Tuesday, May 28, 2013

A última vez que bebi Ucal

Campanha publicitária da Parmalat
4 de Julho de 2007. Era de madrugada e estava a recuperar de uma noite dividida entre o recinto do festival Super Bock Super Rock e o chão da Gare do Oriente. Ainda faltava algum tempo para o comboio mas a fome já apertava. Devia passar pouco das sete da manhã. A única coisa que estava aberta era o Modelo 24 no ventoso andar de baixo. Alguns jornais já tinham chegado, mas fora isso a prateleira de imprensa estava praticamente vazia.

Fui a Lisboa com um grupo de colegas da faculdade para ver os concertos do dia anterior. O cartaz era um dos melhores que já tinha visto. O dia 3 de Julho completava-se com Arcade Fire, Bloc Party , The Magic Numbers, Klaxons, The Gift, Bunnyranch e Y?. Passámos grande parte da tarde e a noite inteira na primeira fila, apenas com pausa para jantar durante o concerto dos The Gift. Após tantas horas de pé só queria poder deitar-me numa cama confortável repleta de quentes cobertores.

Tal ainda estava a algumas horas de distância quando decidimos entrar no Modelo 24 para tomar o pequeno-almoço. Não me lembro do que comi, talvez um donut, um lanche, ou um outro bolo qualquer. Mas lembro-me que bebi um Ucal. Talvez essa memória também se teria perdido não fosse esse o último Ucal que eu voltaria alguma vez a beber.

Nunca tive o hábito de beber leite com chocolate. Todas as manhãs, quase como ritual, comia um prato de cereais ao pequeno-almoço. Na maioria das vezes as minhas escolhas recaíam sobre Chocapic, Nesquik ou Crunch. Daí não ter necessidade de acompanhar com leite achocolatado o leite que, pelos cereais que o acompanhavam, já por si o era.

Raras foram as vezes em que bebi Ucal. Aquecido, natural ou fresco. Adorava esse pedaço de céu engarrafado. Contudo, tal como a Nutella, apenas o bebia em certas e determinadas situações. Como quem diz, sempre que uma oportunidade surgia, mas, infelizmente, era difícil tal acontecer.

Passados três anos, em Março de 2010, descobri que era intolerante à lactose. Uma condição muitas vezes alvo de gozo pelos comediantes devido a algumas das suas consequências fisiológicas. 

Ao contrário das alergias, embora as intolerâncias impliquem uma forte má disposição do meu sistema digestivo, podendo resultar em irritações ou até mesmo em úlceras, posso continuar a consumir alguns produtos lácteos desde que o faça pontualmente e com extrema moderação.

Infelizmente esta minha descoberta não se deu por acaso. Esta condição aliada ao stress, maus hábitos alimentares e horários desregulados, obrigou-me a passar umas duas semanas de cama e a tomar uns quantos comprimidos durante pelo menos dois meses. Perdi sete quilos e passei por um dos períodos de maiores dores que alguma vez tive.

Desde então, deixei de consumir produtos fortes em lactose. Leite, manteiga, iogurtes, queijo e natas. É espantosa a quantidade de produtos que contém derivados de leite. Não são apenas os bolos e as bolachas mas também os gelados, os pudins e as gomas. Até mesmo a Nutella tem vestígios de lactose.

Motivado pela minha paixão por francesinhas e pela minha missão de encontrar a melhor francesinha fora do Porto, a cada dois ou três meses arrisco-me a comer uma. Evito comer o queijo, embora lá dê uma trinca ou outra.

Também não deixei de comer bolos, se bem que, sempre que possível, tento evitar usar leite ou manteiga na sua confecção. Substituí a manteiga pela planta e o leite pelo leite de soja, ou, como já me corrigiram, pela bebida de soja. Pelo menos assim terei que dizer até ao dia em que descubra um método de ordenhar a soja.

Costumava beber um iogurte todos os dias depois do almoço. Agora já não o faço. Como sempre um kiwi, uma tangerina ou uma maçã. Gelados, de longe a longe e apenas no Verão. Até o Bacalhau com Natas já não faz parte da minha ementa. A menos que estejamos a falar do famoso Bacalhau com Natas do Paulo cujo ingrediente secreto é o facto deste se esquecer das natas.

Já a Nutella não consigo deixar, ou não fosse eu doido por ela. Mas apenas a como na Primavera ou no Verão. A minha casa não tem aquecimento central portanto, durante o Inverno, é impossível manter a Nutella no seu estado cremoso. Podia comer Nutella dura? Podia, mas não é a mesma coisa.

Sou intolerante à lactose e não toco num copo de Ucal há quase seis anos.

Após o pequeno-almoço apanhámos o inter-cidades para o Porto. Saí em Espinho enquanto os meus colegas seguiram viagem. Até nisso tive o azar deste comboio não parar em Ovar. Do resto do dia, de pouco ou nada me lembro. Cheguei a casa, deitei-me, adormeci e eventualmente acordei.

Uma viagem de regresso como qualquer outra, num dia que, para além das memórias da grande noite de concertos, ficou para a História como a última vez que bebi Ucal.

Monday, May 27, 2013

“Vai zero a zero, vai tudo bem”

Foto: Público
Durante muitos anos acordei ao som do Café da Manhã da RFM com a Carla Rocha e o José Coimbra. Estivesse ainda na cama, no carro em direcção ao trabalho, ou até mesmo no comboio a ouvir rádio no meu leitor de mp3, raro era o dia em que perdia a já habitual Guerra dos Sexos. 

