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O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!
O Andaime, Fernando Pessoa
Meia-noite. Ano Novo. Champagne. Doze passas. Doze desejos. Faz parte da nossa natureza. Todos desejamos algo, ou alguém. Todos queremos obter o inalcançável. Melhorar as nossas condições. Todos queremos ser melhores do que somos, de quem fomos, do que a vida reservou para nós. Procuramos por uma estrela-cadente sob o céu nocturno. Deixamos uma moeda descansar no fundo de uma gruta ou de uma fonte. Sopramos as velas dos nossos bolos, e as pestanas dos nossos olhos. Enfeitamos as portas com Maias. Comemos doze passas.
No fundo, sabemos que uma simples uva secada e conservada para nosso consumo, nenhum poder tem para nos conceder algum desejo, além do saciar de um particular apetite por uvas passas. Pois não é essa a sua função. Da mesma forma que o meteoro que rasga a atmosfera durante a noite nada mais pretende que não desintegrar-se na sua abrupta queda até ao nosso Planeta. Tal como a moeda apenas quer cumprir o seu desígnio e circular entre estranhos até ao dia em que for guardada num qualquer álbum de um coleccionador, ou reciclada para formar novas moedas, quiçá de um valor superior.
Sabemos isto, contudo, a tradição persiste. O sonho continua vivo e os nossos desejos dele se alimentam. Pois muito daquilo que desejamos não passa disso, sonhos. Alguns impossíveis, outros improváveis, outros apenas à distância da nossa própria determinação. Olhemos para as zero horas do novo ano, não como uma altura para desejar algo em vão, mas como uma altura para redistribuir as nossas prioridades e para preparar os passos que desejamos seguir.
Nem todos os sonhos são fáceis de se concretizar. Alguns dependem apenas da sorte e estão fora do nosso controlo. Se o teu desejo é ganhar o Euromilhões, bem podes apostar todas as fichas nas doze passas, em trevos de quatro folhas ou em ferraduras de cavalo. Existe sempre a possibilidade de o venceres, sim, mas esta é tão pequena, que apenas um acto de pura sorte pode ajudar-te a concretizar esse desejo. É algo que está fora do teu controlo e que, sobre o qual nada podes fazer, além de registar o teu boletim e esperar pelo resultado.
O mesmo se aplica àqueles que desejam que a sua equipa seja campeã ou que vença uma competição europeia. Tal como tu, os adeptos dos teus rivais também desejam o mesmo. Se isso bastasse, uma tecnicalidade qualquer faria com que todos fossem co-campeões, ano sim, ano sim. Aqui, novamente, nada podes fazer além de a apoiares em todos os momentos. Podes fazer-te sócio, ir ao estádio ou ao pavilhão, bater palmas enquanto eles passam pela estrada, ou correm pelo tartan. Mas o resto depende inteiramente dos atletas, dos treinadores e das direcções. A tua camisola da sorte não impediu que eles perdessem aquele jogo. A tua presença no estádio não garante vitórias. Os teus cânticos oferecem uma ajuda anímica e empurram a equipa para a vitória, mas, no fundo, nada podes fazer para mudar o destino de uma época. A uva passa que comeste em nada afecta o que lhes vai acontecer ao longo do ano. Mas não a deixaste de comer.
Se há sonhos que estão fora do teu alcance, outros há que dependem apenas de ti. Se o teu desejo é arranjar um emprego, mudar, encontrar algo melhor, ou algo que te faça sentir mais realizado, apenas tens que te mexer. Esforça-te. Investe no teu currículo. Sai da tua zona de conforto. Regressa aos estudos se assim for necessário. Não tenhas medo de lutar por aquilo que queres. Emigra. Muda de cidade. Cria a tua empresa. Abre uma actividade. Profissionaliza o teu passatempo. Nenhuma uva passa pode fazer isto por ti. E cada moeda é uma ajuda na concretização deste sonho. Não a desperdices numa qualquer fonte. Não contamines mais as águas dessa gruta.
Já outros desejos não dependem apenas de ti. Se te queres apaixonar, não vais encontrar a resposta no fogo de uma estrela-cadente. Sai com os teus amigos. Fala com quem encontras pelo caminho. Conhece pessoas novas. Explora o teu Mundo e todos aqueles que te rodeiam. Viaja. Abre os teus horizontes. Visita os sítios que te apaixonam. Faz aquilo que amas. Alguém que deseja partilhar esses mesmos momentos contigo, acaba sempre por esbarrar no teu caminho. Apenas tens que estar de olhos bem abertos, e pronto para dar esse passo.
Não receies a rejeição. Cresce com cada não, em cada encontro, em cada beijo, em cada batida do teu coração. Melhora os aspectos que menos agradam em ti, mas mantém-te fiel a ti próprio. Não tentes ser alguém diferente de quem és, e lembra-te que são também os teus defeitos que te fazem único para a pessoa que te ama.
Podemos desejar a perfeição, mas não a podemos alcançar. Esquece as resoluções de ano novo. Nunca vais deixar de fumar, ou de beber. Nunca te vais inscrever num ginásio. Nem tão pouco vais começar a comer de forma mais saudável.
Não se apenas deixares tudo isto nas mãos de uma uva passa. Se desejas mesmo mudar um certo hábito em ti. Se desejas melhorar o teu corpo e a tua saúde, age. Levanta-te. Esforça-te. Motiva-te. Faz algo para que essas resoluções deixem de se repetir, ano após ano, sem qualquer efeito visível.
Se nada desejas mudar em ti mesmo, aceita quem és. Aprende a viver contigo próprio e a ser feliz com tudo aquilo que faz de ti quem tu és. A felicidade está ao alcance da tua determinação, e não nas folhas de uma rara erva daninha.
Meia-noite. Ano Novo. Champagne. Doze passas. Um momento para pensares em ti. No que desejas. No que queres. No que tencionas fazer agora que deixaste mais um ano para trás. As doze passas que hoje comes nada têm de mágico. Mas há magia neste momento. Há magia em ti. Há magia em quem não deixa o seu fado nas mãos do destino. Uma, duas, três. Doze passas já passaram. E tu? Como vais passar mais um ano?
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