Anathema, Hard Club (Porto); Foto: Adriano Cerqueira |
The Lost Song (Part 2), Anathema
Hoje compreendo porque precisava de lá estar. De os rever. De os ouvir. Ao longo dos últimos anos os Anathema têm sido a minha constante. A cada dois anos eles visitam o Porto, e eu estou lá, nas primeiras filas, a sonhar.
Desta vez fiquei à frente, junto às grades, quase que lhes podia tocar. Eram enormes. Gigantes. Eu era apenas um rapaz com uma t-shirt do Unknown Pleasures, já sem voz ao fim das primeiras músicas. Que saltou mais que em qualquer sessão de Insanity.
Danny Cavanagh |
Anathema, Anathema
Mais uma vez, Anathema. Há alguns meses que não os ouvia. Não como antes. Desliguei-me. Rara era a música que não me contaminava com um profundo sentimento de desolação. Nada neles tinha mudado, mas sim em mim. As músicas eram as mesmas, a melodia, o ritmo, os acordes, as letras. Mas eu não as ouvia, não da mesma forma.
Há um ano ansiava por um concerto. Uma necessidade tão forte, como a primeira lufada de ar após um longo mergulho. A promessa de um novo álbum adivinhava um regresso à Invicta, confirmação que não tardou a ser anunciada. 11 de Outubro. Ainda a meses de distância, desmarquei a minha agenda para essa data. Fiz planos. Imaginei o concerto ideal. Sonhei com uma história que não cheguei a escrever.
Mas a abrupta travagem da realidade despertou-me. Ignorei o novo álbum durante semanas e, quando finalmente o ouvi, distraí-me, incapaz de perceber, de sentir, de me deixar envolver em qualquer uma das músicas. Percebi as letras que pensava ouvir, e não aquelas que cantavam. Atirei-o para um virtual esquecimento e desliguei-me.
Por meses, desliguei-me. A data permanecia marcada mas distante. Intocável. Inexistente. Era Outubro. Acordei. Não queria ir. Não fazia sentido ir. Nem o próprio Luís que desde 2008 sempre me acompanhou neste concerto, tinha vontade para ir. Contudo, havia uma voz que me movia. Uma voz que dizia que eu precisava de estar naquela sala. As semanas passam como dias. Deixas algo para amanhã, o tempo passa, os anos também, e esse algo fica por se concretizar.
Vincent Cavanagh |
The Lost Song (Part 2), Anathema
Não podia deixar que isso voltasse a acontecer. Cheguei ao Hard Club e uma longa fila aguardava. Teria chegado tarde demais? Faltavam ainda alguns minutos para as nove da noite. Seria possível que já não houvesse bilhetes?
A longa fila era composta na sua maioria por adolescentes, sem qualquer semelhança com os fãs de Anathema a quem já me tinha habituado. Fui para o fim da fila e perguntei a um rapaz se esta era a fila para a bilheteira, o seu não deixou-me algo confuso. Nos últimos dois anos mudaram o local da bilheteira para uma pequena montra na sala dois do Hard Club. Tapada pela longa fila de adolescentes era fácil passar despercebida. Além do concerto, reservado para a sala um, estava também marcado um encontro de Youtubers, que explicava a presença daquela multidão invulgar. Comprei o meu bilhete e dirigi-me para a sala do concerto.
Antes de entrar dei uma olhadela pela habitual tenda de merchandise. Vendiam alguns álbuns autografados. O Distant Satellites já tinha esgotado, e a ideia de comprar o CD já autografado retirava a magia de conseguir os autógrafos por mim e de conhecer a banda pessoalmente.
Quando entrei na sala os Mother’s Cake já se preparavam para actuar. A banda de abertura tinha uma energia positiva e interagia bem com o público. As vocals deixavam algo a desejar, mas mostravam ter algum talento. Isso e o cabelo do baterista, a lembrar o Sr. Coisa da Família Addams, deram para uma primeira hora agradável em antecipação do prato principal.
