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4 de Julho de 2007. Era de madrugada e estava a recuperar de uma noite dividida entre o recinto do festival Super Bock Super Rock e o chão da Gare do Oriente. Ainda faltava algum tempo para o comboio mas a fome já apertava. Devia passar pouco das sete da manhã. A única coisa que estava aberta era o Modelo 24 no ventoso andar de baixo. Alguns jornais já tinham chegado, mas fora isso a prateleira de imprensa estava praticamente vazia.
Fui a Lisboa com um grupo de colegas da faculdade para ver os concertos do dia anterior. O cartaz era um dos melhores que já tinha visto. O dia 3 de Julho completava-se com Arcade Fire, Bloc Party , The Magic Numbers, Klaxons, The Gift, Bunnyranch e Y?. Passámos grande parte da tarde e a noite inteira na primeira fila, apenas com pausa para jantar durante o concerto dos The Gift. Após tantas horas de pé só queria poder deitar-me numa cama confortável repleta de quentes cobertores.
Tal ainda estava a algumas horas de distância quando decidimos entrar no Modelo 24 para tomar o pequeno-almoço. Não me lembro do que comi, talvez um donut, um lanche, ou um outro bolo qualquer. Mas lembro-me que bebi um Ucal. Talvez essa memória também se teria perdido não fosse esse o último Ucal que eu voltaria alguma vez a beber.
Nunca tive o hábito de beber leite com chocolate. Todas as manhãs, quase como ritual, comia um prato de cereais ao pequeno-almoço. Na maioria das vezes as minhas escolhas recaíam sobre Chocapic, Nesquik ou Crunch. Daí não ter necessidade de acompanhar com leite achocolatado o leite que, pelos cereais que o acompanhavam, já por si o era.
Raras foram as vezes em que bebi Ucal. Aquecido, natural ou fresco. Adorava esse pedaço de céu engarrafado. Contudo, tal como a Nutella, apenas o bebia em certas e determinadas situações. Como quem diz, sempre que uma oportunidade surgia, mas, infelizmente, era difícil tal acontecer.
Passados três anos, em Março de 2010, descobri que era intolerante à lactose. Uma condição muitas vezes alvo de gozo pelos comediantes devido a algumas das suas consequências fisiológicas.
Ao contrário das alergias, embora as intolerâncias impliquem uma forte má disposição do meu sistema digestivo, podendo resultar em irritações ou até mesmo em úlceras, posso continuar a consumir alguns produtos lácteos desde que o faça pontualmente e com extrema moderação.
Infelizmente esta minha descoberta não se deu por acaso. Esta condição aliada ao stress, maus hábitos alimentares e horários desregulados, obrigou-me a passar umas duas semanas de cama e a tomar uns quantos comprimidos durante pelo menos dois meses. Perdi sete quilos e passei por um dos períodos de maiores dores que alguma vez tive.
Desde então, deixei de consumir produtos fortes em lactose. Leite, manteiga, iogurtes, queijo e natas. É espantosa a quantidade de produtos que contém derivados de leite. Não são apenas os bolos e as bolachas mas também os gelados, os pudins e as gomas. Até mesmo a Nutella tem vestígios de lactose.
Motivado pela minha paixão por francesinhas e pela minha missão de encontrar a melhor francesinha fora do Porto, a cada dois ou três meses arrisco-me a comer uma. Evito comer o queijo, embora lá dê uma trinca ou outra.
Também não deixei de comer bolos, se bem que, sempre que possível, tento evitar usar leite ou manteiga na sua confecção. Substituí a manteiga pela planta e o leite pelo leite de soja, ou, como já me corrigiram, pela bebida de soja. Pelo menos assim terei que dizer até ao dia em que descubra um método de ordenhar a soja.
Costumava beber um iogurte todos os dias depois do almoço. Agora já não o faço. Como sempre um kiwi, uma tangerina ou uma maçã. Gelados, de longe a longe e apenas no Verão. Até o Bacalhau com Natas já não faz parte da minha ementa. A menos que estejamos a falar do famoso Bacalhau com Natas do Paulo cujo ingrediente secreto é o facto deste se esquecer das natas.
Já a Nutella não consigo deixar, ou não fosse eu doido por ela. Mas apenas a como na Primavera ou no Verão. A minha casa não tem aquecimento central portanto, durante o Inverno, é impossível manter a Nutella no seu estado cremoso. Podia comer Nutella dura? Podia, mas não é a mesma coisa.
Sou intolerante à lactose e não toco num copo de Ucal há quase seis anos.
Após o pequeno-almoço apanhámos o inter-cidades para o Porto. Saí em Espinho enquanto os meus colegas seguiram viagem. Até nisso tive o azar deste comboio não parar em Ovar. Do resto do dia, de pouco ou nada me lembro. Cheguei a casa, deitei-me, adormeci e eventualmente acordei.
Uma viagem de regresso como qualquer outra, num dia que, para além das memórias da grande noite de concertos, ficou para a História como a última vez que bebi Ucal.