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Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Fernando Pessoa
O paradigma da relação empresa/trabalhador no mercado português encontra-se estagnado. Está fora-de-moda, bolorento, decadente e a apodrecer. Caiu em desuso há mais de quarenta anos, mas, contudo, ainda ninguém foi capaz de despertar os empregadores para a realidade das dinâmicas do mercado internacional.
Num país que se orgulha de ser bastante conservador, ao mesmo tempo que tenta promover lá fora uma imagem de bastião das políticas de mercado livre globais, não deixa de ser estranha a forma como o capitalismo continua a ser visto internamente como um mero desígnio teórico. Apenas aplicável às relações entre chefias, e ao consumismo esforçado do proletariado comum.
Quantas vezes não ouvimos alguém falar no privilégio que é certas e determinadas pessoas terem a oportunidade de trabalharem para uma empresa em particular. Esta é uma ideia deturpada, retrógrada, gasta e ilusória. Privilégio é apenas uma palavra que fica bem numa carta de apresentação ou numa entrevista. Nada mais. Todo este conceito está virado do avesso. Não é um privilégio trabalhar para uma certa empresa, mas sim, o facto de essa empresa nos poder ter a nós como trabalhadores.
Reconheço que para muitos o seu emprego de sonho passa pela oportunidade de trabalhar para uma entidade em específico, ou com uma pessoa em particular, seja ela um ídolo, ou apenas alguém que admiram e que sonham ter como par. Contudo, para a grande maioria, um emprego é apenas uma forma de fazer aquilo que gostamos em troca de uma remuneração adequada às nossas funções e ao nosso desempenho como trabalhadores.
É fácil e tentador para um empregador ter uma classe verdadeiramente subordinada sob o seu controlo. Empregados que apenas marcam o ponto, fazem o que têm a fazer, com medo ou desinteresse em levantar uma questão que seja sobre as diversas situações que diariamente assolam a empresa que o emprega.
A crise económica dos últimos anos podia ter sido vista como uma oportunidade para alterar este paradigma. Para criar um mercado de trabalho aberto e livre. Onde cada possível trabalhador entraria em competição entre várias empresas, cada uma há procura daquele com as melhores credenciais para suprir as suas necessidades, aliciando-os com salários e extras bem mais atraentes que os dos restantes competidores.
Em vez disso, as empresas fecharam-se. Reduziram as despesas. Investiram na mediocridade, ameaçaram os seus trabalhadores com desemprego, e alimentaram a ideia de que é preferível ter um emprego cinzento, desgastante e opressivo, a nos aventurarmos pelas imprevisibilidades do mercado.
Essas empresas, aquelas que ainda não faliram, estão a perder o comboio da modernização para as suas congéneres estrangeiras, e para inovadoras startups que não recearam quebrar este paradigma há muito estabelecido como regra de péssimos costumes. A sua força laboral é fraca e doente. Apenas faz o mínimo possível, sem qualquer paixão pelo seu trabalho, pois assim ditaram as chefias através do seu constante ambiente de ameaças infundadas e de cortes salariais constantes.
Parte da natureza humana grita por almejar a felicidade. Não fomos feitos para ser gado. Não fomos feitos para aceitar incólumes as constantes injustiças que mentalidades retrógradas insistem em impor à classe trabalhadora.
Pois no que a isto diz respeito, os empregadores que ainda assim pensam, estão condenados ao fracasso. Empresas como a Google, o facebook, a Apple e a Microsoft, cresceram e construíram os seus impérios, não à base da opressão, mas sim através da criação de oportunidades, de condições e de ambientes, aliciantes e capazes de atrair as melhores mentes das suas respectivas áreas. São vistas como empresas de sonho não pelos salários, ou pela sua visibilidade, mas sim pela forma como tratam os seus trabalhadores, pelos extras que lhes oferecem e pelo ambiente de abertura, liberdade e competição saudável dentro e fora da própria empresa.
Mas isto não é algo apenas aplicável às grandes tecnológicas. Qualquer empresa pode-o fazer. Independentemente do seu tamanho. Está apenas à distância da imaginação e da capacidade de inovar de cada um dos seus empregadores.
Não é por nada que hoje vemos tanta gente a preferir emigrar, ou a investir nas suas próprias ideias, ao invés de se sujeitarem à banalidade de trabalharem para um energúmeno qualquer sem capacidade de compreender o quão diferente é o Mundo e o mercado actual.
Durante meses perdemos horas a analisar as diversas transferências nos mais variados mercados desportivos. O mundo do trabalho real não devia ser diferente deste. Os melhores deviam sempre ser aliciados com novos contratos, e cada empresa devia ter o seu próprio departamento de scouting. É assim que funciona lá fora, mas, por cá, ainda tarda a chegar.
Os tempos de ficarmos ligados a uma só empresa durante vinte, trinte ou quarenta anos, há muito que já lá vão. Não nos devemos contentar apenas com aquilo que temos, mas sim, ter sempre a ambição de almejar a algo melhor. E se essas condições não existem internamente, não devemos ter medo de procurar outra empresa, outra cidade, ou outro país, capaz de nos dar aquilo que verdadeiramente merecemos.
O verdadeiro privilégio é a empresa que reconhece e valoriza os trabalhadores que tem e que tudo faz para não os perder. Está na hora de mudar a retórica. O privilégio é todo vosso. Nós apenas estamos cá de passagem. Parem de nos tomar como garantidos, pois à mínima oportunidade estaremos sempre prontos para dar o salto e voar para novas e melhores paragens.
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