Thrones a Arrow.

“These walls and all these picture frames. Every name they show. These halls I've walked a thousand times. Heartbreaks and valentines, friends of mine all know, I look at everything I was and everything I ever loved. And I can see how much I've grown. And though the mirror doesn't see it, it's clear to me, I feel it. I can make it on my own”, Lea Michele, na sua performance da música original ‘This Time’.

Até sempre Glee. Obrigado por entreteres as minhas tardes de sábado. Obrigado pela perfeição da tua despedida.

Friday, April 04, 2014

Vontade de Viajar

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Sou incapaz de ouvir a Dreams dos The Cranberries, sem ser transportado para a minha infância, e para as longas manhãs de fim-de-semana, passadas na estrada em viagem. Lembro-me de a ouvir enquanto contemplava as paisagens, no banco de trás do carro dos meus pais.

Raro era o fim-de-semana em que não íamos passear. Os destinos variavam, mas além da anual viagem à Galiza para comprar rebuçados, não íamos para lá das nossas fronteiras. Hoje parece algo impensável, mas vivemos uns reais anos de fartura durante a década de noventa. Eram os anos das duas semanas passadas no Algarve, quase sempre em Quarteira. Os anos dos almoços de Domingo em restaurantes, e das quase rotineiras viagens pelos cantos do país.

Estou longe de poder dizer que conheço Portugal tão bem como as palmas da minha mão. Por melhor que seja a minha memória, a verdade é que na altura pouco valorizava essas viagens. Retenho lembranças dos perpétuos enjoos, de planícies e montanhas, de casas rústicas, de idosos e de turistas, de doces e guloseimas. Meras fotografias que era demasiado novo para valorizar.

Nos últimos anos tenho procurado fazer jus a essas recordações e, sempre que possível, procuro revisitar algumas dessas terras ou regiões que figuraram apenas de passagem durante a minha infância. Ovar, Porto, Coimbra e Covilhã conheço demasiado bem, ou não fossem estas cidades sinónimo de casa, num ou outro período da minha vida.

Pela proximidade, cidades como Aveiro, Gaia, Gondomar, Espinho, Santa Maria da Feira, S. João da Madeira e Oliveira de Azeméis, conheço tão bem como aquelas em que vivi. Posso não saber o nome, ou o número das ruas, mas fosse eu posto lá e conseguia orientar-me. Mas estes locais apenas representam quatro dos dezoito distritos nacionais.

Começando pelo sul, o Algarve é talvez a região que melhor conheço a seguir àquelas que referi em cima. Embora já não passe lá férias desde 2011, as minhas mais recentes visitas serviram também para revisitar alguns dos aspectos algarvios que passam ao lado de quem vai lá apenas para fazer fotossíntese, e dar uns mergulhos. Quarteira, Armação de Pêra, Albufeira, Tavira, Montegordo e Manta Rota, são as praias que melhor conheço, ou não tivesse lá passado as férias de Verão durante anos a fio.

Sagres, Portimão, Castro Marim e Vila Real de Santo António, eram paragens obrigatórias nos passeios que a minha família dava aquando da nossa estadia. Duas semanas de praia sem outra qualquer espécie de entretenimento podiam apenas resultar em tédio, não fosse a nossa vontade em conhecer algo mais. Era também comum dar-mos um salto a Ayamonte em Espanha, mas além da travessia de barco, não guardo nenhuma recordação em particular.

Até recentemente, de Faro apenas conhecia o estádio, por obra do WRC, pecado que já corrigi nos últimos meses. Seguindo em direcção ao Alentejo, confesso que fora algumas paragens para almoçar, uma esporádica visita à Barragem do Alqueva, ao Fluviário de Mora, à antiga, e à nova Aldeia da Luz, apenas conheço Beja e Évora.

De Portalegre, e de Setúbal, muito pouco tenho a acrescentar além das habituais passagens. Já visitei Almeirim e Almada. De Castelo Branco retenho um almoço no Aquário, e uma exposição de fósseis de Dinossauros em tamanho real que visitei em 2010. Assim como a Serra da Estrela e a sua Torre, que já subi no Inverno e no Verão, e a encontro sempre diferente.

