Imagem: Cat Ghost Comics |
“Não existem segundas oportunidades para criar uma boa primeira impressão”. Cliché. Lugar-comum. Frase feita. Ou outro qualquer sinónimo. É este o primeiro pensamento que ocorre sempre que nos deparamos com esta afirmação. Embora esta frase seja verdadeira na sua natureza mais simples, bastando para isso seguir a lógica ordinal da sua premissa, não passa de um desperdício de letras sempre que a encontramos num guia sobre entrevistas de emprego.
Já todos lemos inúmeros artigos sobre como preparar uma entrevista de emprego. Seguimos atentamente os cinco, dez, quinze ou infinitos passos necessários para impressionar um potencial empregador. Motivados por necessidade, inexperiência, ou simples curiosidade, lemos cada conselho até à última linha. Artigo, após artigo, chegamos à conclusão de que no fim dependemos sempre de nós próprios. Do nosso à vontade e da nossa capacidade de dar a volta às questões.
A gramática da imagem
Tenho a sorte de na minha área ser incentivado um dress code casual. Com a excepção de certos eventos formais, o dia-a-dia não exige a obrigatoriedade de usar um fato, embora, como seria de esperar, também não é aconselhado sermos desleixados ao ponto de aparecermos de pijama ou com algo que revele de forma óbvia a nossa posição perante uma certa subcultura. Entre um empresário e um metaleiro, algum meio-termo se há-de arranjar.
Numa entrevista de emprego devemos ter uma noção realista das normas de visual aplicadas dentro da área à qual nos candidatámos. Se no meu caso apresentar-me de fato seria um erro, devendo assim optar por uma roupa simples, igual àquela que usaria num dia normal, tal pode não se aplicar em empregos que exijam uma apresentação mais formal. Contudo, aí levanta-se a questão: Como podemos ser nós próprios se somos forçados a vestir algo no qual nos sentimos desconfortáveis?
O simples facto de te sentires desconfortável com aquilo que trazes vestido já é um ponto negativo. Se a priori já sabes que vais ter que te apresentar de uma certa forma, deves habituar o teu corpo a sentir-se confortável dentro desse visual.
Devem-se lembrar da velha superstição de que nunca se deve estrear roupa nova no dia de um exame. Tal como toda a sabedoria popular, mesmo a mais duvidosa, tem algo que se lhe diga. Ao estrearmos uma peça de roupa nova, principalmente se estivermos a falar de calçado, o nosso corpo vai estranhá-la ao início. Vamos sentir um ligeiro desconforto por este elemento novo ser diferente daquilo a que estamos habituados e esse mesmo desconforto vai criar uma situação de instabilidade emocional que, por mais ligeira que seja, vai sempre ter influência na nossa postura, na nossa concentração, mas, acima de tudo, no nosso à vontade.
Como no caso dos exames, também não devemos levar roupa por estrear para uma entrevista de emprego. Com isto não quero dizer que devemos usar roupa velha, mas se quiserem impressionar o vosso empregador com um vestido novo ou com um fato acabadinho de comprar, usem-no pelo menos uma vez antes da entrevista. Sem querer cair no lugar-comum de tornar este artigo em mais uma lista de conselhos para ter sucesso numa entrevista, a verdade é que este é um ponto importante que nem sempre é abordado. O potencial empregador vai-se aperceber imediatamente do vosso desconforto. Isto abre a porta para toda uma série de preconceitos que não irão abonar em vosso favor.
É de esperar algum nervosismo, principalmente para aqueles que acabaram de sair da faculdade e que se encontram pela primeira vez nestas andanças. Mas não há nada pior do que darem a entender que sofrem de alguma espécie de mal-estar e que não conseguem sentir-se à vontade com esta situação.
“Onde se vê daqui a cinco anos?”
Possivelmente a pergunta que mais vezes aparece nessas “receitas” de sucesso. Não sei se existe algum livro ou manual que todos os empregadores são obrigados a ler com uma lista de perguntas que devem ser feitas. No meu caso, apenas por uma vez me fizeram as habituais questões que todos conhecemos. “Quais são os seus passatempos?”; “Qual a sua principal qualidade? E defeito?”; “Se se pudesse descrever em uma palavra qual seria?”, etc. Infelizmente, foi na minha primeira entrevista. Dizer que correu de forma desastrosa é ser simpático comigo próprio. Não é que não estivesse preparado para este tipo de questões, mas cometi erros de principiante que no fim fizeram-me questionar se não era algum personagem estereotipado numa sitcom banal que não conseguiria ser renovada no final da primeira temporada.
