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A criança portuguesa é excessivamente viva, inteligente e imaginativa. Em geral, nós outros, os Portugueses, só começamos a ser idiotas - quando chegamos à idade da razão. Em pequenos temos todos uma pontinha de génio.
Eça de Queiroz, Cartas de Inglaterra
Quando pensamos nos velhos tempos da escola primária, lembramo-nos dos tempos passados no recreio. Das amizades que se perderam. Das brincadeiras, das correrias para casa para ver os desenhos-animados, das idas à praia, das visitas de estudo, e da falta de preocupações. De um tempo em que o mais importante era brincar, crescer, e encontrar felicidade nas pequenas coisas do dia-a-dia. No doce que a tua avó te oferecia, no novo brinquedo que recebias, ou na lata que servia de bola nos intervalos.
As calorosas recordações que guardo destes tempos, preenchem o meu coração com um profundo saudosismo e fazem-me sorrir. Lembro-me de ir de comboio à feira de Espinho com a minha avó, e de ela me oferecer um guarda-chuva de chocolate naquela pastelaria da esquina da Rua 19. Dos carrinhos que a minha mãe me trazia do Porto quando chegava tarde do trabalho. De desfilar vestido de Computador de cartão no Carnaval das escolas, de ir à catequese na minha bicicleta verde. De fazer sopas com ervas colhidas na casa da minha tia-avó. De brincar aos Power Rangers com os meus amigos, e ser sempre o azul. Da exposição sobre Dinossauros que ajudei a organizar na minha escola em que todos os meus colegas participaram ao desenhar cada um, um dinossauro diferente. Lembro-me de ver o Dragon Ball, os Popples, os Ursinhos Carinhosos, o Em Busca do Vale Encantado. De não deixar passar um sábado sem gastar as quatro cassetes do Vale Encantado, desde o original até ao quarto. De brincar com dinossauros, legos, carrinhos. De aprender a jogar xadrez. De jogar monopólio com os meus pais. E daquela garagem que recebi no Natal e que parti quando tropecei em cima dela. Enfim, dos momentos felizes que marcaram a minha infância.
Lembro-me que a ideia de crescer sempre foi algo que não me agradou, queria continuar a ser criança, a usar a minha imaginação, e a brincar. Não queria parar de brincar só porque tinha de crescer. No fundo do meu coração desejava ser uma espécie de Peter Pan. Eternamente jovem. Eternamente feliz.
Há uns anos tive uma discussão com uma colega de curso sobre a diferença geracional que existia entre a minha geração, e a das pessoas dois anos mais novas que eu. O argumento dela era que uma diferença geracional não podia ser definida dentro de um espaço de tempo tão curto. Embora de um ponto de vista sociológico me veja forçado a concordar com ela, a verdade é que houve muitas, talvez pequenas, mas muitas diferenças entre as pessoas que nasceram no mesmo ano que eu, e as gerações que se seguiram.
Na minha escola primária nós não frequentávamos o 1.º Ciclo, nem o primeiro, segundo, terceiro ou quartos anos tinham esse nome. Eramos alunos da escola primária, da primeira à quarta classe. Tínhamos um crucifixo por cima do quadro de ardósia, e todas as manhãs, mal a Professora chegava, levantávamo-nos das secretárias e rezávamos uma Avé Maria antes de a aula começar. Quem não fazia o trabalho de casa, ou quem fosse mal comportado, levava uma reguada e ficava sem recreio. Prática que se extinguiu pouco tempo depois de eu ter avançado para o 5.º ano, mas que ainda hoje defendo. Apesar de tudo, quando bem aplicada, um pouco de disciplina apenas ajuda uma criança a crescer, e não o contrário. Nós respeitávamos a nossa Professora, não pelo medo da dor de levar uma reguada, mas pela pessoa em si, e pela forma como nos ensinava as bases responsáveis por sustentar o nosso conhecimento, e o nosso crescimento, como estudantes e como pessoas.