Santarém, se visitei, está há muito perdido em ínfimas recordações. Já Tomar, Ourém, e Caldas da Rainha estão bem presentes, não tivessem passado poucos anos desde as minhas últimas visitas. Em Leiria, não visitei o castelo. Na Nazaré não fui à praia. Fátima conheço demasiado bem. Raro é o dia que não desejo voltar a provar uma estrela da pastelaria Milano. Muitas foram as vezes que atravessei a Pedreira do Galinha na Serra de Aire, apenas para descansar numa pegada de Dinossauro.

Conímbriga tenho que rever, um dia, em breve. A Lourinhã também. Ainda não vi as novas exposições do seu Museu de História Natural. Viseu é sinónimo de ciclismo, e raro é o ano que lá não vou assistir a uma chegada da Volta. Braga e Guimarães, conheço tão bem como Fátima. À primeira vou regressar por alguns dias ainda este mês.

De Trás-os-Montes conheço apenas o Gerês, mas retenho algumas maravilhas ainda por explorar. O Douro vinhateiro mantém-se apenas presente nas minhas memórias, assim como Vila Real e Bragança, onde há muito não regresso. Viana do Castelo, Valença e Miranda do Douro, são três pontos na fronteira que aos poucos fui conhecendo.

Lisboa, não vejo como uma cidade portuguesa, mas como um principado, distinto e alheio ao resto do país. Visito-a sempre que possível, não fosse esta o centro dos grandes, e dos pequenos eventos que mais quero assistir.

Já muito conheço, mas ainda mais há para conhecer. É difícil enumerar tudo aquilo que já visitei e que conheci. Assim como tudo aquilo que ficou por conhecer. Agora que me aventuro por voos mais longos, não me esqueço da beleza que estas fronteiras mantêm reservada para mim. E assim sonho em viajar.

A Dreams continua a tocar, a paisagem ainda se estende até ao horizonte, mas agora, sou eu quem vai a conduzir.

Thursday, April 03, 2014

Valor da Amizade

Carnaval de Ovar, 2011
Vivo acompanhado por todas as memórias que vivi. Cada momento tão presente como o agora. Cada superfície tão real como este teclado. Cada sabor, cada cheiro, cada som. Múltiplos Eus, envoltos numa conversa constante. Em silêncio observam. Vivem o Hoje comigo, sonham com o Amanhã, e sorriem com o Ontem de cada um. Um talento, uma maldição. Enfim, o contexto. Apenas o contexto pode responder.

Tem as suas vantagens, não o nego. Neste momento enquanto escrevo, não estou aqui. Transporto-me para aquela tarde de Agosto em 2011. Estou em Roma, no Coliseu, a olhar para as ruínas do Fórum Romano em frente. O Luís está ao meu lado de câmara na mão. Sinto o sol a acariciar o meu rosto. Sorrio e deixo-me envolver pelo calor.

De todas as viagens que já fiz, esta é aquela que mais vezes procuro relembrar. Aquelas noites quentes a beber Bacardi no jardim do Hostel em San Giovanni. As viagens de autocarro sem pagar, sempre atentos aos míticos revisores que pareciam não existir. Sentir o peso de séculos de História a cada passo que dávamos. Guardo essa viagem com um profundo sentimento de saudade, e com uma igual vontade de um dia lá regressar.

Esta foi também a última grande viagem que fiz com os meus amigos. Tínhamos a ambição de fazer uma todos os anos. Por diversas vezes reunimo-nos para tentar marcar a próxima, mas sem efeito até hoje.

É raro encontrar um grupo de pessoas com quem partilhamos um vasto leque de interesses, mas que além de concordarem entre si, também são capazes de debater os seus pontos de vista, de se complementarem, e de gozarem uns com os outros. Um grupo capaz de estar lá para partilhar os bons momentos, mas que também seja capaz de se apoiar nos piores.

Todos temos os nossos defeitos, e as nossas virtudes. Evoluímos a cada dia que passa, a cada conversa que temos, a cada ideia que partilhamos. Construímo-nos introspectiva e socialmente, através da cultura que consumimos, e das experiências que partilhamos uns com os outros.

Não é necessário definir a amizade, tal como o amor, é algo que se sente, que começa num instante indefinido, e que se propaga através do tempo. Sem nos apercebermos que está a acontecer.