Mas essa experiência foi suficiente para melhorar a minha postura daí em diante. E a verdade é que fora um ou outro caso, não posso dizer que tenha voltado a ter uma entrevista que tivesse corrido mal.
É certo que nunca mais me deparei com esse tipo de questões, mas mesmo assim não fui poupado a algumas inquisições difíceis. Na maioria dos casos, apenas me faziam perguntas sobre o meu background e sobre aquilo que me motivava a querer trabalhar naquele lugar e naquele emprego em específico. Mas alguns acrescentavam uma ou outra ratoeira. A última que foi capaz de me surpreender foi quando me perguntaram sobre como me sentiria se ficasse em segundo lugar. Suspeito que esta questão procurava perceber o quão motivado eu estaria para conseguir aquele emprego. Na altura optei por ser honesto e afirmar que apesar da frustração que mais do que provavelmente iria sentir, “a vida continua”. Sim, eu caio nestas frases feitas de vez em quando, principalmente se me colocarem sobre pressão criativa.
Hoje penso que essa talvez não seria a resposta mais adequada, contudo, visto que se tratava de um emprego com algumas exigências técnicas acima daquelas que actualmente possuo, não creio que tivesse sido um factor determinante no facto de eu não ter ficado com o lugar.
Heineken dá o exemplo
Por mais que nos tentemos preparar para uma entrevista a verdade é que no fim a única coisa que podemos esperar é o inesperado. Lá estou eu outra vez a cair em mais um cliché, mas devem concordar que com este tema é difícil não o fazer.
A meu ver não há melhor exemplo disto que o mais recente método de recrutamento da Heineken. Método esse que acabou mesmo por se tornar num vídeo viral com algum sucesso nas redes sociais.
O procedimento começa de uma forma aparentemente normal. O candidato chega, apresenta-se e aguarda pelo entrevistador. A partir do momento em que este se apresenta tudo deixa de ser previsível. Em um dos casos o entrevistador deu a mão ao candidato e levou-o pela mão, como se de um casal apaixonado se tratasse, até ao gabinete da entrevista. Lá, questionou-o sobre se aquele gesto o tinha feito sentir confortável. A seguir ao “sim” desonesto do perplexo candidato o entrevistador respondeu-lhe da seguinte forma: “A sério? Você é um tipo muito estranho”.
Seguiram-se desmaios, birras e alertas de incêndio. Situações inesperadas de emergência que colocavam o candidato sob stress e forçado a agir por instinto. Como teste final, o candidato era convidado por um grupo de bombeiros a segurar numa rede para apanhar uma pessoa que se ia lançar de um prédio em chamas. Nem todos deram resposta ao apelo dos bombeiros, limitando-se apenas a observar e a esconderem-se no meio da multidão.
Todas estas entrevistadas foram filmadas, editadas e colocadas no site interno da Heineken para que os próprios trabalhadores da empresa pudessem votar no melhor candidato. Uma espécie de reality show interno. O candidato mais votado foi o escolhido para o lugar.
O próprio anúncio de que este tinha sido aceite foi feito, como não podia deixar de ser, de uma forma completamente inesperada. Momentos antes de um jogo da Juventus para a Liga dos Campeões o candidato entrou no estádio juntamente com a equipa responsável por abanar a lona com o logótipo da Liga dos Campeões no centro do relvado. Agarrado à enorme lona da mesma forma que se tinha agarrado à rede dos bombeiros, o candidato viu o seu nome e uma mensagem de parabéns aparecerem no ecrã gigante do estádio. Imaginam-se a ser aplaudidos por 40 mil pessoas no meio de um campo de futebol enquanto vos é anunciado que conseguiram o emprego que desejavam? Duvido que nos seus sonhos mais íntimos aquele candidato alguma vez tivesse imaginado uma situação destas.
Por mais que nos preparemos para uma entrevista de emprego a única forma de causarmos essa boa primeira impressão resume-se a sermos iguais a nós próprios e a sentirmo-nos confortáveis, não apenas connosco mas com o ambiente que nos rodeia. Esperar o inesperado. Visualizar-nos a ter o emprego. Frases feitas. Lugares-comuns. Clichés inúteis que de nada servem se apenas tentarmos mostrar algo que não somos.
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