Há sempre aquele bichinho que nos atormenta diariamente. Seja na forma de um livro abandonado na prateleira ainda por ler, na lista de filmes que aguardam para ser vistos, nas palavras ainda por escrever, ou no quarto por arrumar. Pequenos grandes pormenores que nos lembram das coisas que estamos a deixar para um segundo plano, em nome da preguiça, ou da eterna procrastinação.
Em Setembro de 2010 comecei a ler o Evangelho Segundo Jesus Cristo de José Saramago e apenas conclui a sua leitura há cerca de duas semanas. Não que o livro não fosse interessante ou não me cativasse, muito pelo contrário, mas a verdade é que fui dando prioridade a outras coisas e, nos momentos em que efectivamente tive tempo para pegar nele, simplesmente optava por não o fazer.
Até inícios de Março de 2011 tinha apenas lido pouco mais de 100 páginas, num livro de 445. Nunca fui daquelas pessoas que consegue ler um livro de 500 páginas num dia. Leio a um ritmo de 60 páginas por dia, variando ligeiramente consoante o livro. Em raras ocasiões, quando a história verdadeiramente me cativava, era capaz de chegar a ler umas cento e poucas páginas por dia, mas não mais que isso. Mesmo assim, devia ser capaz de acabar o Evangelho em menos de duas semanas, mas assim não aconteceu.
A única outra situação em que algo parecido aconteceu foi com o primeiro livro da saga Harry Potter, mas na altura tinha treze anos e o início do livro não era interessante o suficiente para me despertar a curiosidade. Passaram quase sete meses até que me decidisse de uma vez por todas em ler até ao fim o Evangelho Segundo Jesus Cristo. As viagens diárias de comboio entre Ovar e Porto mostraram-se como o mote perfeito para pôr a minha leitura em dia. Se não encontrasse alguém na viagem conseguia calmamente ler uma média de 40 páginas por dia, com a ajuda de algum tempo despendido nas viagens de metro entre a Trindade e o IPO.
Terminei de o ler numa segunda-feira, na viagem de regresso. O momento foi perfeitamente livre de qualquer evento em particular. Li e reli a última frase, tirei o marcador e fechei o livro. Não sei se as pessoas que estavam sentadas à minha frente se aperceberam do sucedido, mas não deixei de sentir que naquele instante partilhávamos algo mais que uma simples viagem de comboio: Estávamos literalmente a presenciar o desenlear de um nó há muito esquecido na prateleira.
Bokura Ga Ita é outro exemplo em tudo similar. Trata-se de um anime que comecei a ver em Dezembro por imposição do hiato de séries que as televisões americanas todos os anos promovem na altura do Natal, para que possam dedicar a sua programação às celebrações da quadra e, ao mesmo tempo, dar um certo período de descanso aos fãs que religiosamente seguem as suas séries sem deixar passar um único episódio.
Sem nada para ver durante a semana comecei a procurar por algo online capaz de me entreter. Encontrei um vídeo no youtube descontextualizado daquilo que realmente procurava e gostei das cenas de Bokura Ga Ita que lá tinham compilado. Procurei mais informação sobre o anime e decidi, então, começar a vê-lo. Como tinha apenas 26 episódios, prometi a mim mesmo que não ia ver mais que dois por dia. E assim fiz.
Mas mais uma vez, cheguei a Janeiro com pouco mais de dez episódios vistos. Volta e meia lá me lembrava de ver um ou outro, mas o tempo foi passando e nunca mais peguei naquilo. Com a leitura d’O Evangelho a correr de vento em popa, pensei para mim mesmo, “já que desatei um nó, por que não mais este?”, e retomei a história de Yano e Nana (as personagens principais do anime), após algum tempo mantida longe dos meus pensamentos.
Cheguei mesmo a rever o último episódio que tinha visto, para poder contextualizar-me com a história, visto já me terem falhado alguns pormenores. A seu tempo cheguei ao último episódio e, com alguma tristeza, despedi-me daquelas duas personagens cuja mensagem me iludia há muito, apesar de, em certos pontos, parecer ter sido feita apenas para aquele momento. Por vezes não somos nós que deixamos os “nós” por desenlear, mas são eles próprios que aguardam pelo momento certo para darem azo à sua graça.
Embora o meu blogue se tenha mantido actualizado, na base do tal mínimo de um artigo por mês que desde o início estabeleci, foi apenas na semana passada que retomei uma escrita regular que, apesar de tudo, não se viu livre de algumas falhas. O 5.º aniversário deste blogue, os quatro anos atrás do volante e a despedida do Levezinho, são apenas alguns exemplos de artigos que ficaram pela gaveta. Às vezes por falta de inspiração, outras, simplesmente por que sim.
O regresso regular da Rádio da Rádio, as críticas para o Rarely Interesting e as minhas crónicas da Eurotrip são outros nós que continuam por desenlear, e que gritam efusivamente pela seu tão aguardado momento de glória.
Por agora outras obrigações impedem-me de encontrar as energias e o tempo para o fazer, mas a sua hora vai chegar. Aqui fica a promessa.
1 comment:
Como um grande especialista da arte da procrastinação devido à preguiça eu aprovo este texto.
PS: "as críticas para o Rarely Interesting", tou para ver, no dia em que isto acontecer, eu também volto a escrever coisas lá.
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