Tal como o romancismo, também a amizade é hoje vítima de uma perpétua desvalorização. Chamas amigos aos contactos do facebook com quem nunca falaste, ou conviveste. Sais com desconhecidos sem nunca debateres uma única ideia, por mais básica que seja. Perpetuam um silêncio amorfo e incomodativo, sem qualquer ambição por algo mais. Fala-se em códigos, ignoram-se relações. Estás lá por conveniência. Aborreces-te, e continuas sozinho por entre uma multidão. E quando chega aquele momento em que precisas muito de alguém, vais estar só. Pois, isto não é amizade.

A chamada friendzone apenas perturba esta equação. Pois se não pode haver amor sem amizade, porque continuamos a acreditar que o oposto é impossível? Talvez funcione melhor se nos deixarmos envolver pela paixão, e formos construindo a amizade pelo caminho. Mas sem amizade, nenhum amor sobrevive. Quando uma ligação é real, não importam os anos, ou os momentos que partilharam. Há algum risco, talvez, se a vossa amizade não for construída numa base de comunicação aberta e de confiança. Um risco que vale a pena. Por mais longa que seja a passagem das águas sob a ponte da mágoa, chega enfim o dia em que estas cessam, e a amizade pode ser reconstruída.

Em tempos disseram-me que não se luta por uma amizade. “Se não se luta por uma amizade, que mais há pelo qual lutar?” Foi esta a minha resposta, e ainda hoje a mantenho.

Não usem este termo em vão. Sejam bons amigos. Não tenham medo de entregar um pouco de vós. Não o façam ao desbarato. E não se fechem por entre quatro paredes. Por mais ocupada, ou complexa que seja a vossa vida, há sempre tempo para um café. Por mais anos que passem, quando a amizade é real, o sentimento mantém-se.

O valor da amizade é algo que vale a pena ser defendido. É algo pelo qual devemos sempre lutar. Não pensem em demasia. Não deixem para amanhã. Regressem comigo àquela tarde em Roma. Explorem. Cresçam. E não se esqueçam de se divertir.

Anoiteceu. Estou sentado naquele jardim a beber Bacardi e a contemplar a beleza da noite romana. Uma memória agradável, ainda hoje tão presente.

Tuesday, April 01, 2014

Quarenta e Dois

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Quarenta e dois minutos. É o tempo que demora o comboio Intercidades a completar o percurso entre Coimbra e Ovar. Quarenta e dois é também a resposta para o sentido da vida, e para os mistérios do Universo. Isto, se confiarmos no Hitchhiker’s Guide to the Galaxy.

Durante a breve temporada que vivi em Coimbra, fiz esta viagem quase todas as semanas. Quarenta e dois minutos passados a ler, a ouvir música, ou em profunda introspecção.

Coimbra sempre esteve a quarenta e dois minutos de distância, mas, para mim, pareciam ser muitos mais. Aquela cidade foi uma constante ao longo da minha adolescência. Cheguei mesmo a achar-me uma espécie de antípoda de Cesário Verde. Enquanto este ia ao campo para renovar as suas energias, eu usava a cidade de Coimbra com o mesmo propósito.

Foi lá onde vivi a minha primeira paixão, tão fugaz como o pôr-do-sol sob o Mondego. Foi lá também onde construi uma das poucas amizades que tive ao longo daqueles terríveis anos. Amizade essa, também ela efémera, mas que em muito ajudou a definir aquilo que eu queria para a minha vida.

Via Coimbra como uma cidade banhada pelo Sol. Repleta de esperança e de velhos prenúncios de romance. Apesar dos constantes agoiros, sempre a vi como um local optimista. Um ponto de partida para algo.

Em 2009, era lá que sonhava encontrar-me com aquela que até há bem pouco tempo ocupava o meu coração. Era o meio caminho entre Porto e Lisboa. O local certo para o nosso primeiro encontro. Mas assim não aconteceu.

Foi com alguma surpresa, e um leve sentido de ironia, que descobri que esta seria também a minha primeira paragem no mercado de emprego. A minha primeira experiência a viver sozinho, longe de casa.

A perspectiva de ocupar o meu tempo com algo mais que o Mestrado, ganhar experiência, e um salário fixo no fim do mês, calaram o receio que assolava a minha mente. Talvez devesse ter prestado atenção aos meus instintos, mas estava destinado a aprender com os meus próprios erros.

