Estrelinhas de Fátima, Foto: Adriano Cerqueira |
Algumas viagens valem, não pelo destino, mas sim por aquilo que nos espera quando lá chegamos. São os pequenos pormenores que nos movem. Que aceleram aquele primeiro passo. Que nos fazem saltar da cama, ansiosos pelo dia que temos pela frente. Uma viagem é uma companhia, um caminho, um desvio, um obstáculo, um mapa, um destino, um pormenor. Uma Estrelinha de Fátima.
Este é o primeiro Outono em nove anos cuja chegada não é sinónimo de uma nova temporada de How I Met Your Mother. Os fãs da série que, como eu, ainda estão a remoer o inesperado final que este Março nos ofereceu, recordam-se das longas viagens ininterruptas de Ted e Marshall até Chicago, com o único objectivo de comerem uma Pizza do Gazolla’s.
Uma Pizza não muito diferente de uma outra qualquer, que, no momento a seguir à provarem, fá-los questionar se aquela longa viagem teria valido a pena. Contudo, eles continuam a lá regressar, ano após ano, pelo mesmo motivo. Não o fazem pela Pizza, mas sim pela viagem, pelos momentos que partilham, pelas memórias que cimentam a sua amizade, e pelas inevitáveis peripécias que acabam por colorir o seu percurso.
Todos temos a nossa Pizza do Gazolla’s. Seja ela a melhor francesinha, o Hambúrguer gigante, aquele restaurante Mexicano, ou aquele bolo de chocolate que não mais conseguiste replicar. Para mim, são as Estrelinhas de Fátima da pastelaria Milano. Esta está longe de ser a primeira vez que escrevo sobre elas. Talvez o faça pelas memórias de infância que as acompanham, pelas histórias que trazem envoltas em cada pedaço deste pequeno doce de ovos com amêndoa e açúcar, ou pelo inigualável sabor que lhes é tão característico.
O misticismo em volta desta quase desconhecida iguaria é reforçado, em parte, pela sua raridade. Especialidade única desta pequena pastelaria, são elas também espécies ameaçadas, cuja subsistência irá depender da longevidade deste estabelecimento, da qualidade da sua confecção e da receita, aí guardada em segredo.
Desde pequeno que Fátima é sinónimo de Estrelinhas. Bom, Estrelinhas e Pegadas de Dinossauro, mas isso é outra história. Todos os anos ansiava pela habitual viagem até ao Santuário com o único propósito de as provar. A longa e cansativa viagem, e o tédio inconsequente do dia era compensado por os pequenos momentos de prazer que este pequeno pormenor me proporcionava.
Trazia sempre algumas para casa, mas dada a natureza deste doce, o melhor é mesmo comer na hora. Esta semana tive a sorte de me oferecerem algumas. Há já alguns anos que lá não regresso, e nas poucas vezes que o fiz, nem sempre encontrei a pastelaria aberta, ou então perdi-me à sua procura.
Começo a perceber que as Estrelinhas de Fátima têm uma vontade própria e que nem sempre se deixam revelar. Nem sempre uma viagem tem o sucesso de nos levar até ao destino que tanto desejávamos, mas, por vezes, esse resultado é aquele que mais precisávamos naquele momento.
Vejo quase como uma missão a necessidade de as divulgar. De tornar este desconhecido deleite popular entre aqueles que apreciam a boa gastronomia portuguesa. Contudo, temo também pela banalização de algo que me é tão próximo, e tão valioso. Pois, pudesse eu comer uma Estrelinha todos os dias e talvez a ignorasse, como faço com os Pastéis de Nata, e vulgares croissants.
A viagem, a raridade, o misticismo, o sabor, as memórias, a sua História. São estas coisas que fazem as Estrelinhas de Fátima únicas. São estes pormenores que fazem delas especiais. É tudo isto que me faz escrever sobre elas. É tudo isto que faz com que elas valham a pena.
Se passarem por Fátima, seja em peregrinação, ou apenas de passagem, dêem um salto até à Pastelaria Milano. Provem. Saboreiem. Julguem-nas de vossa justiça, e sigam o vosso caminho. Seja ele qual for, até às vossas Estrelinhas particulares. Já as minhas, encontram-se aí. Apenas aí.
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