Imagem DR |
A vida de um bolseiro não é tão glamorosa como muitos podem pensar. Para alguém com ensino superior, ainda é uma das poucas formas de conseguirem um emprego com um salário relativamente adequado às suas competências e formação. Contudo, se pusermos de lado o valor, tudo o resto é tão ou mais precário que qualquer outro pseudo-emprego.
Sim, os bolseiros não pagam impostos. O IRS é uma sombra de um futuro distante e os descontos para a Segurança Social, esses, apenas existem sob o regime do Seguro Social Voluntário. Mas já lá vamos. Vamos começar pelos subsídios. Sejam eles de Férias, de Natal ou até mesmo de refeição, a nenhum têm eles direito. Têm direito sim, a 22 “dias de descanso”. E chamam-se dias de “descanso”, pois se fossem de “férias” teriam que ser subsidiados. Impensável na mente de qualquer empregador.
Trabalham doze meses, alguns deles com cinco semanas, mas recebem sempre como se apenas tivessem quatro. Mas como “descansam” durante 22 dias, para quê receber o 13.º mês?
Seguro de saúde, pelo menos a esse, por enquanto, ainda têm direito. Por quanto tempo, não sabemos, mas até lá ainda vão poder curar-se de qualquer doença que os aflija. E por falar em seguro, retomemos então o Seguro Social Voluntário. Sim, porque ele apesar de se apresentar como uma necessidade básica e até mesmo obrigatória de qualquer emprego “a sério”, para estes é apenas voluntário. Podes escolher entre pagar e ter alguns direitos, ou não pagar e não teres nenhum.
Para que serve então este Seguro Social Voluntário? Visto que ele é equivalente aos descontos para a Segurança Social, devia servir para teres direito a Subsídio de Desemprego assim que a tua bolsa termine. Afinal um bolseiro trabalha tanto ou até mais que qualquer outro trabalhador. Devia servir, mas não serve.
O Seguro Social Voluntário serve apenas para descontar para a Caixa de Aposentação, ou para teres direito aos subsídios de parentalidade ou de doença. Se entretanto ficares desempregado, o estado dir-te-á “azar, e até uma próxima”. Vá, podes sempre tentar pedir o Subsídio Social de Desemprego. Mas antes é melhor esvaziares a tua conta do banco e ires viver sozinho. Afinal de contas és um bolseiro desempregado, deves ter dinheiro suficiente para sustentar uma casa. Caso não o faças, se eles encontrarem um cêntimo que seja escondido debaixo do teu colchão tiram-te o subsídio num abrir e piscar de olhos.
Mas não te preocupes. Tens direito a receber uma carta em português macarrónico com a palavra Indeferido a negrito algures lá pelo meio. Não, não te estão a convidar para veres um jogo da Liga dos Campeões na TVI depois deste já ter terminado. Eles apenas querem que vás bater a outra porta pois dali não vais ver um único tostão.
Vale então a pena descontar para o Seguro Social Voluntário? Se o teu Instituto te cobrir o custo (creio que apenas alguns o fazem), não tens nada a perder. Caso contrário, cabe a ti decidires se vale a pena pagar cento e poucos euros por mês para um dia, possivelmente, teres direito a uma reforma. Nunca se sabe, podes até querer ser pai ou ficar doente um dia destes, e aí o Estado terá que mexer mais cordelinhos para não te pagar aquilo que te é devido.
Mas quanto ao Subsídio de Desemprego. Esse, podes esquecer e depressa. Mas vá, poderás usar esses anos para te reformares mais cedo. Talvez aos 70, em vez dos 80 e poucos.
Para finalizar, e adoptando agora o tom sério que esta crónica merecia ter desde o início, os bolseiros são severamente mal tratados pelo Estado. O Estatuto do Bolseiro de Investigação deve ser revisto e adaptado à realidade do país. Se os Estágios Profissionais que actuam em regime de pseudo-aprendizagem têm direito a descontos para a Segurança Social e a pagar o IRS, porque devem as bolsas continuarem a ser postas de lado como se não passassem de investimentos luxuosos da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia)?
As bolsas de investigação são hoje em dia a única alternativa viável de emprego para muitos recém-licenciados e mestres do ensino superior português. Se continuarem a tratar os bolseiros como trabalhadores de segunda e a negar-lhes o direito ao subsídio de desemprego e a outros descontos e regalias sociais, como esperam que a investigação científica cresça e evolua em Portugal? Já muito é feito hoje em dia com baixos recursos e à custa de parcerias europeias. Portugal tem que aumentar os esforços para manter os seus cientistas, os seus licenciados, os seus mestres e os seus doutorados, dentro das suas fronteiras de livre vontade e com as condições salariais e de trabalho adequadas às suas funções.
O segredo para o crescimento económico e para a inovação tecnológica está na massa cinzenta das nossas universidades, nos milhares de formandos que todos os anos investem na sua educação e em projectos de investigação. Dêem-lhes as condições necessárias para terem uma boa vida cá. Para que quando forem lá para fora saibam dizer bem de nós e que o façam sempre com o desejo de um dia regressarem para ocupar o lugar que é seu de direito.
Basta de ignorar as necessidades dos bolseiros. Basta de virar as costas aos seus pedidos. É necessário criar uma base de igualdade para todos os trabalhadores, sem excepção. Sejam eles estagiários, bolseiros, trabalhadores a recibos verdes, empregados com contracto a termo ou vitalício. Todos devem ser regidos por uma base social que salvaguarde os seus direitos, assim como os seus deveres, durante e após o período de emprego. Só assim seremos capazes de crescer, só assim seremos capazes de levantar a nossa economia e de fazer com que ela avance de cabeça erguida, reforçada por uma força laboral coesa e motivada. Só assim, e pegando nas palavras de Fernando Pessoa, só assim se fará Portugal!
No comments:
Post a Comment