Para aqueles que por azar ou maus hábitos nunca ouviram este segmento, a Guerra dos Sexos coloca dois ouvintes, um Homem e uma Mulher, não fosse o nome explícito o suficiente, um contra o outro. A Carla questiona os concorrentes masculinos sobre assuntos relacionados com o quotidiano e os interesses das mulheres, enquanto o Zé questiona as concorrentes femininas sobre temas com os quais os homens estão, em teoria, mais à vontade. 

Três perguntas de escolha múltipla para cada lado. Quem acertar no maior número de perguntas vence. Contudo, não existe qualquer critério de desempate. No final de cada jogo, consoante o sexo do vencedor é tocada uma música para comemorar a vitória. Por exemplo, se o vencedor for a concorrente feminina a Carla Rocha festeja ao som da Man! I Feel Like a Woman da Shania Twain. Quando o resultado dá em empate, o sintoma de conclusão anti-climática é amenizado com uma música com a letra “vai zero a zero, vai tudo bem”.

Os jogos que achava mais interessantes eram precisamente esses que terminavam em empate. Apenas e só por causa desse pequeno jingle no fim.

Ao olharmos para a época que agora termina, se esta fosse um atípico e prolongado episódio da Guerra dos Sexos entre Sporting CP e SL Benfica, a música que melhor se adequa ao fim é precisamente esta tal de “vai zero a zero”. Já o “tudo bem” possivelmente não se adequa a esta situação.

Empatados no número de títulos conquistados, ou melhor, que ficaram por conquistar, os dois rivais lisboetas vão agora para férias frustrados e com futuros mais, ou menos, risonhos. 

Ambos os clubes fizeram épocas históricas, pelas melhores e pelas piores razões, ao mesmo tempo que ajudaram outros clubes a fazer História. O Sporting CP termina a época em sétimo lugar, o pior resultado de sempre do clube de Alvalade na História do campeonato nacional. Ficou fora das competições europeias pela primeira vez em 37 anos. Foi eliminado na fase de grupos da Liga Europa e da Taça da Liga e ficou por terra diante do Moreirense na primeira eliminatória que disputou na Taça de Portugal. Permitiu que o FC Basel fizesse História ao chegar pela primeira vez às meias-finais de uma competição europeia. Ajudou o FC Paços de Ferreira e o GD Estoril-Praia a qualificarem-se pela primeira vez para a Liga dos Campeões e para a Liga Europa, respectivamente. Viu-se forçado a vender e a dispensar alguns dos seus melhores jogadores e, mais uma vez, ficou bastante aquém das expectativas traçadas no início da época.

O Sporting CP caiu no mais fundo dos poços e mais nada pode fazer que não erguer-se e preparar a próxima época de uma forma sustentável, traçando o objectivo máximo de regressar ao lugar que lhe é de direito.

Quanto ao SL Benfica. Festejou a conquista do campeonato cedo de mais. Recebeu uma lição de humildade do GD Estoril-Praia. Não teve capacidade para derrotar o FC Porto no Dragão. Sofreu o derradeiro pragmatismo do Chelsea FC que conseguiu assim juntar ao título de Campeão Europeu da época anterior a conquista da Liga Europa. Hesitou perante o Vitória SC e não foi capaz de os impedir de vencer a primeira Taça de Portugal da sua História. Rebaixaram de bestial a besta, um treinador que conseguiu o feito de levar as águias à final de uma competição europeia após um hiato de 23 anos e vêem-se agora num impasse de continuidade sem saberem ao certo o que fazer.

Foram vítimas da sua arrogância e falta de fair-play. Nem integridade tiveram para esperar pela atribuição da Taça aos jogadores do Vitória SC e de os congratular pela justa conquista. A falta de humildade e de bom desportivismo custou-lhes caro. Contudo, apenas quem joga uma final se pode queixar de a ter perdido. Algo que, infelizmente, o Sporting CP não poderá fazer no final desta temporada.

“Vai zero a zero, vai tudo mal”. Embora o SL Benfica vá de férias de mãos a abanar, classificou-se em segundo lugar no campeonato e por isso tem acesso directo à fase de grupos da Liga dos Campeões do próximo ano. As boas prestações europeias da equipa encarnada permitiram a valorização dos seus jogadores e equipa técnica, e atribuíram um inédito lugar no Pote 1 do sorteio da fase de grupos da Liga dos Campeões. Uma posição de prestígio que permite ao clube da Luz evitar alguns dos adversários mais difíceis. 

O Sporting CP vê-se agora forçado a começar do zero. A ausência das competições europeias é um duro golpe financeiro para o clube de Alvalade. Alguns dos jogadores que podiam fornecer mais-valias em eventuais vendas estão agora a preço de saldo. Com o plantel desvalorizado, novo treinador e um esforço extra de contenção financeira, os leões vão ter que ser astutos e inteligentes na sua abordagem ao mercado. O calendário mais folgado da próxima época poderá permitir uma maior frescura física dos seus atletas, assim como a construção de um plantel competitivo capaz de fazer uma figura bem melhor que aquela que esta época nos deixou. 

Também nas indefinições, ambos os clubes encontram-se empatados. O SL Benfica sai em vantagem a nível financeiro e nas expectativas do mercado e dos analistas, quer ao nível das competições internas, quer ao nível do futebol europeu. Já o Sporting CP passa agora a ser uma incógnita, um outsider em quem poucos terão a coragem de apostar. 

