Sorte. É algo que nunca tive. Não a sério. Uma vez ganhei um passe InterRail num passatempo da CP e não o pude usar, pelo menos, não da forma que gostaria. A única outra coisa que alguma vez ganhei foi uma máquina fotográfica descartável num sorteio da Windsor School, a minha antiga escola de Inglês. Tirei umas duas fotos e não mais a usei, quando me lembrei de a usar o prazo de validade já tinha expirado e as fotos que continha estavam estragadas.
Ao crescer sempre tive que fazer o dobro do esforço para alcançar aquilo que queria. As coisas que para os outros estavam ao alcance de um pedido ou de um simples gesto, sempre exigiram de mim um processo bem mais intrincado e complexo. Era o miúdo da Bonjóia, com cara de idiota, que provavelmente nunca iria longe. Acabava sempre por lhes provar o contrário.
Nunca fui bom com primeiras impressões, se alguém não se der ao trabalho de me conhecer – e, normalmente, apenas o fazem por imposição ao invés de verdadeiro interesse – ficam para sempre com uma ideia errada de mim. A nível académico e profissional sempre foi assim. Raro foi o professor que não me achava ignorante até ao momento do primeiro teste em que as minhas notas geralmente lhes surpreendiam e passavam a tratar-me com algum respeito e menor preconceito.
Aos 13 anos estava a passar férias com os meus pais em Quarteira, no Algarve. Eles tinham ido ao mercado comprar sapateiras e eu tinha ficado no apartamento sozinho. Decidi então ir jogar à bola para o quarto, até hoje não sei bem porquê, devia estar mesmo aborrecido. Rematei a bola contra o espelho e ele partiu-se. Não sou muito supersticioso mas dado a minha constante onda de má sorte, encontrei nesse episódio a única explicação lógica para o que se passava comigo. Esperei sete anos e quando o dia finalmente chegou, nada aconteceu. Tudo permaneceu na mesma. Comecei então a pensar que talvez o meu azar se devesse a algo mais do que uma mera maldição.
A primeira vez que levei o meu carro ao Porto, fiquei sem combustível em ambos os tanques – o meu carro é a GPL, por isso tem dois – em plena hora de ponta no meio do acesso da Ponte da Arrábida ao Campo Alegre. Por algo que até hoje reconheço como um pequeno milagre, consegui voltar a ligar o carro e levá-lo até à bomba de serviço mais próxima. Até hoje ainda não devolvi o funil que me emprestaram para pôr a gasolina no depósito, visto que tive de deixar o carro num parque de táxis e ir a pé até à bomba para ir buscar um garrafão de combustível. Sim, garrafão, os bidões já tinham esgotado por isso tive que comprar um garrafão de água, deitar a água fora e enchê-lo com gasolina na bomba. Descobri que a gasolina da Repsol é azul escura, por isso não foi um total desperdício de tempo e dinheiro.
Nesse mesmo dia quando me preparava para regressar a casa descubro um enorme risco na porta do lado do passageiro, risco esse que lá ficou até ao inverno passado em que dois mecânicos decidiram pintar o meu carro sem me consultar. Foi a sua prenda de natal para mim, uma prenda que me custou 400 €, mas pronto.
Terminei o 12.º ano em 2006. Fui o melhor aluno do meu liceu e por isso recebi um certificado e uns vales Fnac no valor de 45 €. No ano seguinte o ministério da educação teve a brilhante ideia de premiar os melhores alunos com cheques de 500 €, sem efeitos retroactivos, claro.
Mesmo na faculdade, raros foram os momentos em que a sorte me sorriu. No último semestre grande parte dos meus colegas passou a odiar-me pelo simples facto de alongar a minha decisão sobre que estágio escolher, decisão essa que punha em causa o futuro de um dos rapazes mais populares, cuja média não era suficiente para ele escolher o estágio que quisesse.
Ninguém se importou em perguntar qual o motivo por trás da minha indecisão. Eu só estava a passar por um dos piores momentos dos últimos anos. No dia em que estava prestes a entregar a minha ficha de candidatura a estágio, aliás no exacto momento em que a preenchia, a rapariga de quem gostava chamou-me para fora da sala e simplesmente disse-me que não havia qualquer hipótese de alguma vez existir algo entre nós.
Sim, naquele momento a única coisa que me apetecia fazer era tomar uma grande decisão que iria influenciar a minha vida para os próximos seis meses. Enfim, talvez eles nunca tenham passado por um mau momento em que se viram forçados a dar prioridade a coisas mais importantes, talvez seja eu o único marcado pela sina da má sorte.
Nesse dia, depois de conversar com ela, saí da faculdade em direcção ao Campo Alegre – ironia, eu sei – para ter a já habitual aula de Russo – sim, era uma quarta-feira –, chovia bastante e decidi tomar um atalho por uma pequena viela em empedrado, com uma descida bastante íngreme. Pareceu-me ver algo em cima do guarda-chuva, distraí-me por um segundo e caí de frente. Magoei-me nas mãos e os meus joelhos começaram a latejar, levantei-me, sacudi alguma da lama e fui directo para a aula. Ainda me consegui limpar o suficiente para que nenhum dos meus colegas reparasse no estado em que eu estava.
Devido à minha indecisão uma das pessoas que tinha como amiga e cuja minha admiração por ela era, e é, bastante alta, começou aos gritos comigo. Hoje já fizemos as pazes, mas foi naquele momento que tive a confirmação que o Porto, que a minha cidade, não tinha lugar para mim. Cometi um erro ao escolher ir estudar para lá, cometi um erro ao escolher aquele curso, e este parecia apenas o início de novas tormentas que o futuro adivinhava.
