Quando era pequeno gostava de atirar pedras para a Ria e tentar fazer com que elas ressaltassem na superfície da água o máximo de vezes possíveis antes de acabarem por inevitavelmente se afundarem no lodoso leito daquele curso salgado.
Com o tempo aprendi que as pedras mais lisas e achatadas conseguiam atingir uma maior distância e chapinhar mais vezes na superfície que as restantes. No fim de contas, todas elas acabavam por se afundar, algumas mais graciosamente que as outras, algumas conseguiam ir mais longe, durar mais tempo na superfície e causar ondas que se prolongavam no tempo e na superfície da Ria muito depois da pedra ter atingido o fundo.
Mas por mais belo ou efémero que fosse, o seu momento terminava. Procurava por outra pedra. No início qualquer uma servia. Com o tempo subi a parada. Apenas as pedras perfeitas eram dignas de assumir tamanha responsabilidade. Quando não conseguia encontrar nenhuma, trocava de local e começava de novo. Uma constante demanda por aquela pedra perfeita capaz de atravessar até à outra margem, ou de desaparecer no horizonte, deixando apenas as suas ondas como prova do seu feito.
Não é necessária muita experiência no mercado de trabalho para aprendermos que fazer ondas e perturbar a superfície nem sempre é positivo. Tal decisão deve ser algo ponderada e fortemente fundamentada por argumentos sólidos e inquebráveis. Talvez o mais difícil de tudo isto é executá-lo de forma a parecer um acto espontâneo de um brilhantismo atípico e perspicaz. Mas quando o fazemos, quando conseguimos acertar no momento e nas palavras exactas, chamamos toda a atenção daqueles que importam para nós, passamos a ser vistos com respeito e o nosso potencial passa a ser reconhecido e analisado sob outro prisma. As responsabilidades são também acrescidas, mas é um preço que estás disposto a pagar pelas regalias que daí advêm.
Por mais vezes que te vejas forçado a engolir em seco, deves guardar as tuas armas para as lutas que merecem ser travadas. Mas quando o momento surgir, deves erguer-te acima daquilo que é esperado de ti mesmo e insurgir-te contra as injustiças que acabaste de testemunhar.
No fim de um emprego, após o término do contrato, nada há a fazer. Agradeces, apertas a mão, actualizas o teu CV e o teu portfólio, despedes-te e segues em frente. Comentas com os teus familiares, amigos e ex-colegas sobre tudo o que se passou de errado. A falta de organização, as condições precárias de ambiente de trabalho, as horas extra de trabalho forçado não pagas, as falhas na atribuição das regalias básicas, as ameaças e as humilhações. Comentas, ris-te, esqueces e segues o teu caminho. Elogias toda a gente e enches o teu diário de coisas positivas. Focas-te no resultado, deixas de comentar o processo, orgulhas-te por aquilo que fizeste e aguardas pelos inevitáveis elogios e críticas. Impressionas um novo empregador e começas o processo de novo na esperança de encontrar algo mais seguro, mais duradouro, com melhores condições e onde te possas sentir valorizado e respeitado.
No final do dia, regressas àquela margem, viras as costas para o pôr-do-sol e procuras por aquela pedra perfeita. Sentas-te na areia a apreciar as suas ondas, fotografas o momento na tua memória e focas o olhar no horizonte.
Talvez seja desta que vais conseguir chegar à outra margem.
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