Numa época em que as Taças rumam a norte, os eternos rivais de Lisboa terminam com um empate com sabor a derrota. Mas em Agosto a bola volta a rolar. O marcador regressa a zero e as contas deixam-se ficar para o fim. Até lá resta a estes clubes reflectirem e preparem a próxima temporada com calma e ponderação para que, no fim, possam ser eles a escrever a História em vez de ficarem sentados a observar dos bastidores os festejos dos seus adversários.

Tuesday, May 21, 2013

Jardim à Beira-Mar plantado

Foto: Zerozero.pt
“No fim fazemos as contas”. No futebol, como em todas as modalidades, os resultados são decididos por números. Pontos. Vitórias. Tempo e segundos. Números. Abstractos ou concretos são eles que avaliam a prestação de uma equipa ou de um atleta. São eles que determinam o vencedor e que legitimam os títulos conquistados.

A época do Sporting CP resume-se a dois números. Quatro e Sete. Quatro é o número de treinadores que passaram pelo banco dos Leões. Quatro é o número de golos com que o Sporting CP goleou o SC Beira-Mar na última jornada do campeonato. Vitória insuficiente e treinadores em demasia que valeram apenas o sétimo lugar e a pior classificação na História da equipa de Alvalade. 

Classificação essa que podia ter sido diferente se tivéssemos começado a temporada com uma equipa técnica competente, num ambiente poupado a constantes críticas e contestações. 

Foi preciso esperar pelo final desta época para existir, por fim, consenso entre os sportinguistas. Se Jesualdo Ferreira tivesse pegado no leme da equipa no início da temporada hoje não teríamos ficado abaixo do terceiro lugar e, quem sabe, talvez até tivéssemos algo a dizer no que diz respeito ao título. Não foi assim que aconteceu e é com alguma conformidade que vemos Jesualdo Ferreira despedir-se do comando técnico da equipa.

Com ele, acredito que faríamos uma temporada tranquila. Se, com poucos recursos, o Professor demonstrou ter capacidade de pôr o pior Sporting CP dos últimos anos a lutar por um lugar europeu, imaginem o que ele seria capaz de fazer se pudesse liderar a equipa na próxima época. Mas tal não vai acontecer.

Admiro, no entanto, a capacidade da actual direcção em encontrar um substituto para Jesualdo Ferreira em menos de um dia. Sem novelas nem especulações, como as que vivemos com as contratações de Domingos Paciência e Vercauteren. A época ainda não terminou e Leonardo Jardim já está pronto para começar a preparar a próxima temporada.

Com a inevitável saída de Jesualdo Ferreira, o currículo de Jardim faz dele a melhor opção. Nestas vinte e quatro horas entre a saída de Jesualdo e a contratação de Jardim por diversas vezes questionei-me sobre quem seria o escolhido de Bruno de Carvalho para liderar o banco do Sporting CP. Descartei a hipótese de Leonardo Jardim logo de seguida visto que os rumores davam-no como certo no FC Porto. Felizmente, isso não aconteceu. 

Que desafio tem Leonardo Jardim pela frente? Provavelmente o maior da sua ainda curta carreira. Estando fora das competições europeias, a próxima época traz algumas vantagens, assim como fortes desvantagens, na construção do plantel e na preparação da equipa.     

Ao contrário da temporada que agora termina, o Sporting CP vai ter um calendário mais leve, com menos jogos e sem a obrigação de iniciar a pré-época mais cedo por causa das pré-eliminatórias das competições da UEFA. Isto permite que Leonardo Jardim tenha mais tempo para preparar a equipa, dispondo também de períodos mais longos de recuperação entre os jogos do campeonato. Contudo, não participar numa competição europeia traz bastantes mais perdas do que ganhos.

O golpe mais pesado é a questão financeira. Mesmo uma campanha mediana na Liga Europa permite que um clube encaixe valores entre os três e os cinco milhões de euros. Isto sem contar com a eventual valorização dos jogadores que fizerem melhor figura, cujas vendas a bom preço seriam bem-vindas aos cofres do clube.  

Menos dinheiro é sinónimo de uma menor capacidade de movimentação no mercado. Se o Sporting CP quiser comprar jogadores de qualidade vai ter que vender alguns dos seus melhores activos. Seguindo por esse caminho caímos num ciclo vicioso onde temos que sacrificar a qualidade em certos sectores para aumentar a qualidade dos restantes. Criam-se assim lacunas onde antes estas não existiam e suprimem-se outras com poucas ou nenhumas garantias de sucesso. Foi este o erro das anteriores direcções e é este o principal desafio da actual direcção.

A solução mais simples para resolver esta questão é arriscar e comprar nacional. Investir em jogadores com provas dadas no nosso campeonato, em final de contrato ou a um preço acessível. Manter a aposta na formação e na equipa B e procurar evitar a venda de mais do que um ou dois dos principais jogadores da equipa. Gerir os jogadores emprestados e ver quais aqueles que cresceram o suficiente para integrar o plantel da próxima época. Finalmente, resta estar atento ao mercado e procurar alternativas a custo zero ou através de empréstimos dos grandes clubes europeus. 

Neste momento o principal trabalho de Leonardo Jardim passa por definir quais as principais lacunas do actual plantel e sugerir os melhores jogadores que, dentro dos parâmetros já referidos, encaixam melhor no seu plano de jogo. 

