Sunday, December 23, 2018

O Regresso da Véspera da Véspera de Natal Parte XII


365 dias, 236 conferências de imprensa de Bruno de Carvalho, 90 Segundos de Ciência, 50 arranhadelas do Dalí, 28 toupeiras, 17 bilharacos, 5 títulos europeus, 4 sequelas de Jurassic Park, um Morabed e 0 pencas depois, sejam bem-vindos a mais um episódio do Regresso da Véspera da Véspera de Natal, a tradição anual mais aguardada pelos fiéis seguidores da Igreja Universal do Sagrado Chinelo, e por todos aqueles cujo ódio a pencas os une nesta santa data.

Comecemos assim a nossa viagem num rooftop com vista para o Douro. A Menina do Gás, munida do seu telemóvel alimentado por uma Pluma da Galp, aproveita o pôr-do-sol para encontrar o seu ângulo mais instagramável. O seu sonho é um dia conseguir seguidores suficientes para ser convidada a participar num videoclipe do David Carreira. Para já contenta-se com algumas amostras de maquilhagem, e a habitual oferta de sushi para ilustrar momentos especiais como incêndios, terramotos ou outra tragédia similar.

Indecisa sobre que foto escolher, começam a cair mensagens no seu whatsapp. Dentro do grupo do pica-pau amarelo, Mindo, o subjectivo, partilha mensagens de apoio à candidatura de Bolsonaro, e umas notícias falsas sobre o estado de manutenção do viaduto Duarte Pacheco. Emigrado na terra conhecida chamada Fossa, Mindo congratula-se pelo voto secreto que deixou em branco a favor do regresso do fascismo à terra desconhecida chamada Brasil.

“Isso é subjectivo”, diz o Mindo em mensagem de voz, imediatamente bloqueado por Vasco da Gama, Jesus, o Cristo, Pedro Álvares Cabral e a Menina do Gás.

Entre citações de Pedro Chagas Freitas e de uma pita, – as minhas desculpas pela redundância – a linha do tempo do twitter português é pontoada por uma conta emergente conhecida pelo seu bom humor, pela sua assertividade de análise à diplomacia internacional, e pelo seu profundo conhecimento filosófico e literário. Em directo do Panteão, a Toalha do Eusébio protagoniza esta conta sem medo de pôr o dedo na ferida sobre os temas fracturantes da nossa sociedade.

Proibido de consumir os seus vídeos de intimidade caseira no Tumblr, Vasco da Gama, Fernando Pessoa e os seus Heterónimos, Jesus, o Jorge, e Moisés, embarcam numa Nau em busca da terra desconhecida chamada Brasil.

Pelo caminho entretêm-se a fazer scroll pelo facebook onde Jesus, o Cristo, partilha algumas fotos da sua viagem pelo Dubai. Ora na palha estendido, ora na palha deitado. Ora em cima de um camelo, ora com a verde-e-branca vestida acompanhada pelas hashtags #OndaVerde e #OMundoSabeQue.

Já no Youtube, Peyroteo publica um vídeo sobre o fim da internet como a conhecemos que faz com que os jovens percam as estribeiras e comecem a pesquisar por tutoriais sobre como votar, o que é essa coisa de União Europeia, se se come, e como ficar viral sem mostrar demasiado decote.

Os media espantam-se por Peyroteo, conhecido pelo seu podcast “Tu não entendes o Hip-hop”, onde se debatem os mais profundos sentidos da literatura de Nietzsche em comparação com as iluminadas dissertações de Kanye West, ter dedicado algum do seu tempo a um tema que, de forma continuada, tem caído nas catacumbas da agenda mediática.

Fernando, o Pessa, Álvaro de Campos, Jesus, o Jorge, a Menina do Gás e Vasco da Gama, perdem-se pelo Mediterrâneo em busca da terra desconhecida chamada Brasil. Pelo caminho salvam alguns migrantes do Norte de África e dirigem-se para Itália na esperança de serem bem recebidos.

“Excusi, bapidi, bopidi”, diz Jesus, o Jorge, oitochentos e ocho minutos depois de atracar em Nápoles.

“Que cosa?! Tu sei un pazzo! Va via di qui!”, responde um oficial italiano que recambia a Nau de regresso a Portugal.

Chegados a Lisboa, duas pessoas com coletes amarelos rodeadas por uma centena de polícias dão as boas vindas a Ricardo Reis, Jesus, o Jorge, Peyroteo e Vasco da Gama que enfim regressam da sua viagem.

A Menina do Gás dirige-se para o aeroporto para apanhar um avião para Bali com stop over no Dubai onde se irá encontrar com Jesus, o Cristo, ora nas palhas estendido, ora nas palhas deitado, para, em conjunto, criarem o milionésimo blogue de viagens com base nos seus seguidores do Instagram.

Já no twitter um longo debate começa a fervilhar por motivo do tema do próximo Prós e Contras. Este programa questiona quais os limites do cozido à portuguesa. Um tema fracturante que divide grandes facções da nossa sociedade, desde os ambientalistas, ao deputado do PAN, passando pelo senhor Vítor do Café Gidelos em São Bento da Porta Aberta.

Entre ameaças de porrada de um tipo em constante crise de meia-idade, e piadas sem qualquer nexo de outro tipo com baixa auto-estima, a comunidade divide-se entre aqueles que gostam de cozido, e os que acham que a linha da Lousã devia ser reconstruída como uma ferrovia normal.

A Toalha do Eusébio é a única conta que procura trazer alguma sanidade ao tema, sugerindo aos seus seguidores para trocarem o cozido por polvo à lagareiro ou por bacalhau com todos. Com todos, menos com pencas.

“E o bolo-rei sem glúten? E as rabanadas sem açúcar?”, questiona a Menina do Gás, imediatamente bloqueada por Peyroteo, Jesus, o Jorge, Alberto Caeiro, Eça de Queirós, Fernando, o Pessa, e por Sócrates, o José.

Em gesto de despedida, a Toalha do Eusébio deu um salto a Ervedal, onde por entre as silvas, e as heras, largou umas amoras em homenagem ao local de nascimento do Sagrada Chinelo, nosso Deus e Salvador, que nos mostra sempre o caminho.

E assim regressa o dia mais aguardado ao longo de todo o ano. Dediquem estas horas a espalhar pelo Mundo as palavras de felicidade que só um dia como o 23 consegue transmitir.

Pois hoje é a Véspera da Véspera de Natal. Dêem as mãos e cantem todos comigo:

Morram Pencas, morram! Pim!

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