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Os Verões da minha adolescência eram passados em casa, ora a
ler, ora a ouvir a música, ora online no mIRC ou no MSN. Durante oito anos fui
apenas uma vez à praia com colegas de escola. Não tinha amigos, pelo menos não
daqueles que me convidassem para fazer algo fora do liceu.
A primeira, e única, vez que fui à praia com colegas do
liceu foi já no nono ano. A minha mãe lá me convenceu a ir com um grupo de
pessoal popular com quem me dava mais ou menos bem, mas a quem não podia verdadeiramente
chamar de amigos.
Foi uma tarde algo embaraçosa. Com a pressa de sair de casa
levei um tapete em vez de uma toalha de praia e passei a tarde com a t-shirt
vestida. Dizia como desculpa que estava com algum frio, mas na verdade não
tinha confiança o suficiente no meu corpo para o mostrar desta forma.
Eventualmente acabei por tirar a t-shirt mas, no geral, não parei de me sentir
desconfortável. Foi uma tarde muito longa e uma experiência que tão cedo não
queria repetir.
Passar férias fora de Ovar também não era uma opção. Os meus
pais decidiram construir a nossa casa no virar do milénio, quando ainda tinha
12 anos. Sem dinheiro para mais nada não viajávamos. Fomos uma semana para o
Algarve em 2001 e em 2005 e passámos um fim-de-semana em Évora em 2003.
Ia à praia com eles na Torreira de vez em quando ao
fim-de-semana. Por vezes pegava na minha bicicleta e ia até à praia ler, mas se
o fizesse mais que duas vezes no mesmo Verão já era muito. Lembro-me de passar
os dias a adiar esta minha viagem até ao Furadouro. Eram apenas cerca de sete
quilómetros a pedalar, mas sozinho parecia ser uma distância interminável.
As desculpas eram muitas e variadas. Ora estava mau tempo,
ora estava muito calor. A minha constante preguiça e as longas noites passadas no
mIRC, faziam com que raro fosse o dia em que saísse da cama antes das duas da
tarde. Nas raras vezes que lá conseguia levantar-me cedo, aproveitava as manhãs
para ler ou para arrumar o meu quarto.
Chegava a perder dias inteiros na arrecadação à procura de
algo em específico. Um velho brinquedo, uma peça de roupa ou algum velho pedaço
de lixo tecnológico que pudesse, talvez, ainda funcionar.
Tudo servia como desculpa para não pegar na minha bicicleta.
Na verdade só não o fazia por receio de encontrar alguém conhecido. Talvez
esteja a exagerar quando o digo, mas durante anos a ansiedade que sentia sempre
que era forçado a sair de casa, fez-me acreditar que sofria de agorafobia. Hoje
compreendo que o que sentia era apenas medo. Medo de interagir com alguém conhecido
fora do habitat natural que era a escola.
Apesar disto, ia ao Porto com alguma frequência. O meu pai
deixava-me no Gaiashopping ou no Arrábida. Passeava pelas lojas e ia ver um
filme, fim-de-semana sim, fim-de-semana não.
Volta e meia ia também a Aveiro, ou a Coimbra, ter com
pessoal com quem falava no mIRC. Eram tardes muito fixes que me davam algum
alento para aguentar o resto do ano mas, infelizmente, muito fugazes. Tão
fugazes como essas amizades que, hoje, não passam de memórias ou de meros
conhecidos que há muito deixei de seguir no facebook.
Sentia-me um verdadeiro outsider, sempre à espera que
surgisse alguém capaz de dar um novo rumo à minha vida.
Durante esses anos perdi muitos dos meus interesses.
Gradualmente deixei de ver o Em Busca do Vale Encantado todas as semanas.
Deixei de coleccionar/jogar cartas Pokémon. Deixei de ver Power Rangers e de
brincar com os meus LEGO.
Uma das frases que mais vezes usava no meu perfil do MSN era
algo sintomática deste sentimento de perda: “Já ninguém ouve New Order, já
ninguém vê o Em Busca do Vale Encantado, já ninguém gosta da Primavera.”
Com três simples traços desenhava a minha solidão.
Virei-me então para a música. Passava os dias entre a MTV e
o SOL Música à procura de novas bandas. Por vezes chegava a mandar mensagens
para o rodapé do SOL Música. A maioria delas a pedir para passarem New Order ou
t.A.T.u.
Cheguei inclusive a ir a alguns festivais de Verão. Era
assíduo no SBSR e fui aos dois primeiros Rock in Rio. Sempre com o meu pai,
pois nunca encontrava alguém interessado em acompanhar-me.
Eram Verões muito aborrecidos. Passava-os a contar os dias
até ao regresso às aulas. Não por gostar particularmente do meu liceu, mas para
poder ter algo para fazer além do constante marasmo do meu dia-a-dia.
Passava-os também na esperança que a pessoa de quem gostava
na altura não tivesse arranjado namorado e que, de alguma forma, ela se
lembra-se que eu existia.
Sempre que, por alguma brecha, a minha realidade se cruza
com estas memórias, sinto alguns destes sentimentos a vir ao de cima. Uma
profunda tristeza por tempos que perdi, por momentos que não vivi, pela solidão
e pela frustração que assolavam os meus dias.
Tive que esperar até 2010 para a minha vida começar a ficar
mais interessante e para, de facto, começar a vivê-la.
Ao meu Eu adolescente apenas tenho isto a dizer: Levanta-te
desse canto e volta para a cama. Não te preocupes, o futuro será muito melhor.
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