Wednesday, November 28, 2018

Toxicidade

Imagem DR

Há cerca de três anos decidi deixar o facebook. Esta decisão não foi assim tão simples pois, para mal dos meus pecados, uma das minhas funções na empresa onde trabalhava então era a de gestor de redes sociais.

Tive assim que chegar a um compromisso. Tinha que arranjar uma forma de continuar a usar o facebook sem me ausentar desta plataforma. A solução mais simples passaria por criar um perfil anónimo para gerir a página. Contudo, isto entra em conflito com a minha necessidade de usar o seu sistema de mensagens.

Na verdade queria deixar de usar a timeline do meu facebook, mantendo todos os restantes benefícios que esta plataforma proporciona.

Optei enfim por uma opção de compromisso. Mantive a minha conta activa mas, em vez de abrir esta rede social na sua página inicial, comecei a abri-la na página da empresa. Deixei de fazer novas publicações. Deixei de responder a comentários. Reduzi a minha interacção ao mínimo necessário para não perder o contacto com as pessoas que me são mais próximas.

Para não dar a impressão que tinha de facto deixado o facebook mantive a minha conta de twitter ligada ao meu perfil. Os meus tweets continuavam a ser publicados no facebook sem que alguém notasse alguma diferença. Mas, a seu tempo, também isto deixei de fazer.

Para todos os efeitos, deixei de usar o facebook. Este deixou de ser uma plataforma pessoal e passou a ser apenas uma ferramenta de trabalho. Continuei a alimentar e a gerir a página da empresa, e não deixei de publicitar os meus feitos profissionais, assim como o meu blogue e portefólio, na minha página pessoal.

Contudo, através desta simples acção, consegui libertar-me de uma das minhas principais fontes de ansiedade.

Deixar o facebook foi uma decisão que tomei para o meu próprio bem-estar e para o meu equilíbrio mental. Fora isso, não retirei grandes benefícios palpáveis deste acto. A minha produtividade continuou igual. Sempre soube gerir bem o meu tempo, mantendo-me activo nas redes sociais sem alguma vez falhar qualquer prazo. E, no fim de contas, apenas troquei o meu tempo no facebook por uma mais intensa participação no twitter.

Durante pouco mais de dois anos, a única vez que me atrevia a ir além das páginas que geria era para felicitar alguém pelo seu aniversário.

Usei este tempo para pensar sobre o que me movia contra esta rede. Por que me custava tanto visitar a minha timeline?

A resposta era simples. Por medo. Medo do que podia lá encontrar. Medo do conteúdo tóxico. Medo do sentimento que uma foto, uma notícia, ou um comentário, pudesse despertar em mim.

Uma noite, respirei fundo e decidi limpar a minha timeline de tudo aquilo que era tóxico. De tudo aquilo que era negativo. De todas as pessoas, páginas e eventos que transmitissem qualquer tipo de sentimento destrutivo ou derrotista.

Deixei de seguir todas as pessoas tóxicas. Todos aqueles contactos que dia sim, dia sim, têm algo de frustrante ou derrotista para partilhar. Deixei de seguir todas as pessoas incapazes de ter uma base de diálogo com alguém com ideologias diferentes das suas. Fossem essas políticas, filosóficas, religiosas ou desportivas.

Deixei de seguir todos aqueles que associava a más memórias, momentos, ou recordações. Excepção feita apenas a quem estava lá para mim nesses momentos.

Mas também deixei de seguir algumas pessoas cujo perfil não encaixa nas mais comuns definições de toxicidade. Deixei também de seguir pessoas excessivamente felizes.

Lamento, mas não quero saber dos vossos amores, e desamores, das vossas vitórias, e conquistas, dos vossos sucessos, e carreiras, das vossas viagens, e passeios.

No fim, mantive apenas o meu núcleo de amigos, alguns contactos profissionais, pessoas neutras com vidas normais, e personagens intelectualmente estimulantes, fossem elas académicas, ou simples contemporâneos que, independentemente das suas filosofias colidirem ou não com as minhas, sabiam estabelecer um diálogo digno com a sua oposição.

Não analisei cada contacto individualmente. Avaliei-os consoante o impacto emocional de cada publicação que aos poucos aparecia na minha timeline.