Cedo senti os anticorpos da cidade a expulsar-me. Numa noite de Setembro, tinha regressado do trabalho. Sem nada para comer, decidi ir ao Continente que ficava no fim da rua. Ameaçava chover, mas não tinha guarda-chuva e não havia nada mais perto. Apanhei aquela que apenas posso descrever como a maior molha da minha vida. As pessoas olhavam para mim, completamente ensopado, com estranheza, alguma pena, e uma certa quantidade de gozo.

Esta foi apenas a entrada para uma refeição repleta de intempéries. Da falta de organização da empresa onde trabalhava, a uma chefia incompetente e com falta de visão, sofria de uma pressão constante e sem fundamento. Fazia o melhor que podia, mas o mérito era sempre desprezado.

Um quarto minúsculo e húmido, num apartamento apertado e sem qualquer tipo de convívio com os restantes colegas, não ajudaram à equação. O sistema imunitário da cidade era forte. Eu era um ser estranho e nada bem-vindo.

Fui resiliente e não me conformei. Dei o meu máximo para me valorizar e procurei avidamente por uma oportunidade para sair dali. Demorou algum tempo, mas essa oportunidade acabou por surgir. O Porto voltou a chamar por mim, e acolheu-me de braços abertos.

Saí à pressa de Coimbra. Não olhei para trás. Não dei espaço para despedidas. Nunca fui tão feliz como naquele momento. Coimbra tem mesmo mais encanto na hora da despedida.

Nos últimos anos, lá regressei apenas uma vez para preparar uma entrevista para um episódio do Reacção Espontânea. Foi uma visita breve, com poucos percalços. Infelizmente, não posso dizer o mesmo dos dois dias que lá passei na semana passada.

A chuva, o frio, e o cinzento da nebulosidade, adivinhavam um mau presságio. Aquela Coimbra ensolarada que em tempos me fazia sonhar, já não existia. Hoje, não passa de uma sombra daquilo que em tempos foi.

Essa predisposição negativa, aliada ao cansaço e a algumas expectativas desmedidas que criei sob mim próprio, toldam as memórias dos bons momentos que vivi nestes dias. Acelerei um processo que precisava de calma, de estabilidade, e de um optimismo energético que me esqueci de alimentar. Sufoquei-me sob pressão, e esqueci-me de mim próprio.

A culpa não é da cidade, mas sim das circunstâncias. Estou hoje coberto por uma aura negativa da qual tenho que me livrar. Não culpo Coimbra, mas questiono-me se algum dia voltarei a vê-la com aqueles olhos de esperança e felicidade, que em tempos ajudaram-me a confiar em mim próprio, e a erguer-me das sucessivas quedas que animam o meu caminho.

No livro, seis vezes nove é a pergunta cuja resposta é quarenta e dois. Mas seis vezes nove são cinquenta e quatro, e não quarenta e dois. O verdadeiro sentido da vida, é que esta não faz sentido. O Universo tem erros, buracos, tropeções. Cada um deles uma imperfeição que lhe dá personalidade. Imperfeições que tornam belo o percurso que hoje caminhamos.

Quarenta e dois minutos entre Ovar e Coimbra. Apenas quarenta e dois minutos de uma longa viagem.

Thursday, September 23, 2010

Entre Londres e Paris escolho Ovar

Sempre quis ir a Londres, mas nunca fui. Já Paris, cheguei mesmo a comprar um bilhete, mas não embarquei. Hoje queria lá estar.
Adriano Cerqueira

Ao entrar para a faculdade uma das coisas que mais me impressionou foi o facto de ser rara a pessoa que não tinha visitado Londres pelo menos uma vez. No início senti alguma inveja aliada a uma sensação de não-pertença. No meu velho liceu podia contar pelos dedos o número de pessoas que tinham viajado para fora da Península Ibérica, daí ser compreensível estranhar profundamente esta diferença.

Cedo limitei-me a ignorar esse facto, no fundo é um mero pormenor que apenas me forçava a ficar calado nos raros momentos em que esse tema surgia. Apesar de sempre ter tido vontade em visitar Londres nunca fiz nada de forma a concretizar essa viagem. Contudo, por duas vezes isso esteve perto de acontecer.