O Sporting CP não pode cometer o erro de construir um plantel curto sob a premissa de ter menos jogos para disputar. Todas as posições devem ter alternativas com a melhor qualidade possível. Não podemos estar dependentes de apenas onze jogadores. As lesões e os castigos pesaram muito no passado para voltarmos a cair no mesmo erro. 

O plantel deve ser construído com o seguinte plano: três guarda-redes (dois titulares e um da formação); cinco defesas centrais; dois laterais-direitos e dois laterais-esquerdos; seis ou sete médios, repartidos entre dois trincos, dois números oito e dois organizadores de jogo; quatro extremos e três avançados. Esta organização permite-nos ter um plantel com 25 ou 26 jogadores, equilibrado em todos os sectores e capaz de suprir eventuais lesões, castigos e baixas de rendimento. 

Se este for o caminho escolhido, seremos capazes de garantir um terceiro lugar tranquilo e até mesmo de nos intrometermos na luta pelo título. Título esse que para já vai ter que esperar. Neste momento é importante construirmos uma equipa com uma base sólida e sustentável, capaz de competir ao mais alto nível e de se manter na luta pelo título ao longo das próximas épocas. Com paciência, trabalho e um boa estratégia desportiva e financeira os títulos acabarão por chegar mais tarde, ou mais cedo. 

O grande objectivo do Sporting CP na próxima época será garantir um lugar na Liga dos Campeões. A este deve-se aliar a candidatura às conquistas da Taça de Portugal e da Taça da Liga. É este o desafio de Leonardo Jardim, um técnico que transmite confiança, não só pela sua carreira, mas também pela sua forma de estar. 

Com a saída de Jesualdo Ferreira, Leonardo Jardim passa agora a ser o técnico de todos os sportinguistas. É na sua capacidade de liderança que impomos hoje o Esforço, a Devoção, a Dedicação e a Glória que constroem a grandeza do Sporting CP. A partir de hoje é ele o porta-estandarte da esperança leonina e o líder que tem a obrigação de fazer regressar o Sporting CP ao seu lugar de direito no topo do futebol europeu. 

Que dentro de um ano este seja um dia de festa por títulos conquistados, e de reflexão sobre uma época bem disputada. Até lá, despeço-me de Jesualdo Ferreira e agradeço-lhe por ter posto os jogadores a acreditar neles próprios. Até lá, desejo todo o sucesso possível a Leonardo Jardim, que consiga pôr o Sporting CP em definitivo no caminho das vitórias.

Saudações leoninas.

Monday, May 13, 2013

O Escudo está Velho e Cheio de Verdete

Imagem DR
Na velha sala da minha avó tinha por hábito guardar uma série de papéis e documentos com pouca ou nenhuma importância. Por conveniência deixava-os ali, alinhados por detrás de uma figura de porcelana que ilustrava uma fadista e uma guitarra portuguesa eternamente imortalizadas em concerto. 

Ontem, ao início da tarde, decidi perder alguns minutos a organizar aquela papelada. Entre cartões caducados, horários de turmas, velhos recibos, postais e calendários, metade dos quais acabou no ecoponto, encontrei uma cesta meio escondida por entre as prateleiras. A cesta continha uma série de caricas e de porta-minas vazios. Lixo. Lixo peganhento e coberto de pó. Apenas lixo não fosse o pequeno tesouro que se escondia por debaixo deste entulho aleatório. Um tesouro pobre composto por algumas pesetas, uma moeda de duzentos escudos e outra de vinte e cinco, ambas cobertas de verdete.

Apesar de ainda guardar algumas moedas iguais a estas em bom estado, optei por as salvar. Embora espere ter sucesso na sua restauração, o mesmo não posso dizer em relação ao Escudo. Messias e bem-aventurado salvador da Pátria, nos últimos tempos, temos presenciado o crescimento de um movimento anti-Euro e pró-Escudo nunca antes visto. 

Os seus assinantes olham para a velha moeda como a resposta às nossas preces de crescimento económico e criação de emprego. Vêem o Escudo como o mítico D. Sebastião, por fim regressado das brumas. Dizem-se cientes das consequências dessa eventual operação. Afirmam serem capazes de resistir à deflação e não se importam de ver as suas poupanças reduzidas a ninharias. Contudo, falham ao serem incapazes de compreender o quão frágil é o Calcanhar de Aquiles da nossa velha moeda: A inexistente produção nacional.

Sim, o escudo permitir-nos-ias controlar as nossas próprias finanças sem um grande controlo do Banco Central Europeu. Podíamos valorizá-la ou desvalorizá-la “à vontade”, adaptarmo-nos aos mercados e injectar capital sempre que o achássemos necessário. Podíamos reduzir as taxas de cambio e tornar os salários mais atractivos para as grandes multinacionais que na década de 1990 tanto nos ajudaram a empregar e a enriquecer a população. Contudo, até chegarmos a esse ponto, teríamos que viver no limiar da pobreza extrema durante um período nunca inferior a dez anos. 

Portugal não possui neste momento produção nacional suficiente para alimentar uma população de 10 milhões de habitantes. Temos terrenos, culturas e pessoas, mas não os estamos a usar. As sementes não são plantadas e ninguém está disposto a regressar ao campo para pôr as mãos à obra. 

