Foto: Adriano Cerqueira |
Sonhar. Ao longo dos anos conheci várias pessoas que íntima ou, até mesmo, publicamente me confidenciaram os seus sonhos de carreira profissional. Enquanto muitas não passavam de meros clichés entediantes, algumas destas histórias tocaram-me, quer pela paixão, quer pela motivação que as suas palavras transpareciam.
Fizeram-me acreditar que elas seriam capazes de tornar os seus sonhos em realidade e por momentos, eu próprio senti-me parte das suas soberbas missões. Mas quando a conversa caía inevitavelmente sobre mim, nada tinha para lhes dizer. Cheguei muitas vezes mesmo a inventar alguma coisa em cima do joelho só para não sentirem pena por mim ou para não pensarem que sou demasiado reservado. A cruel verdade é que não tenho nenhum sonho a nível profissional, nem tão pouco sou capaz de dizer qual a área em que gosto mais de trabalhar, ou quais as funções que mais gosto de exercer.
Lembro-me de uma aula de apresentação de uma cadeira na faculdade. Num anfiteatro cheio, a professora perguntou a cada um de nós qual o seu sonho, ou, mais concretamente, onde gostavam de trabalhar. Imprensa, Televisão, Rádio, Assessoria, Cinema, Fotografia, foram as respostas mais comuns, cada uma parecia mais assertiva que a anterior. Estava sentado numa das filas do meio, portanto a minha vez demorou a chegar. Entrei em pânico quando me apercebi que ia ser o próximo. A pressão e a necessidade de responder forçaram-me a ser honesto. “Quero ser paleontólogo”, disse. Muitos se riram a pensar que eu estava a brincar com a situação. Mas a professora levou a resposta a sério e eu contei a velha história que sempre conto: “Desde pequeno que quero ser paleontólogo, mas gosto muito de escrever e de contar estórias, por isso decidi tirar comunicação. Sempre vi essa área mais como uma carreira para levar a sério, enquanto a paleontologia não passava de um hobby”.
Durante anos afirmei que quando acabasse a licenciatura iria voltar a estudar. Ia-me inscrever em Geologia e ao fim de três anos, tirar doutoramento em Paleontologia. Quiçá talvez não precisasse sequer de voltar a tirar uma nova licenciatura e pudesse ir logo para doutoramento. Mas quando a altura chegou, inscrevi-me num Mestrado em Multimédia, arranjei emprego e assim fiquei. Adiei o meu plano e hoje acho muito pouco provável que algum dia o venha a concretizar.
Quando ainda estava no meu primeiro ano de mestrado, cheguei mesmo a inscrever-me nos exames nacionais. Paguei cinco euros para fazer o exame de Biologia/Geologia que dava acesso ao curso que queria. Mas quando chegou a altura não o fiz. Disse a mim próprio que faltei porque tinha uma aula marcada para a hora do exame. Era uma aula de Gestão de Projecto. Essa cadeira apenas tinha três aulas temáticas e um plano de negócios. Faltei às primeiras duas aulas por serem à mesma hora das minhas aulas de Russo, mas fui à última sobre Marketing, no dia em que podia ter feito esse tal exame de acesso à faculdade.
Se olhar para trás estou perdido. Ainda me lembro como se fosse hoje. O momento em que preenchi a folha de candidatura para o ensino superior. Estava com a folha à minha frente, sozinho, num café em Aveiro. Tinha terminado de preencher a maior parte do documento, mas ainda me faltava completar duas opções. As únicas que importavam. Geologia ou Ciências da Comunicação? Não conseguia decidir. Liguei ao meu pai, ele aconselhou-me a optar por CC e assim o fiz.
Naquele momento podia ter escolhido o meu sonho, ou pelo menos aquilo que eu desejava desde criança, mas não o fiz. Não o quis fazer. No dia em que saíram os resultados das candidaturas sonhei que tinha entrado em Geologia. Lembro-me de acordar e de ficar feliz por esse sonho não se ter tornado realidade. Seria isto prova de que no fundo o meu sonho nunca foi verdadeiramente ser paleontólogo? A verdade é que deitei por terra todas as oportunidades que tive de seguir paleontologia. Mas se isto é verdade, porque estudei geologia ao longo do 12.º? Porque me esforcei tanto a fazer resumos e a estudar semanalmente para uma disciplina que não fazia parte do meu plano curricular? Como justifico o 18 que tirei confortavelmente no exame? E o facto de que se tivesse entrado teria a maior média de acesso daquele curso? Porque sabotei a única coisa para a qual me esforcei verdadeiramente em toda a minha vida? Não sei. Não sei. Não sei.
Preciso de um sonho. Preciso de algo no qual acreditar. A falta disso materializou-se numa profunda desmotivação, para a qual vários empregadores já me chamaram à atenção. Embora sempre tenha feito um bom trabalho em todas as empresas que representei. Sempre senti que faltava alguma coisa. Por mais elogiado que fosse, faltava sempre um brilho, uma chama, algo mais. Podia apenas ser por eu ser demasiado perfeccionista, mas nunca senti que se tratasse disso.
Tive alguns momentos em que me senti satisfeito com o resultado final. Momentos esses que me deram confiança e que me fizeram ir dormir com um sorriso na cara. Mas nunca senti que fossem suficientes. Talvez exija demasiado de mim próprio ou talvez procure uma satisfação utópica que o mundo real é simplesmente incapaz de me oferecer. Honestamente, não acho que seja isso. A resposta parece-me ser bastante mais simples: Estou insatisfeito com a minha vida profissional e sinto a necessidade de ter um sonho, de ter um objectivo. De acreditar em algo maior do que mim próprio e de lutar por isso, olhando para cada obstáculo como mais uma barreira a derrubar e não como algo finito e intransponível.
Ontem questionava-me sobre qual seria o emprego ideal. Um salário a rondar os três mil euros dentro da actual realidade económica portuguesa, um horário flexível – no sentido em que eu pudesse fazer as horas que me apetecessem, desde que os projectos estivessem prontos e entregues dentro do prazo, e não no sentido de fazer horas extra e trabalhar aos fins-de-semana como já me chegaram a propor –, e a possibilidade de viajar. Características utópicas, mas que são apenas isso, características. Podia estar a falar de um fotógrafo, de um realizador, de um camionista ou de um padeiro. Desejo características confortáveis e irreais, mas não uma função, não uma área. Há pessoas que aceitariam exercer o seu emprego de sonho por menos que o salário mínimo e com horários miseráveis e sobre-humanos. Já eu, não consigo escolher uma área, uma profissão, nem tão pouco uma actividade da qual possa dizer: “É este o meu sonho, é isto que me fará feliz para o resto da vida e que me fará sentir-me motivado ao acordar pela manhã”.
Não vivo desprovido de sonhos. Tenho sonhos pessoais pelos quais luto e que estou a caminho de concretizar. Mas sinto-me incompleto. Desequilibrado. Sinto a necessidade de ter uma carreira, um objectivo, uma profissão que me satisfaça. Preciso de sonhar e de descobrir aquilo que quero. Até ao dia em que o encontre, o mundo será sempre um lugar cinzento das nove às cinco com um cheque no final do mês. Sem brilho e sem chama, apenas dinheiro e privilégios. Preciso de uma vitória, não de pequenas conquistas. Preciso de acreditar, de algo que me dê confiança. Mais do que qualquer emprego, preciso desta resposta.
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