Já nos tempos do liceu, actual secundário, enquanto eu era uma espécie de proto-hipster que gostava de bandas pouco populares e que tiveram o seu auge nos anos 70/80 ou inícios da década de 90, como New Order, Joy Division, Happy Mondays, Sex Pistols, The Doors, The Smiths, Pink Floyd, The Cranberries e Nirvana, a maioria dos meus colegas limitavam-se a seguir a música pop da altura e o hip-hop banal sem qualquer mensagem ou sentido profundo.
Enquanto eu lia Stephen King, Saramago, Pessoa, Arthur Conan Doyle e Oscar Wilde, eles deixavam-se adormecer nas aulas de Português e mostravam pouco interesse pelas experiências literárias que lhes eram ali apresentadas.
Tive o meu primeiro computador aos oito anos, um Pentium 100 sem ligação à Internet. Apenas o usava para brincar com o paint, escrever algumas coisas em Word, e jogar alguns jogos. Nunca fui grande fã de jogos de vídeo. Tive uma Sega Master System II e uma Playstation, mas raramente as usava, sempre preferi jogos de tabuleiro e desportos. Gostava de nadar e de fazer bodyboard, e cheguei mesmo a tentar implementar uma rotina semanal para jogar jogos de tabuleiro com a minha família, mas não pegou. Neste aspecto faltou-me sempre ter amigos mais próximos que pudesse convidar para irem lá a casa, ou um irmão/irmã, que se interessasse por este tipo de coisas.
Tinha 15 anos quando recebi o meu primeiro telemóvel, e mesmo nisso fui algo precoce. Tive que esperar por 2004 para enfim ter ligação à Internet de banda larga. Passei pelos chats do aeiou, pelo mIRC, pelo MSN Messenger, pelo hi5 e pelo MySpace. Aprendi a fazer contas aos escudos e não aos euros, fui à Expo 98, e fiquei admirado como uma exposição em Lisboa podia rivalizar com o tamanho da minha própria cidade.
Enfim, tudo isto, coisas que evoluíram a um ritmo alucinante nas últimas duas décadas e que para quem nasceu dois, três, ou quatro anos mais tarde, já faziam parte da História quando começaram a reconhecer o Mundo que as rodeava. Por não terem passado por isto, por não terem vivido estes momentos, ou por estes não passarem de vagas recordações na mente de uma criança de oito ou seis anos, por tudo isto, é que, para mim, existe uma grande diferença geracional, visivelmente vincada nos comportamentos e na forma de pensar daqueles que nasceram poucos anos depois de mim, mas que não passaram por o mesmo que eu.
Hoje, ser fã de Joy Division é quase um lugar-comum, contudo, no meu tempo era apenas e aqueles que tinham efectivamente vivido a Madchester e a era dourada da Factory Records enquanto esta estava a ocorrer. Para mim, foi preciso esperar pela faculdade para encontrar alguém com gostos musicais, literários e artísticos semelhantes aos meus. Pessoas com uma cultura musical muito mais avançada do que eu podia imaginar para alguém da minha idade, e outros exemplos que facilmente se difundiram nos anos que se seguiram, muito graças à crescente facilidade no acesso à Internet.
Com isto não quero afirmar que a minha geração é melhor que aquelas que se seguiram. Só pretendo vincar esta clara diferença geracional que talvez apenas aqueles que estão do meu lado conseguem ver de forma clara. A verdade é que quem nasceu depois de nós, quem não viveu as mesmas experiências, quem não presenciou a evolução da sociedade e da tecnologia, que nós presenciámos, toma hoje como garantido muitas coisas que nós sempre valorizámos. E isto reflecte-se na forma como encaram a vida, e aqueles que os rodeiam.
Não somos melhores, ou piores. Não existe certo, ou errado. Apenas duas gerações diferentes, semelhantes em certos aspectos, e muito próximas nas idades, mas distintas nos pormenores. Distintas naquilo que, por mais pequeno que seja, faz muita diferença.
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