A primeira ainda no início da minha adolescência quando a Windsor School me propôs para passar um mês em Inglaterra em casa de uma família de acolhimento que recebia alunos estrangeiros. Contudo, o programa custava cento e cinquenta contos (cerca de setecentos e cinquenta euros) o que na altura era um custo muito elevado para os meus pais suportarem. Para não falar que a ideia de passar um mês em casa de estranhos não me agradava em nada. Hoje gostava de ter podido aceitar essa oportunidade.

A segunda foi no meu décimo segundo ano. A minha turma estava a planear uma viagem de finalistas que não a típica semana em Lloret del Mar, e que não envolvesse quaisquer gastos. Para tal procurámos patrocínios e vendemos bolos, entre outras coisas, no liceu de forma a pagarmos a viagem. O objectivo era ir a Londres, contudo, não conseguimos juntar dinheiro suficiente para levar a turma toda lá, mesmo com recurso a companhias low cost. Optámos então por ir a Coruña e Santiago de Compostela onde ficámos cerca de uma semana.

De facto, apenas este ano consegui viajar para fora da Península Ibérica. Apesar das inesquecíveis passagens por Colónia, Amesterdão, Roterdão, Bruges, Leuven e Bruxelas, Londres e Paris ficaram fora do itinerário. A segunda, curiosamente, fez parte do plano de viagem até ao último minuto. Planeávamos ir de comboio directamente para Paris a partir de Charleroi, mas tais gastos iriam implicar um esforço financeiro que nenhum de nós estava disposto a fazer, já para não dizer que apenas íamos passar um dia na capital francesa, o que inviabilizava desde logo qualquer experiência turística digna desse nome.

Tarde ou cedo irei a Londres. Talvez já no próximo ano, talvez um dia vá para lá estudar, trabalhar, viver, como desde sempre planeei. Por enquanto não faz sentido lá ir. Este ano já olhei um T-Rex nos olhos, posso esperar pelo momento em que me encontre directamente por debaixo de um Diplodocus. Sinto que a Londres, mesmo à distância, já lhe disse aquilo que tinha para dizer. Um destino do passado, como um velho desejo, não passa disso, de uma memória guardada de velhas certezas que hoje pouco mais são que simples ilusões.

Destino, fado, sorte, pode ser que um dia, por um destes, ou por outros motivos, o meu caminho passe por lá, mas por agora, é apenas um lugar que, por mais próximo, é para mim eternamente distante.

Já Paris, essa concubina martirizada de uma História ainda por escrever, é um destino que guarda em Lisboa o segredo da sua vontade.

Era 2008, tinha acabado de ganhar um passe InterRail. Passei meses a planear a viagem, reservei várias pousadas nos diversos destinos que propunha visitar. Cheguei mesmo a comprar um bilhete de ida para Paris. Poucos dias antes de embarcar ainda não tinha encontrado alguém que quisesse aventurar-se comigo. Estava convicto que era capaz de fazer esta viagem sozinho, mas no momento da verdade os elevados gastos envolvidos e o medo das diversas coisas que me podiam acontecer sem ninguém ao meu lado para me ajudar, fizeram-me desistir da ideia. O dia do voo chegou e eu não parti.

Talvez devesse ter procurado Paris mais cedo, talvez devesse ter feito algo mais ao invés de simplesmente aceitar a inevitabilidade de algum dia por lá me aventurar. Perdi a minha oportunidade e a janela fechou-se. Já lá vão dois anos e nada mudou. Mesmo Lisboa, que visito pelo menos uma vez por ano, mostra-se demasiado distante. Podia ser tão perto como o Furadouro e, mesmo assim, além do meu alcance.

Hoje queria lá estar. Não desta forma pois sentir-me-ia a mais num sítio já de si sobrepovoado, mas sim ao seu lado, só com a cidade. Talvez um dia, talvez nunca.

Entre Londres e Paris escolho Ovar. Cidade que inúmeras vezes me rejeitou e eu a ela. Lugar que me acolhe sem nada pedir em troca. Sítio que bem conheço. Espaço onde pertenço. Casa.

É difícil lá ficar. É difícil lá querer estar. É mais difícil de lá sair. Hoje não queria lá estar. Hoje não vejo outra cidade onde quisesse estar.