Não costumo ganhar, aliás é muito raro. Seja jogos como cartas, Uno, xadrez, damas, Monopólio, Cluedo, ou desportos como futebol, andebol, basquetebol ou outra coisa qualquer. Apenas na natação consegui algumas vitórias, mas isso foi em outros tempos. No secundário, quando jogávamos futebol, sempre que eu marcava um golo festejava efusivamente a correr pelo campo todo com os braços abertos para ir abraçar o guarda-redes. As pessoas perguntavam-me porque reagia daquela forma por causa de um golo que pouco ou nada valia, mas quando recebia um 20 num teste simplesmente aceitava e voltava para o meu lugar. A resposta é simples: sorte. Um golo é sinónimo de esforço e um pouco de sorte à mistura. Sorte, essa coisa que não sei o que é. Já um teste é algo preparado e a nota quase sempre é aquela esperada.
“Azar ao jogo, sorte ao amor”, costuma-se dizer, pois eu sou a excepção que confirma a regra. No outro dia uma amiga minha perguntou-me o seguinte: “Porque não namoras? És um rapaz tão sensível, não faz sentido não namorares”. Se alguém souber a resposta, agradecia que ma contasse. A primeira rapariga de quem gostei acabou por namorar com o meu melhor amigo. A rapariga que convidei para o baile de finalistas, apesar de inicialmente ter aceitado ir comigo, acabou por ir com outro pois se tinha “esquecido” do meu convite. Uma vez perguntei a uma amiga minha se queria sair comigo, ela apenas perguntou se eu estava parvo e fugiu. Não fugiu de verdade, estávamos à espera do autocarro, o dela chegou, ela entrou e nada mais me disse.
O meu avô morreu no dia 8 de Dezembro de 2004. Não o conheci, não verdadeiramente. Desde que me lembro que ele vivia assolado pela doença de Parkinson, tinha dificuldades em falar, e nos últimos anos tinha mesmo perdido essa capacidade. Não chorei quando ele morreu, odeio-me por isso. Desde esse dia que vivo assolado por uma enorme tristeza que apenas consigo mascarar com uma personagem que interpreto todos os dias antes de sair de casa.
O ano de 2005 foi o pior ano da minha vida até agora. A minha avó materna sofria de problemas de circulação e passava a vida a ser operada à perna. Quando regressava a casa, os dias dela eram passados a chorar e aos gritos com dores. Era algo muito triste que colocava a minha família sob um stress constante. Acabou por haver apenas uma solução, ela teve que amputar a perna. Desde aí que está numa cadeira de rodas, ainda a encontro a chorar de vez em quando, mas pelo menos já não sente dores.
Como se isto não bastasse a firma onde a minha mãe trabalhava foi à falência nesse mesmo ano e ela foi assim forçada, ao fim de 25 anos, a entrar no desemprego. O momento até foi bom, pois pôde dedicar o seu tempo a tomar conta da minha avó. Não mais arranjou emprego e é agora o meu pai o único que nos sustenta. Por isto tudo isolei-me bastante do resto do mundo e só hoje começo verdadeiramente a sarar das feridas causadas por esse ano terrível. Procurei ajuda e apoio mas poucas foram as pessoas que me acudiram. A minha namorada na altura acabou inclusive comigo por causa da minha distância. Não a culpo, pois não lhe contei o que se estava a passar, talvez o devesse ter feito, mas não o fiz.
De regresso ao presente, este ano tem sido tudo menos rico em sorte. Em Março a poucos dias do concerto dos The Cranberries, no Campo Pequeno, em Lisboa, adoeci. Não era uma simples gripe, mas algo bem mais grave que me obrigou a ficar medicado durante cerca de três meses. Não fui ao concerto, faltei a uma semana de aulas e passei os meses seguintes num estado de dormência emocional apenas suplantado pela ligeira high dos medicamentos.
No mestrado, ao montar uma instalação multimédia interactiva que custou ao meu grupo um total de 300 €, tivemos que discutir com outro grupo a divisão do espaço para a expor, o que nos atrasou um dia na montagem. Ao fim de 72 horas seguidas de trabalho não conseguimos pôr o som e o vídeo a funcionar, o que nos forçou a simular quase todos os elementos interactivos que a instalação possuía. Pelo menos as luzes funcionaram. Nessa mesma manhã comecei a ter os primeiros sinais da doença que me assolou nos meses seguintes e por causa das dores cheguei com uma hora de atraso à faculdade. Apesar deste investimento, o professor apenas nos deu 14 por achar que a ideia não era inovadora.
Mais recentemente a CP lembrou-se de marcar uma greve geral no dia em que eu ia ter o único exame deste semestre. Felizmente consegui arranjar boleia, caso contrário não teria forma de ir ao Porto. Sim, porque ao mesmo tempo o meu carro estava com problemas no motor de arranque.
No dia em que fui ao café ver o Portugal vs. Espanha, do último Mundial, com uns amigos meus, o meu carro deu de si e fiquei a pé, logo quando tinha dito que dava boleia a um deles. Já agora, Portugal perdeu por 1-0 e foi eliminado.
Podia continuar a enumerar os meus momentos de má sorte, mas acho que ficam com uma boa ideia.
Uma vez, só por uma vez, gostava de ter um momento de sorte, um dia em que tudo corresse bem e pudesse sentir-me feliz como qualquer outra pessoa.
Hoje não é um desses dias e, sinceramente, já não quero saber.
1 comment:
Sweetie, tu és a personificação do azar \:
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