Com o regresso do Escudo, a comida que hoje custa um euro no supermercado não irá custar 200 escudos amanhã, mas sim mil, se não mais. Importamos demasiados produtos básicos para que a nossa produção seja sustentável. Somos limitados internamente por normas europeias que visam impedir uma excessiva competitividade de preços dos bens básicos entre os estados membros da União Europeia. 

A descida dos salários e a desvalorização das poupanças que a saída do Euro irá provocar faria com que uma grande maioria da nossa população simplesmente deixasse de ter dinheiro para comer. A actual onda de emigração seria ridícula em comparação com o êxodo que nos veríamos forçados a presenciar. Enquanto hoje em dia as pessoas apenas abandonam o país para encontrarem melhores condições de vida e empregos qualificados com melhores condições salariais, com a saída do Euro, muitos portugueses teriam que sair apenas para sobreviver. 

Que futuro para esses emigrantes? Serem explorados e maltratados como acontecia há 30 e 40 anos atrás? Teria a Europa ou qualquer outro país capacidade para os empregar? Fechar-nos-iam as fronteiras como se de uma praga se tratasse? Espero nunca vir a saber a resposta a estas questões.

A altura para sair do Euro não é agora, mas sim há doze anos atrás. O erro não foi continuarmos no Euro, mas sim, termos aderido à moeda única. Perdemos a competitividade do Escudo e perdemos a nossa capacidade de auto-gestão da nossa economia. Era cedo. Fomos imprudentes. Paciência. A cama está feita.

Mas ao continuarmos no Euro não estamos condenados a ciclos contínuos de crescimento e austeridade? Não valem a pena esses dez, vinte, ou até mesmo, quarenta anos de sofrimento para depois podermos recuperar o controlo da nossa economia? Se formos capazes de aprender com os erros cometidos na última década, não.

O Euro é hoje uma moeda frágil por ter ambicionado a tornar-se forte demasiado depressa. Sofremos um duro golpe com o lobby do dólar e optámos por nos manter independentes e por deixar a gestão das contas públicas a cada um dos estados da Zona Euro. A solução passa por desistirmos deste tipo de imposição narcisista. 

A Europa apenas será forte se for capaz de funcionar como um só. Não pode existir uma gestão de contas públicas país a país. Essa gestão tem que ser global e partilhada. Todos os estados membros devem partilhar os gastos assim como os ganhos. Deve existir um salário mínimo único e regulado em todos os países da Zona Euro. Uma única dívida. Um único PIB. Basta de desigualdade social entre o sul e o norte da Europa. Se querem uma moeda única, não basta existir um Banco Central, é necessária uma gestão central, um governo central.

Mantenhamos o nosso poder executivo, legislativo e judicial, mas deixemos a nossa economia ser aglomerada com as dos restantes países. É esse o caminho que devemos caminhar. É esse o sonho da União Europeia e a única forma de construirmos uma economia forte, sólida e capaz de competir directamente com o Brasil, com a Rússia, com a Índia e com a China. 

A Europa é o continente com as melhores condições de vida, de saúde, de segurança e de protecção social em todo o Mundo. Para quê fecharmo-nos no nosso cantinho e desligarmo-nos das maravilhas que uma Europa Unida nos tem para oferecer? 

Por mais saudades que eu sinta do Escudo, aceito hoje o Euro e espero que este não nos deixe tão cedo. O Escudo é uma peça de museu e um ícone da nossa História. Nada mais. 

O Escudo está velho e cheio de verdete. Não vale a pena restaurá-lo.

Wednesday, May 08, 2013

Viver Portugal

Foto: Adriano Cerqueira
Em qualquer aventura, O que importa é partir, não é chegar. 
Miguel Torga

Uma boa viagem não é medida apenas por aquilo que encontramos quando atingimos o nosso destino, mas sim pelo caminho que percorremos até o alcançar. Por cada passo. Por cada pessoa que encontramos. Pelas experiências. Pelos obstáculos e pelo engenho para os ultrapassar.

Quando era pequeno, raro era o fim-de-semana que não passava a conhecer uma nova cidade ou região. Cresci a viajar por cada canto de Portugal. Provei diversos pratos, na altura ainda exóticos para uma criança que pouco sabia além do mundo dos livros e desenhos-animados que alimentavam a sua imaginação. Visitei castelos, museus, igrejas, santuários, reservas naturais e parques geológicos. 

Fui dos primeiros visitantes a ver de perto as pegadas de dinossauro na Pedreira do Galinha na Serra de Aire. Quase que sentia a presença da extinta manada de dinossauros de pescoços longos a acompanhar-me no meu passeio. Embora nada restasse desses animais além das suas pegadas, sentia-me como a personagem Alan Grant numa das cenas iniciais do Jurassic Park.

Apaixonei-me pelas estrelinhas da Pastelaria Milano em Fátima e provei todos os tipos de Pão-de-Ló. Também passei os meus verões no Algarve. Empanturrei-me com os doces de Tavira e com as Bolas de Berlim dos vendedores ambulantes. Mergulhei nas praias da Ilha de Faro. Vi os ninhos de gaivotas nas Berlengas. Presenciei de perto o Rally de Portugal na Serra do Caldeirão. Subi à Torre dos Clérigos. Ao Bom Jesus de Braga. Entrei no Navio Gil Eanes. Visitei o Oceanário e todos os pavilhões da Expo 98. Estive na Aldeia da Luz antes das águas do Alqueva a levarem. Atirei bolas de neve na Serra da Estrela. Ri-me com o formato e desenho das canecas das Caldas. Passeei por dentro das muralhas do Castelo de Guimarães. Vi os moliceiros navegar por entre as Garças na Ria de Aveiro. Parti em viagem e regressei a casa para me maravilhar com as casas enfeitadas de azulejo e com o ritmo do Carnaval de Ovar.

