Ucal Zero Lactose, Imagem DR |
Não há pior sensação que a de sermos traídos pelo nosso próprio corpo. Há seis anos descobri que era intolerante à lactose. De um dia para o outro vi-me forçado a atirar para o lixo uma considerável fatia dos meus alimentos preferidos. Disse adeus aos iogurtes, ao queijo, às pizzas, à lasanha, ao leite-creme, à aletria, a uma série de bolos e doces. Cada despedida mais dolorosa que a anterior. Mas aquela que teve maior impacto foi o Ucal.
Este leite achocolatado nunca fez parte do meu regime habitual. Era uma rara recompensa que oferecia a mim próprio depois de uma noite longa, no regresso de um festival, ou pelo acaso de um passageiro desejo. Um precioso ritual que enfim terminava, sem direito a uma derradeira despedida.
Durante dias olhei para trás, para cada oportunidade falhada de consumir um Ucal, mas nada podia fazer. Esta bebida estava, agora, riscada para toda a eternidade da minha ementa. Assim foi, e assim segui em frente.
Deixei de comer iogurtes depois de almoçar, tirei o queijo da minha sandes da tarde, o leite de soja substituiu o de vaca nos meus cereais, as minhas pizzas, lasanhas, e até as minhas francesinhas, passaram a vir sem queijo. Mas nada procurei para substituir o Ucal. Até hoje, ainda não provei leite de soja com chocolate. Por mais que já mo tenham recomendado, simplesmente não seria a mesma coisa.
Há semanas atrás, passeava pelo Continente quando encontrei um solitário Ucal sem lactose. Isolado numa vazia prateleira, estava ali, sozinho e desacompanhado. Como se estivesse à minha espera, sob o desígnio de alguma entidade divina, condenado a aguardar eternamente pela minha chegada. Não hesitei em comprá-lo.
Por graça de um comentário neste mesmo blogue, já tinha conhecimento da existência deste novo Ucal, mas nunca o tinha visto à venda até àquele dia. Para ser sincero, nunca me dei ao exercício de o procurar, embora a minha natural curiosidade alimentasse o apetite pela sua descoberta.
Na verdade nunca fui grande fã de produtos lácteos sem lactose. São espécies contra-natura, privadas de uma das suas propriedades originais. Mas a forma como encontrei aquele Ucal, aliada à aleatoriedade estocástica do comentário que recentemente tinha lido, fez-me pôr de lado, por momentos, esta minha convicção, e persuadiu-me a dar-lhe uma nova oportunidade.
Aguardei alguns dias antes de o provar. Precisava de sentir o apetite. Aquele desejo. Aquela vontade de beber um Ucal que apenas sentia de tempos a tempos. Esse dia, ou melhor, essa noite, enfim chegou. Desci até à cozinha, peguei na garrafa e preparei-me para o provar.
Esta foi uma das piores experiências gastronómicas que tive desde aquela tarde em 2011 em que provei marmite pela primeira vez. Nunca tinha bebido algo tão enjoativamente doce. Não sei se esta é uma consequência natural da remoção da lactose, mas nunca tinha provado uma bebida tão doce ao ponto de a achar enjoativa. E eu sou um tipo que prefere o Pão-de-ló de Arouca ao de Ovar por o primeiro ser ainda mais húmido e ter uma cobertura de açúcar à volta.
A mística que guardava em torno do Ucal tinha sido desfeita. O horrível sabor desta abominação quase que destruiu todas as boas recordações que, até aquele momento, mantinha das minhas prévias experiências com este leite achocolatado, há tantos anos atrás.
Não havia nada a fazer. Ucal sem lactose não é Ucal. É uma abominação. Uma criação do demo. Um anátema. Ainda não consegui esquecer o traumatizante sabor dessa aberrante manobra publicitária.
Apenas me resta aceitar que não mais voltarei a provar um verdadeiro Ucal. Esse desejo é agora enterrado num profundo e longínquo recanto da minha memória, reservado para tarefas impossíveis e impraticáveis.
Até sempre, Ucal. Não mais irei sentir o teu agradável sabor. Triste fado este que hoje sou forçado a aceitar. Pois assim é viver sem o teu leite achocolatado.
No comments:
Post a Comment