Quiosque Santa Camarão, Ovar |
O que a Cidade mais deteriora no homem é a Inteligência, porque ou lha arregimenta dentro da banalidade ou lha empurra para a extravagância.
Eça de Queirós
As cidades são ecossistemas vivos em constante mutação. Evoluem, adaptam-se, crescem, e transformam-se. Adequam-se às necessidades da sua população, e da tecnologia que a sustenta. Moldam a geografia dos seus arredores, e convivem em simbiose com a caótica azáfama do dia-a-dia.
Contudo, este desenvolvimento nem sempre é sinónimo de melhoria. Como acontece com a própria Natureza, também a evolução urbana está repleta de exemplos de tentativas falhadas, de projectos inacabados, de ramos extintos, e de mutações erráticas que provaram ser fatais.
Ao longo da nossa vida, assistimos a diversas mudanças em edifícios e locais que, em tempos, nos pareciam constantes, imutáveis, e eternos. A escola que fechou, o parque infantil que deu lugar a um grupo de condomínios, ou a praça que em tempos verdejante, agora não passa de um largo cinzento.
Para mim, um desses locais é um velho quiosque de madeira que há muito deixou de existir. Lembro-me dos finais de tarde de Primavera com o Sol a brilhar nos raios das rodas da minha bicicleta. Rasgos de calor que envolviam os nossos pés, cansados de um longo dia passado na escola.
Passava por aquele quiosque todos os dias. Sempre à distância, fora o ocasional impulso de comprar cromos, guloseimas, ou se alguma colecção me aliciasse a curiosidade. Mesmo assim, ainda era um dos seus clientes mais assíduos.
As suas janelas não precisavam de estar abertas, o simples facto da sua fundação permanecer ali, dava outra alma àquela praça. Era também ele parte da personalidade daquele local. Um ícone constante do caminho que todos os dias fazia entre a minha casa e a escola.
Infelizmente, também ele foi vítima do tempo. A desculpa podia ser a do costume. Ter um quiosque é um negócio arriscado e muito pouco lucrativo, não seria estranho para ninguém que este acabasse por fechar. Contudo, não foi este o motivo que ditou a sua extinção, mas sim a construção de uma estátua.
Diz-se que é uma espécie de estátua. Na verdade, não passa de um mural dedicado a um pugilista em tempos com fama mundial, que, por acaso, vivia naquela mesma praça. O quiosque foi demolido para dar lugar a essa obra, que peca por ser feia, pela sua degradação, e por não se enquadrar com o espaço que a envolve.
Aquela praça que em tempos era visitada por pessoas desejosas de comprar o seu jornal, é agora um espaço esquecido. Uma cápsula do tempo, em perpétua deterioração. Do quiosque apenas restam algumas marcas na calçada. Fora a dita estátua, apenas um velho crucifixo e o esqueleto de uma cabine telefónica decoram o local, rodeado por árvores e alguns lugares de estacionamento.
Sempre que por lá passo, deixo-me envolver por um profundo sentimento de saudade, e de raiva pela falta de visão que tiveram. Ainda havia espaço para manterem lá o quiosque. Este podia ter sido transformado numa esplanada. A praça podia ainda hoje respirar com vida.
Em vez disso, ela é agora um espaço desolado, esquecido, uma sombra daquilo que já foi.
A evolução das cidades traz com ela muitas coisas positivas. Escolas, hospitais, parques urbanos, centros culturais, melhores acessos, e novos espaços de convívio, e de recriação. Contudo, o crescimento urbano não pode esquecer a identidade dos locais. Deve sim, ser feito com estratégias de reabilitação e com objectivos que possibilitem dar uma nova vida ao local.
Como esta, há muitas praças iguais. Não deixem que estas se percam nas memórias dos seus habitantes, dêem-lhe cor, animem-nas, inovem e enriqueçam-nas. Nas ruínas de um quiosque perdido, construam novas recordações.
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