Visitei os 18 distritos, entre capitais, cidades, vilas e aldeias. Aventurei-me pelo conhecido e pelo desconhecido do nosso país. Olhando hoje para trás, apenas desejo poder um dia voltar a fazê-lo. 

A Globe Spots elegeu recentemente Portugal como o melhor destino turístico de 2013. Segundo o P3, esta agência destaca o "velho charme europeu" do país e as "cidades medievais e quarteirões históricos", cheios de praças, igrejas e mosteiros, assim como os "bairros típicos, onde a roupa colorida seca à janela". Uma imagem simplista que apenas abre o apetite para a variada e saborosa refeição que é o nosso país. 

Embora o termo “Férias” seja uma palavra cada vez mais utópica no imaginário do comum português, existem opções de baixo custo a um pequeno passo da nossa porta. Sim, é possível organizar uma viagem pela Europa Central a um preço mais baixo que uma semana no Algarve. Mas há muito mais para fazer em Portugal do que apenas praia. Mesmo essa também é agradável na costa Alentejana e em pontos estratégicos do Litoral Norte. Todas elas a preços mais agradáveis para a vossa carteira.

Passei a minha infância em viagem. Um privilégio que nem todos puderam desfrutar. Se tiverem essa oportunidade não a desperdicem. Conheçam o nosso país. Visitem-no. Provem-no. Conquistem-no. Amem-no. Façam-no para que um dia possam dizer com orgulho: “Eu Vivi Portugal!” 

Tuesday, May 07, 2013

O dia em que nada fiz

Passava pouco das seis e meia da manhã quando acordei de sobressalto. O meu braço doía, estava dormente. Abri a boca para respirar como se da primeira vez se tratasse. Arrastei a minha mão para o lado em esforço. A pouca mobilidade que restava ao meu braço era apenas suficiente para redistribuir o peso do meu corpo. 

Fiquei ali. Deitado. Ligeiramente ofegante. À espera. À espera que a circulação regressasse. À espera para voltar a ter forças para me mexer. Sentia o calor dos primeiros raios de sol a penetrarem no meu quarto através dos interstícios da persiana. Aguardei alguns momentos até poder sentir novamente a minha mão. A vida. A força. A agilidade tinha regressado. Finalmente era capaz de me mover.

Virei-me de barriga para cima e direccionei o meu olhar para o tecto. Fechei os olhos durante alguns momentos. Mantinha-os cerrados na tentativa que o sono regressasse. Não me lembro. Não me consigo lembrar. Estaria num local feliz ou a fugir de outro pesadelo. Não me consigo lembrar. Abri os olhos.

O sol incidia com maior intensidade através da janela. Voltei-lhe as costas e estiquei o braço. Embora o meu quarto começasse a ter alguma claridade, grande parte ainda permanecia envolvida na escuridão da noite. Procurei o meu telemóvel na mesa que mantenho convenientemente distanciada da minha cama. É mais fácil convencer o meu corpo a largar o seu terno e confortável abraço se uma vontade maior me obrigar a levantar. 

Encontrei o meu telemóvel e puxei-o para mim. Fiquei incrédulo a olhar para as horas. Era cedo. Demasiado cedo para alguém que apenas se tinha deitado à uma da manhã. Coloquei-o de volta na mesa e tentei adormecer. Acordava atordoado de tempos a tempos sem nunca conseguir regressar ao meu sonho. Sem nunca conseguir voltar a descansar.

Sete e meia. Aquele toque inconfundível despertava-me de um estado de profundo ennui. Calei-o com o deslizar de um dedo. Tenho saudades do meu despertador de casa. De acordar com a rádio e não com um toque cíclico, impessoal e imelodioso. É tão anti climático silenciá-lo assim. Sinto falta de carregar com força num botão duro e rugoso e de violentamente martelá-lo por inúmeras vezes. Forçá-lo ao silêncio a cada nove minutos até àquele momento de auto-realização em que descubro que estava a pressionar o botão errado. 

Tenho saudades do despertador do meu quarto. Este é o meu quarto, mas não é o meu quarto. Não é o meu quarto, é apenas meu. 

Voltei a cerrar os olhos. Mais meia hora. Pensava. A latência tomou lugar e o tempo passou. Lentamente contava os minutos. Sem adormecer. Sete e quarenta e três. Sete e quarenta e sete. Às oito acordo. Às oito.

Eram oito e seis quando o tempo começou a acelerar. Oito e um quarto. Tinha que sair de cama. Era tarde. Não me sentia atrasado. Mas estava. Muito atrasado. Levantei-me e o tempo regressou ao seu ritmo natural.

Abri a janela. Sol. Uma mentira que ameaçava ter curta duração. As montanhas prolongavam-se até ao horizonte. Silêncio. Apenas o som constante da queda de água alimentava os meus ouvidos. Abri as gavetas e procurei a roupa que ia usar naquele dia. Queria apenas regressar à minha cama. Regressar a um sonho qualquer. Mergulhar nesse mundo e deixar-me envolver pelos lençóis. Perder-me eternamente num profundo relaxamento. Perder-me até que a vontade de acordar fosse mais forte que o sono.