Timeline essa que passou a estar muito vazia. Dominada quase inteiramente por páginas, por notícias, e por artigos de opinião.

Virei-me então para os grupos. Para pessoas com interesses similares aos meus. Fossem estes profissionais, desportivos, ou de entretenimento. Neste momento são eles que dominam a minha timeline. Uns mais que outros é certo, mas todos os dias mantenho-me a par das mais diversas novidades sobre os principais temas que me interessam.

Os restantes contactos não passam agora disso. São apenas uma bola verde no Messenger, de nenhuma forma diferentes de um qualquer número numa lista telefónica. Um pequeno preço a pagar por uma lufada de ar fresco no meu constante combate contra a ansiedade.

Consegui fazer isto sem me fechar numa bolha. Sem me recolher em um círculo de opiniões em comum. Todos os dias participo em conversas interessantes com pessoas que pensam diferente de mim. A maioria delas no twitter, claro, a discussão intelectual há muito que abandonou o facebook.

Os temas hoje em dia são as notícias falsas, a desinformação, a fraca qualidade dos media, e as típicas polémicas do dia-a-dia que tão depressa surgem, como desaparecem.

Continuo a usar o facebook esporadicamente. Já não estou na mesma empresa mas continuo a gerir redes sociais. Evito comentar qualquer publicação fora dos grupos onde sou membro activo. Limito-me a dar os parabéns a alguns contactos e a usar o Messenger para falar com os meus amigos.

O resto? O resto deixou de estar à distância de um clique.

Monday, November 19, 2018

Sem tempo, Sem dinheiro, Sem princípios: O jornalismo em Portugal

Imagem DR

Nunca os níveis de desconfiança nos media estiveram tão altos em Portugal e no Mundo, e nunca a qualidade do jornalismo foi tão baixa como é hoje. Os jornalistas são hoje um alvo constante de críticas e de audíveis protestos nas redes sociais, nas caixas de comentários dos seus próprios sites, em fóruns públicos e privados, junto das mais diversas instituições, e até mesmo pelos seus próprios colegas.

Nunca o seu trabalho foi tão esmiuçado, avaliado e exposto. Nunca estiveram estes tão pressionados pelo escrutínio da opinião pública. Nunca esta opinião pública reagiu tão a quente. Nunca esta opinião pública foi tão pouco exigente com a qualidade dos factos que partilha entre si.

Ser jornalista significa viver entre uma dicotomia constante de um público que exige qualidade de informação, ao mesmo tempo que a protesta quando a mesma não se insere na sua própria narrativa.

Ser um profissional da comunicação perante um cliente tão bipolar, acrítico e reactivo, nunca foi tão difícil. Nunca foi tão complexo. Nunca foi tão exigente.

Nunca foi tão preciso, tão necessário, que os media respondessem a isto com mais e melhor conteúdo. Com reportagens profundas e imparciais. Com recurso a especialistas conceituados. Com um cortar de relações com os poderes instalados, com os charlatões e com os vendedores de banha da cobra.

No entanto, o caminho escolhido foi o oposto. O do imediatismo. Da notícia de última hora. Do exclusivo. Do sensacionalismo. Do click bait.

Ao vivermos de perto a realidade das redações, ao conhecer os interesses que movem os seus editoriais e as suas direcções nada disto é surpreendente. É surpreendente sim o silêncio. O silêncio ensurdecedor de uma classe que não se manifesta. Que não se opõe. Que não critica. Que não procura cortar com o marasmo do ciclo noticioso. Que não pára para respirar.

E, apesar de tudo isto, muitas vezes a culpa é mal dirigida. É impossível pedir mais a um jornalista que vive com pouco mais de setecentos euros por mês. Que chega a trabalhar turnos de dez a doze horas seguidas sem direito a horas extra. Que está sujeito à pressão do tempo. À pressão dos editoriais. À pressão da viralidade do seu próprio conteúdo.

É difícil pedir mais a alguém que vive uma situação precária. Que está há anos a recibos verdes. Que todos os dias chega à redacção sabendo que este pode ser o seu último.

Não é justo pedir a um jornalista para pensar quando a sua mente está ocupada com as contas que tem para pagar, com o stress que tudo isto causa na sua família e nas suas relações.

