Ontem vi alguém a queixar-se do desespero que é não ter nada para fazer. Como nestes dias gozo da mesma aflição, não posso deixar de sentir algum nível de empatia por essa pessoa. Embora a maioria das pessoas que possuem vidas atarefadas, repletas de funções e obrigações que lhes são impostas pelas suas vidas profissionais e pessoais, chegue sempre a um ponto em que desejam por dias sem nada para fazer, quando finalmente os têm deparam-se com o mesmo dilema que eu hoje partilho.
Acreditem, não existe ninguém que adore ter dias sem nada para fazer mais do que eu, contudo, embora esses dias funcionem como uma necessária catarse após um longo período de trabalho e demais afazeres, quando esses dias de perpétua pasmaceira tendem-se a prolongar por um período indefinido, mesmo a batata de sofá com as maiores raízes começa a sentir-se aborrecida.
Ter nada para fazer, além de um oximoro, é para muitos um incontornável desassossego. Como combater um sentimento perpétuo de ennui? A simplicidade da resposta é proporcional ao alcance da tua imaginação (sinto-me tão sujo por ter sentido a necessidade de recorrer à segunda pessoa, mas paciência, está feito). Visto que as regras de transferência e distanciamento já foram quebradas, vou tomar a liberdade de vos contar o meu método pessoal (isto é extremamente redundante e desnecessário, afinal de contas este artigo de opinião existe apenas para expressar a minha opinião e não a de mais ninguém) para fintar o desassossego (isso, usa o título, já estás a ficar sem ideias não estás?).
Na vanguarda mantenho um eterno lugar marcado para a escrita, seja ela através de artigos de opinião, entradas de diário, contos, ou até mesmo do ocasional poema (isto para não falar de parênteses irritantes que constantemente interrompem o meu próprio raciocínio). Mas como alguns de vocês já devem ter reparado pela própria existência (ou até diria melhor, persistência) desta temática, nem sempre é fácil encontrar uma musa capaz de te inspirar através de um simples estalar de dedos. Acho que já perdi horas, se não mesmo dias, da minha vida a olhar para páginas em branco e a apagar frases sem nexo enquanto aguardava por aquela centelha de inspiração que me permitiria escrever algo que valesse a pena ser guardado ou até mesmo publicado. Dada esta dificuldade de pôr em papel aquilo que pensamos ou que imaginamos (falo agora da escrita como poderia falar do desenho ou de outra qualquer forma de arte), não o considero como o método principal de combate à inércia do aborrecimento. Contudo, o processo criativo mantém-se na linha da frente como a principal arma do nosso arsenal.
Seguem-se as minúcias típicas do lar. O quarto por arrumar, os arquivos, livros, papéis, discos e DVDs por organizar, o armário desarrumado, o ambiente de trabalho desorganizado ou a casa por limpar. Mas estas necessidades, pela sua natureza de obrigatoriedade, tornam-se monótonas, repetitivas e, acima de tudo, aborrecidas, o que as força a encaixarem-se na categoria de “deixar para amanhã”. Visto que elas se encontram constantemente no canto do teu pensamento, motivares-te a tratar delas pode ser uma boa forma de dares o pontapé inicial na rotina do fazer nenhum.
De seguida deixo lugar para as viagens. Sejam elas físicas, mentais, espirituais ou meramente imaginárias. Viaja. Dá uma volta pela tua cidade, pelo teu distrito, pelo teu país, pelo teu continente, pelo mundo. Pelo Universo se for possível. Não te deixes barrar por fronteiras sejam elas quais forem. Se a viagem física não te for possível, ou se não tiveres dinheiro para o fazer, lê, vê filmes, vê televisão. Navega na internet. Fala com pessoas. Lê artigos. Lê jornais. Aprende. Ensina. Alimenta-te de conhecimento. Dá uma volta ao teu quintal e brinca com o teu gato. Observa as flores e os pequenos insectos que as envolvem. Vai à praia e foca-te no horizonte. Se nada disso te inspirar nem que seja para escrever ou para fotografar um qualquer momento, pelo menos queimaste algumas horas do teu tempo.
Envolve-te. Inscreve-te em cursos. Vai a palestras. Cria um projecto com os teus amigos. Por mais banal que seja vai permitir-te ausentares-te do teu ser e obrigar-te a cumprir e a executar tarefas. Combate a rotina com rotina. Cria, produz, usa, abusa, mas acima de tudo não pares.
Faz exercício. Não precisas de ginásio, calça umas sapatilhas e vai correr. Corre até à praia ou até ao topo da tua serra. Fita o teu caminho, imagina-o e congratula-te por teres chegado tão longe.
Nada para fazer é a perfeita desculpa para fazeres algo. Para fazeres algo de ti próprio. Para fazeres algo mais que aquilo que esperavam de ti. Deixa-te envolver pelo bichinho da criatividade e cria. Projecta. Desenvolve. Publica. Vende. Dá. Partilha. Faz o que quiseres mas faz.
Aproveita agora antes que te voltes a ocupar e deixes de ter tempo para tudo isto. O teu Mundo espera por ti. Ergue-te do sofá e caminha.
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