Oito e cinquenta e três. Estou a olhar para o frigorífico. O pacote de soja que ontem tinha aberto não estava lá. Não estava lá. Talvez se tenha estragado de um dia para o outro. Encontrei-o no armário e ainda estava por abrir. O anterior ainda tinha um resto que eu guardei do fim-de-semana. Usei-o ontem. Agora lembro-me. Derramei os cereais e deixei-os envolver pelo líquido de soja. Tomei o pequeno-almoço com uma lenta pressa. 

Olhava para o relógio da cozinha enquanto comia. Trocava o meu olhar entre o prato e o relógio. O prato e o relógio. Silêncio.

Mais ninguém estava acordado. Apenas eu. Apenas eu. Eram nove e dez. Sem tempo para lavar o prato dirigi-me para o quarto. Calcei-me. Peguei nas chaves e saí. Começava a descer as escadas quando reparei que o elevador ainda ali estava. 

Não tenho por hábito usá-lo. Não para descer. Nunca para descer. Mas hoje abri a porta e entrei nele. Saí para a rua impressionado com o agradável calor que se fazia sentir. Ontem ameaçara chover, sem efeito.

Cruzei-me com estranhos. Alguns inéditos nestes meus passeios matinais. Outros, já conhecidos por frequentarem aquele local àquela hora. A todas as horas de tudo o que eu sei. Pois deles nada conheço além da sua habitual presença. 

Estavam menos carros estacionados no passeio. Menos do que é costume. A passadeira estava verde e algumas pessoas já passeavam e conversavam umas com as outras, ou apenas consigo próprias. 

Apanhei o elevador quando este estava a descer. Oito e vinte e três. Aguardei. Ontem estava avariado e vi-me forçado a descer aquela escadaria. Parava de tempos a tempos para contemplar a paisagem. Parava de tempos a tempos, pois olhar para o chão não me favorecia tão pouco as costas ou o pescoço. 

Chegou a minha vez. Calculei o tempo máximo de espera para alguém que tivesse o azar de o perder mal este iniciasse a sua descida. Ou a sua subida. Quatro minutos. Maios ou menos. Não é uma ciência exacta. Eu não sou exacto.

Chegado cá abaixo comecei a andar. Encontrei um tazo no chão. Estava estragado. Olhei para ele e continuei a andar. Ignorei-o como ignorei as cartas rasgadas daquela noite. 

Nove e meia. Cheguei ao meu destino. Não me atrasei. Nem um minuto. Estava atrasado quando acordei. Estava. Não estou. Não mais.

Era manhã quando acordei. O sol iluminava o meu quarto. Agora é tarde e já há muito que estou acordado.

Monday, May 06, 2013

A Hipérbole das Redes Sociais

Imagem DR
Uma hipérbole não é apenas uma figura de estilo. Aqueles que prosseguiram os seus estudos em matemática até ao final do secundário devem-se lembrar que uma hipérbole pode ser definida como um lugar geométrico de pontos para os quais a razão das distâncias a um foco e a uma recta (chamada de directriz) é uma constante maior ou igual a 1. 

Contudo, não me parece que esta definição seja capaz de vos reavivar a memória. Uma hipérbole compreende duas curvas sem intercepção, chamadas de "braços", que separam os focos. Conforme a distância dos pontos da hipérbole aos focos aumenta, a hipérbole começa a aproximar-se de duas linhas, conhecidas como assimptotas. Este termo já vos diz alguma coisa, certo? Mas ainda não estão bem a ver o que é? 

Bom, a equação mais simples para definir uma hipérbole é y = 1/x. Façamos assim, dou-vos um minuto para irem buscar a vossa velhinha máquina gráfica da gaveta onde a esconderam na esperança de não mais a terem que usar. 

Já a têm? Aposto que perderam uma boa meia hora a jogar puzzle bubble ou um dos outros jogos que todos programámos na máquina para nos entretermos durante as aulas mais entediantes. Experimentem colocar a função y = 1/x. Vêem as duas curvas a aproximarem-se dos eixos do x e do y sem nunca os tocarem? Isso é uma hipérbole. Precisei de 228 palavras só para chegar a um ponto que pouco tem a ver com aquilo que eu queria realmente abordar. Vamos lá tentar outra vez.

Uma hipérbole não é apenas uma figura de estilo. Hipérbole é também o nome de uma função matemática que representa uma curva que se aproxima constantemente de um ponto sem nunca o alcançar. A nível pessoal é aquilo que acontece com a minha capacidade de captação de seguidores nas redes sociais. 

Quando iniciei a minha actividade no twitter recebia diariamente diversas notificações sobre os novos seguidores que por um motivo ou outro lá se lembravam de me adicionar. Muitos apareciam através dos contactos com quem eu falava, isto ainda antes do twitter bloquear a visibilidade dos replies, outros por se interessarem por aquilo que eu tinha para dizer. Chegava a fazer mais de cem tweets por dia entre notícias partilhadas, pensamentos e conversas com os restantes utilizadores.

Sentia-me como se tivesse regressado aos tempos do mIRC. Conhecia pessoas novas todos os dias, comecei a estabelecer uma base de contactos e passei a usar o twitter mais pela componente social do que pela partilha de conteúdos. Com o tempo esta euforia foi diminuindo. Não apenas por causa do bloqueio das conversas alheias, mas também pela minha indisponibilidade para perder tempo com esta rede social. 