Quando não basta seres bom, quando não tens tempo para escrever, quanto menos para pensar, quem sofre é o conteúdo. Conteúdo esse que muitas vezes não passa de uma nota de imprensa replicada. Do relato unilateral de uma única fonte. De pouco mais que frases feitas que alguém disse para fazer passar a sua mensagem.

Não, não culpo o jornalista comum. O jornalista comum não tem tempo. Não lho dão. O jornalista comum não tem voz. Não o deixam falar. O jornalista comum não tem segurança. O salário dele quer-se baixo. Ele tem que sobreviver, não que viver. O jornalista comum não tem saúde. Sem dormir, sem parar, sem respirar. O jornalista comum não tem tempo para a família. Sempre em piquete. Sem férias. Sem descanso.

É esta a realidade de uma classe que vê os seus melhores profissionais a mudarem de carreira mal saem da universidade. É esta a realidade de uma classe cujo trabalho é julgado em praça pública onde todos somos júri, juiz e executor, sem direito de resposta.

Os poucos que ainda conseguem viver desta profissão. Aqueles que têm tempo para pensar, para pesquisar, para encontrar as fontes, para ouvir os intervenientes. Esses são cada vez menos. Cada vez mais raros e cada vez mais cansados para se preocuparem com as questões mais estruturantes da sociedade actual.

Os restantes estão limitados pelas próprias direcções. Onde antes apenas se respeitava o estilo editorial imposto pela filosofia do próprio meio, hoje temos o bloqueio do capital. Um jornal não pode ousar publicar uma notícia negativa sobre a sua empresa mãe ou sobre um patrocinador. Não sem arriscar fechar portas ou despedir pessoal.

Se for possível, tal notícia será abafada por tempo indeterminado, ou remetida a um canto obscuro de uma secção que ninguém lê. Se a concorrência decidir publicá-la, terão que esperar por ordens dos intervenientes antes de seguirem com a sua divulgação.

Em tempos os jornalistas trabalhavam com gabinetes jurídicos do próprio jornal. Se uma notícia era efectivamente complexa, pediam conselhos, recolhiam todas as fontes, e só depois a publicavam. Hoje, é tudo para ontem. Os factos são alternativos. E o que não interessa, não aparece.

Por vezes, nem sequer há uma real malícia por parte da direcção, mas uma simples protecção da sua fonte. Sem entrar em clubismos, basta olhar para como os jornais desportivos cobriram a investigação do fisco espanhol às contas de Jorge Mendes.

Jornais que vêem neste empresário uma fonte importante de furos e de notícias de última hora, corriam o risco de perder o exclusivo se tentassem publicar algo sobre o tema. Questionados sobre o seu silêncio por jornalistas espanhóis, alguns editores apenas responderam “não nos arranjem problemas”.

É esta permissividade entre os poderes instalados, as grandes instituições e os testas-de-ferro do grande capital, que polui e destrói a credibilidade editorial dos principais meios da nossa praça.

É por isso que cada vez mais nos voltamos para blogues, para projectos independentes como o Fumaça, e para barómetros de coerência e acuidade como o polígrafo e Os Truques da Imprensa Portuguesa.

Estes espaços são neste momento os principais instrumentos de democratização da informação em Portugal. Estes espaços têm tempo. Espaço para respirar. Segurança. Qualidade. E, acima de tudo, procuram apenas informar, corrigir, alertar, ou até, só dar a conhecer.

Não dão tantos cliques. Não são tão virais. Os títulos não são tão chamativos. Mas a informação é real. É cuidada. É, apenas e só, baseada em factos. Em trabalho de investigação.

Deem tempo ao jornalista comum. Deixem-no respirar. Deixem-no trabalhar numa única peça por dia, se esta o justificar. Deem-lhe um salário digno. Tempo para si, para a sua saúde, e para a sua família.

Procurem por outras fontes de publicidade. Não tenham medo de cortar com um investidor se este vos forçar a impor a sua própria agenda.

Acima de tudo, sejam fiéis aos princípios que movem a nossa profissão.

Quando o jornalismo é livre, quando o jornalismo tem em si a voz dos factos e nada mais, somos todos vencedores.

Quando assim não é, a própria democracia e os direitos mais básicos são postos em causa.

O estado actual dos media não é surpreendente, mas é, e sempre foi, evitável. Basta aprender a dizer não.