Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Ricardo Reis
Há algum tempo que não leio. Não como naquele dia. Não esperava terminar o livro tão depressa. Não esperava devorá-lo em menos de um dia. Afinal, escolhi-o para descansar. Para me livrar por momentos daquele Universo. Passavam dez meses desde que tinha começado a ler A Song of Ice and Fire, livro após livro, sem descanso. As viagens de comboio ajudavam. Se ajudavam!
“Evolução e Criacionismo: Uma Relação Impossível”, uma obra teórica. Uma colaboração entre vários autores, entre os quais, Octávio Mateus, O paleontólogo português, e alguém cujo trabalho admiro. Era um dia atípico. Finalizado o meu contrato com a RTP poucos dias antes, tinha então duas entrevistas de emprego. Uma no Porto pelas nove e meia, e outra em Lisboa às seis da tarde. A de Lisboa era a que mais me atraía, não só pela posição em si – estava a candidatar-me para o lugar de designer numa exposição temporária sobre borboletas – mas também pelo local, o Museu de História Natural. A do Porto era mais apelativa, sim, trabalhar como editor de vídeo para um projecto educativo sobre Engenharia encaixava-se mais dentro das minhas aptidões, contudo, o desafio era pequeno, e a temática menos apelativa.
20 de Dezembro de 2012. Parti em viagem. De Ovar para o Porto, do Porto para Lisboa, de Lisboa para Ovar. Fiz nesse dia cerca de sete horas de viagem, sem contar com algumas horas mortas de espera entre comboios e entrevistas. A única constante era o livro que trazia comigo. Página após página. Capítulo após capítulo, quando enfim cheguei a casa, umas meras dez páginas me separavam da sua conclusão. Foi a primeira vez que li um livro em menos de vinte e quatro horas. Foi a primeira vez que quebrei verazmente a minha regra de saborear cada página com o devido tempo que esta merece.
Semanas mais tarde recebi as respostas. Com poucos dias de diferença. Segundo lugar em Lisboa, quinto no Porto. Não fiquei colocado. Não me deixei surpreender pelo resultado, apesar da frustração que é ficar tão perto do primeiro, e tão desejado, lugar. Enfim, não estava escrito.
Foi numa tarde não muito diferente daquela que fiquei a conhecer o meu próximo destino: Covilhã. Fiquei na Covilhã. A entrevista tinha corrido muito bem e estava confiante num bom resultado. A vontade de me mudar para tão longe, para lá da Serra da Estrela, era pouca, se não mesmo nenhuma. As oportunidades escasseavam, e o projecto não parecia mau de todo. Desta vez não havia mais comboios ou metros. Apenas um Expresso. Companheiro semanal durante vinte e dois meses. Vinte e dois meses que não foram mais, pois hoje faço dois anos da minha mudança para a Covilhã, e já lá não resido.
Vinte e dois meses guardam em si mais histórias que aquelas que quero, ou que posso, contar num espaço tão reduzido como este. Vinte e dois meses de saudades por um local que todas as semanas ansiava por abandonar. Vinte e dois meses de convívio, de amizade. Vinte e dois meses de muito mais do que podia esperar.
Tivesse seguido à risca o plano que me tinham delineado e ainda teria mais dois meses de Covilhã, de Comunicar Ciência, de Beira Interior, pela frente. Mas era hora de partir. Na verdade, essa hora já tinha passado há muito. Talvez em Outubro, talvez em Maio. Mas de algo estou certo. Não havia outro sítio, outro local, outra casa, ou outra cidade que não a Covilhã. Ao longo destes vinte e dois meses era lá que eu tinha que estar. Era lá onde eu tinha que viver. Já era tarde para Ovar, e ainda muito cedo para Coimbra. Porto e Faro eram boas recordações. E Lisboa. Lisboa era tudo isto. Tudo isto e algo mais que ainda não sou capaz de compreender.
Hoje sei que tenho saudades da Covilhã. Saudades de entrar no LabCom. De ouvir o Sousa a perguntar se era feliz, ou se me encontrava bem. Dos almoços com a Sara e o Rodolfo, e das sessões de terapia que lhe oferecíamos entre um prato qualquer e umas Papas de Carolo. De coleccionar Legos com a Ana e a Cristina. Das sessões de cinema do Fernando. Das noites divididas entre o Japonês e a Taberna. Das particularidades de cada pessoa que conheci. Enfim, da Covilhã.
Nunca te vi como mais que um degrau na longa escada que ainda tinha por percorrer. Assim foste, e assim serás relembrada. Foste aquilo que precisava, quando precisava. Uma solução, uma oportunidade. Um retiro, uma viagem. Uma experiência, uma necessidade. A única constante. A minha casa fora de casa.
Faz hoje dois anos que me mudei para a Covilhã. Faz hoje dois meses que de lá me despedi. Obrigado Covilhã. Obrigado pela dureza do teu Inverno. Obrigado pelo acutilante calor do teu Verão. Obrigado por seres igual a ti própria. Pela frieza do teu raciocínio. Pelo realismo do teu sentimento. Enfim, obrigado e adeus. Adeus, Covilhã. Até sempre.
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