Apesar disso, raro é o dia que eu não partilhe uma notícia ou um pensamento no twitter. Já não o encaro como uma versão microblogue do mIRC, mas continuo a preferi-lo ao facebook. Raramente opto pelo share em detrimento do tweetar sempre que leio uma notícia ou outro conteúdo qualquer que me pareça digno de ser partilhado. 

Nos últimos dias ao olhar para o meu número de seguidores no twitter e de amigos no facebook, cheguei à conclusão que não sou capaz de captar mais do que 500 pessoas a aderirem à minha rede. Há já vários meses que o meu número de seguidores no twitter não passa dos 490. No momento em que escrevo este artigo são apenas 487. Lembro-me de um dia ter chegado aos 496. Muito perto do limite psicológico de 500 utilizadores, contudo, falta-me algo para lá chegar. 

Já no facebook, a marca dos 500 amigos foi ultrapassada de forma quase banal há alguns meses atrás. São neste momento 523. Este número é preenchido na sua maioria por colegas do meu curso e dos diversos empregos que tive nos últimos anos. Também lá estão os meus amigos, amigos de amigos e uma ou outra pessoa que conheci num evento, fosse ele social ou não, e que por lá ficaram. 

Já fiz uma análise aprofundada sobre a origem dos meus contactos do facebook. Podem relembrá-la aqui, ou simplesmente ignorar esta frase e continuar a ler esta minha epifania. Ainda estão a jogar puzzle bubble? Tenham cuidado, não gastem as pilhas da máquina antes de experimentarem a equação que eu referi lá em cima. 

O que me tem perturbado nos últimos dias é precisamente o facto desta minha bolha social não se conseguir expandir além dos 500 contactos. Valor esse que já por si é bastante inflacionado. Basta olhar para a minha página profissional do facebook que ao fim de três meses tem apenas 68 likes, sendo que apenas 58 dos quais pertencem aos meus contactos. Isto significa que pouco mais de 10% dos meus amigos do facebook querem realmente saber sobre aquilo que eu faço.

O que posso então fazer para atrair mais pessoas a verem aquilo que eu tenho para dizer? Acusaram-me uma vez de ser demasiado consensual. Dificilmente conseguiria fazer com que mais pessoas lessem o meu blogue se não começasse a ser mais parcial e controverso. Por mais bem escrito que seja, um artigo apenas suscita interesse se conseguir apelar às emoções mais cruas da alma daqueles que o lêem. A verdade é que embora continue a investir na imparcialidade das minhas observações, ao longo dos anos os textos que conquistaram um maior número de visualizações foram precisamente aqueles que apelavam às minhas emoções. 

Encontro-me assim preso a um limite psicológico de contactos e visualizações que, de certa forma, vejo como um forte elemento desmotivador. Esta baixa rede de alcance não reflecte a qualidade e o interesse dos meus conteúdos. Mesmo nos momentos em que me aventurei no comentário político e nos manifestos activistas pouca visibilidade alcancei além de uma partilha ou outra no Google Plus e de um ou dois likes no facebook. Alcance que seria bastante maior se tivesse sido escrito por outra pessoa que não eu. 

Não seria necessário ser alguém famoso ou uma rapariga atraente a fazê-lo. Diariamente vejo textos e artigos de pessoas anónimas e com pouca qualidade de escrita a serem partilhados e difundidos pelas redes sociais. Sejam eles relatos de injustiças ou simples apelos emocionais. Independentemente da sua natureza, posso sempre dar um ou mais exemplos de artigos similares que eu próprio escrevi em tempos mas que não mais de 100 pessoas os leram. 

O que posso então fazer para contrariar esta tendência? Qual a fórmula mágica para rebentar com esta hipérbole e transformá-la numa recta crescente e constante? 

Como já referi diversas vezes, não estou disposto a diminuir a qualidade dos meus artigos. Isto implica uma redução da periodicidade do meu blogue. Um mal necessário, embora compreenda que seja esse o principal factor que me impede de alcançar uma audiência constante e fiel. Mas como posso rentabilizar algo que não me oferece qualquer rendimento além da satisfação pessoal? Com tão pouco tempo livre para usufruir no meu dia-a-dia torna-se complicado, se não mesmo impossível, repetir feitos como os 14 artigos publicados em Dezembro de 2012. Feito esse que motivou a histórica marca de 1135 visualizações num único mês. 

É esta a minha voz e não tenciono mudá-la em favor da fama fácil, apelando ao mínimo denominador comum. 

O importante não é a quantidade das visualizações mas a qualidade das mesmas. Mas se com tão poucas já tive crónicas e contos publicados em revistas o que poderia acontecer se o meu alcance fosse maior? Um contrato com uma editora para escrever um livro? 

Conheço pessoalmente casos em que isso aconteceu. E embora reconheça a qualidade da escrita e da imaginação dessas pessoas, acredito que sou melhor, acredito que a minha voz, que as minhas histórias têm valor e que merecem ser ouvidas.

Divago. A minha máquina gráfica há muito que ficou sem bateria. Para já, sucumbo perante a inevitabilidade matemática da hipérbole das minhas redes sociais. Sucumbo na esperança de um dia ser capaz de forçar o meu caminho para lá da fatalidade desta equação e de alcançar o reconhecimento que a minha voz tanto merece. Irei ultrapassar a barreira dos quinhentos, dos mil. 

A minha onda será imparável.