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Ainda sinto nas minhas costas o calor daquela tarde de Julho. Era 2005 e estava ansioso para estrear a minha nova bicicleta. Saí de casa pouco depois das duas da tarde. Partia em direcção à Torreira com pouca, para não dizer nenhuma, noção da distância que me separava do meu destino. Lancei-me à estrada com alguma água, mas sem protecção do Sol, e com uma roupa inadequada para este trajecto.
Comprei a minha bicicleta numa superfície comercial que entretanto fechou e voltou a abrir. Na altura, em vez de uma livraria, o espaço era ocupado por uma loja de electrodomésticos. Tinha um pequeno orçamento e estava disposto a poupar o máximo possível. Tinha apenas duas opções, uma bicicleta de montanha básica, cinzenta, e outra em tons de vermelho com suspensões nas rodas da frente e ligeiramente mais cara. Nenhuma das duas era adequada para andar na estrada, mas estava longe de poder investir numa que o fosse.
Acabei por escolher a cinzenta, e usei o dinheiro que me restou para comprar um DVD, uma edição especial de um dos meus filmes preferidos. Aguardei alguns dias antes de fazer a sua viagem inaugural. Podia ter escolhido um trajecto mais simples, e mais curto, mas não o fiz. Podia ter ido à praia, ou apenas passeado pelo centro. Não. Escolhi fazer um percurso de vinte quilómetros, sem qualquer preparação, e durante as horas de pior calor. Era, claramente, um adolescente imprudente.
Até à rotunda que ligava à estrada da Ria, o meu percurso apresentou-se banal e sem qualquer incidente. Ou não o tivesse já feito incontáveis vezes ao longo da minha vida. Mas os cerca de cinco quilómetros que separam aquela rotunda da minha casa, em nada faziam adivinhar o que viria a seguir. Três quartos de um caminho ainda por percorrer, repletos de longas rectas infinitas, com pouca ou nenhuma sombra onde me abrigar, acolhidas por um calor infernal, apenas apaziguado pela ligeira brisa que atravessava as calmas águas da Ria.
A cada pedal que dava, parecia estar mais longe do meu destino. O cansaço não tardou a tomar conta de mim. Foram incontáveis as paragens que fiz, ora para beber água, ora para me abrigar do Sol e do calor que queimava as minhas costas. Lembro-me das dores. Lembro-me do meu respirar ofegante, lembro-me da motivação que me fez continuar até à Torreira, apenas para voltar e repetir de novo, todo o mesmo caminho.
Foi um erro que não voltei a cometer. E uma bicicleta que durante muito tempo permaneceu parada. Nos tempos que se seguiram apenas a usava para me levar até ao liceu, ou para dar alguns passeios, acompanhado por um novo velho CD que ansiava por ouvir. Da garagem, passou para os arrumos abertos do quintal. Durante mais um Inverno húmido e rigoroso, nada a protegeu das intempéries, além do pequeno telhado que a cobria. Reencontrei-a no Verão de 2007, enferrujada e com um pedal que cedo não tardou em se partir. Nada fiz para me livrar da ferrugem, mas troquei a corrente, arranjei o pedal e enchi os pneus.
Nesse, e nos Verões que se seguiram, comecei a viajar de bicicleta com alguns amigos. Saímos cedo de casa, enquanto ainda não estava um calor impeditivo. Escolhíamos um destino e íamos até lá. Fosse pelos lamaçais da Marinha, pelas subidas e matas de São João, ou pela Ria, na mesma estrada onde em 2005 me aventurei. Uma tradição que permaneceu intacta até 2010. Até à nossa última longa viagem entre Ovar e São Jacinto.
Não foi o calor, nem as suas queimaduras. Não foi o pedal partido do Luís, nem a ferida na perna do Paulo depois de eu ter chocado com ele. Não foi o cansaço, nem aquela terrível subida do Calvário que, no regresso, parecia mais alta que a Serra da Estrela. Nem tão pouco foi a falta de vontade, ou de tempo. Simplesmente deixou de acontecer.
Não mais voltei a pegar na minha bicicleta. Com os pneus furados, uma nova camada de ferrugem, e a impossibilidade de trocar de mudanças, ela é hoje nada mais que uma velha recordação, ainda guardada à espera de um local onde possa descansar eternamente.
Há quatro anos que sonho em comprar uma nova. Estando mesmo disposto a investir mais um pouco, para ter uma bicicleta adequada ao uso que lhe quero dar. Contudo, ainda não aconteceu, nem tão pouco o farei durante este Verão. Uma velha tradição que, para já, continua o seu interregno, com data ainda por definir.
Hoje, mais do que nunca, quero muito andar na minha bicicleta.
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