Esmiuçava por entre a multidão à procura de alguém conhecido. Na viagem de comboio para lá encontrei uma amiga do secundário emigrada no Luxemburgo que, embora já os tivesse visto lá há duas semanas, quis rever os Anathema, agora com um público mais animado. Apesar da sua companhia, não era raro encontrar alguém conhecido por entre a multidão, por vezes, até mesmo pessoas que desconhecia serem fãs da banda. Contudo, confesso que não era por esses inesperados conhecidos que os meus olhos procuravam.
Fomos para a frente, junto à grade. A meros centímetros do palco. Sentia-me capaz de o tocar. Foi breve a espera. Quando eles entraram, um a um em palco, foi como se tivesse enfim despertado de um sono profundo que há muito se alongava. Vivi cada música como se fosse a primeira vez que a ouvia.
Lee Douglas |
Untouchable (Part 2), Anathema
Deixei-me encantar pelas duas primeiras partes de The Lost Song. Seguidas pela Untouchable, numa dança perfeita entre duas almas que se completavam. Apaixonei-me pela Anathema, a faixa homónima da própria banda. E finalmente descobri, pela boca do próprio Vincent, como é pronunciada esta palavra.
O público pedia por músicas antigas. O homem que se encontrava ao meu lado com o filho, desejava por um concerto de seis horas. A este pedido o Danny engasgou-se na sua cerveja e apontou para o Vincent dizendo, “You know he’d have to sing that shit?”. “Maybe next time we’ll just give you some drugs and play a regular concert and you’ll think it was six hours long.”
A interacção com o público foi constante e energética. Como uma reunião entre velhos amigos que mesmo após dois anos de ausência, continuam a tratar-se como se ainda ontem se tivessem encontrado.
Após o inevitável encore, chegaram algumas das velhas músicas que os fãs há muito desejavam. A Natural Disaster encantou-me como sempre, mas mesmo uma música ouvida incontáveis vezes pode surpreender-nos. A Lee. Sempre a Lee. A forma como prolongou o final da Natural Disaster ainda hoje me dá arrepios. Fiquei colado à sua voz até ao fim. Queria fotografar, guardar o momento de alguma forma, mas fazê-lo apenas iria impedir-me de viver intensamente cada segundo de algo tão raro, e tão belo.
A Fragile Dreams. Acordei como uma incomum vontade de a ouvir. Quando a começaram a tocar, cada fibra do meu corpo ganhou uma nova energia. Senti-me tão vivo. Envolto por um profundo sentimento de felicidade, e uma renovada confiança na minha relação com os Anathema.
Quando terminaram, era hora da habitual troca de memorabilia. A Lee tentou lançar uma das set lists para o público mas falhou. O Jamie dobrou-a num avião e atirou-a na minha direcção, apanhei-a e fui envolto por mãos desejosas, mas incapazes de a agarrar. Cá fora encontrei o baterista, Daniel Cardoso, cumprimentei-o por mais um grande concerto e pedi-lhe que me assinasse a set list.
Anathema |
The Lost Song (Part 2), Anathema
Antes de correr para apanhar o comboio ainda estive alguns momentos à conversa com o Vicent. Fiquei preso às suas palavras enquanto ele descrevia o processo criativo do grupo. Como cada um pode trabalhar numa música em separado e sair algo diferente, e como a banda, embora não se esqueça dos primeiros álbuns, tem evoluído para um caminho que os agrada ainda mais.
Por fim, conheci a Lee, tirei duas fotos com ela e trocámos uma breve impressão sobre a qualidade da Super Bock que ela trazia. Na viagem de regresso a minha face foi sequestrada por um sorriso de orelha a orelha. Já não me recordo da última vez que fui tão feliz.
Passaram-se horas até me aperceber que não tocaram a One Last Goodbye. Não foi necessário. Esta set list era perfeita no seu conjunto, na forma como cada faixa se completava. Não senti a sua falta, nem a de outra música qualquer.
Fiz as pazes com uma banda da qual nunca me distanciei. A cada concerto que vou sinto o quanto eles evoluíram, e como eu evoluo com eles.
Mais uma vez, Anathema. Sempre Anathema.
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