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Na velha sala da minha avó tinha por hábito guardar uma série de papéis e documentos com pouca ou nenhuma importância. Por conveniência deixava-os ali, alinhados por detrás de uma figura de porcelana que ilustrava uma fadista e uma guitarra portuguesa eternamente imortalizadas em concerto.
Ontem, ao início da tarde, decidi perder alguns minutos a organizar aquela papelada. Entre cartões caducados, horários de turmas, velhos recibos, postais e calendários, metade dos quais acabou no ecoponto, encontrei uma cesta meio escondida por entre as prateleiras. A cesta continha uma série de caricas e de porta-minas vazios. Lixo. Lixo peganhento e coberto de pó. Apenas lixo não fosse o pequeno tesouro que se escondia por debaixo deste entulho aleatório. Um tesouro pobre composto por algumas pesetas, uma moeda de duzentos escudos e outra de vinte e cinco, ambas cobertas de verdete.
Apesar de ainda guardar algumas moedas iguais a estas em bom estado, optei por as salvar. Embora espere ter sucesso na sua restauração, o mesmo não posso dizer em relação ao Escudo. Messias e bem-aventurado salvador da Pátria, nos últimos tempos, temos presenciado o crescimento de um movimento anti-Euro e pró-Escudo nunca antes visto.
Os seus assinantes olham para a velha moeda como a resposta às nossas preces de crescimento económico e criação de emprego. Vêem o Escudo como o mítico D. Sebastião, por fim regressado das brumas. Dizem-se cientes das consequências dessa eventual operação. Afirmam serem capazes de resistir à deflação e não se importam de ver as suas poupanças reduzidas a ninharias. Contudo, falham ao serem incapazes de compreender o quão frágil é o Calcanhar de Aquiles da nossa velha moeda: A inexistente produção nacional.
Sim, o escudo permitir-nos-ias controlar as nossas próprias finanças sem um grande controlo do Banco Central Europeu. Podíamos valorizá-la ou desvalorizá-la “à vontade”, adaptarmo-nos aos mercados e injectar capital sempre que o achássemos necessário. Podíamos reduzir as taxas de cambio e tornar os salários mais atractivos para as grandes multinacionais que na década de 1990 tanto nos ajudaram a empregar e a enriquecer a população. Contudo, até chegarmos a esse ponto, teríamos que viver no limiar da pobreza extrema durante um período nunca inferior a dez anos.
Portugal não possui neste momento produção nacional suficiente para alimentar uma população de 10 milhões de habitantes. Temos terrenos, culturas e pessoas, mas não os estamos a usar. As sementes não são plantadas e ninguém está disposto a regressar ao campo para pôr as mãos à obra.
Com o regresso do Escudo, a comida que hoje custa um euro no supermercado não irá custar 200 escudos amanhã, mas sim mil, se não mais. Importamos demasiados produtos básicos para que a nossa produção seja sustentável. Somos limitados internamente por normas europeias que visam impedir uma excessiva competitividade de preços dos bens básicos entre os estados membros da União Europeia.
A descida dos salários e a desvalorização das poupanças que a saída do Euro irá provocar faria com que uma grande maioria da nossa população simplesmente deixasse de ter dinheiro para comer. A actual onda de emigração seria ridícula em comparação com o êxodo que nos veríamos forçados a presenciar. Enquanto hoje em dia as pessoas apenas abandonam o país para encontrarem melhores condições de vida e empregos qualificados com melhores condições salariais, com a saída do Euro, muitos portugueses teriam que sair apenas para sobreviver.
Que futuro para esses emigrantes? Serem explorados e maltratados como acontecia há 30 e 40 anos atrás? Teria a Europa ou qualquer outro país capacidade para os empregar? Fechar-nos-iam as fronteiras como se de uma praga se tratasse? Espero nunca vir a saber a resposta a estas questões.
A altura para sair do Euro não é agora, mas sim há doze anos atrás. O erro não foi continuarmos no Euro, mas sim, termos aderido à moeda única. Perdemos a competitividade do Escudo e perdemos a nossa capacidade de auto-gestão da nossa economia. Era cedo. Fomos imprudentes. Paciência. A cama está feita.
Mas ao continuarmos no Euro não estamos condenados a ciclos contínuos de crescimento e austeridade? Não valem a pena esses dez, vinte, ou até mesmo, quarenta anos de sofrimento para depois podermos recuperar o controlo da nossa economia? Se formos capazes de aprender com os erros cometidos na última década, não.
O Euro é hoje uma moeda frágil por ter ambicionado a tornar-se forte demasiado depressa. Sofremos um duro golpe com o lobby do dólar e optámos por nos manter independentes e por deixar a gestão das contas públicas a cada um dos estados da Zona Euro. A solução passa por desistirmos deste tipo de imposição narcisista.
A Europa apenas será forte se for capaz de funcionar como um só. Não pode existir uma gestão de contas públicas país a país. Essa gestão tem que ser global e partilhada. Todos os estados membros devem partilhar os gastos assim como os ganhos. Deve existir um salário mínimo único e regulado em todos os países da Zona Euro. Uma única dívida. Um único PIB. Basta de desigualdade social entre o sul e o norte da Europa. Se querem uma moeda única, não basta existir um Banco Central, é necessária uma gestão central, um governo central.
Mantenhamos o nosso poder executivo, legislativo e judicial, mas deixemos a nossa economia ser aglomerada com as dos restantes países. É esse o caminho que devemos caminhar. É esse o sonho da União Europeia e a única forma de construirmos uma economia forte, sólida e capaz de competir directamente com o Brasil, com a Rússia, com a Índia e com a China.
A Europa é o continente com as melhores condições de vida, de saúde, de segurança e de protecção social em todo o Mundo. Para quê fecharmo-nos no nosso cantinho e desligarmo-nos das maravilhas que uma Europa Unida nos tem para oferecer?
Por mais saudades que eu sinta do Escudo, aceito hoje o Euro e espero que este não nos deixe tão cedo. O Escudo é uma peça de museu e um ícone da nossa História. Nada mais.
O Escudo está velho e cheio de verdete. Não vale a pena restaurá-lo.
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