Imagem DR |
Há uma linguagem em extinção. Uma série de códigos, abstracta e autónoma que, tão depressa como surgiu, enfim desvanece para o esquecimento. Uma morte tão silenciosa como a sua própria origem.
A ascensão das redes sociais ditou o fim do anonimato, das chat rooms, do IRC, da linguagem SMS e dos códigos que a acompanhavam. Há quanto tempo não vêem a expressão “de onde teclas”? Questionar a idade, a localização ou a aparência de alguém, deixou de ser rotina, para passar a mera redundância.
Não nos escondemos por trás de alcunhas, de tipos de letra arcaicos, ou de avatares. Estamos ali, sempre presentes, iguais a nós próprios, sem segredos, ou privacidade, sem mistério. Eternas vítimas das primeiras impressões que uma foto, ou um perfil, criam na outra pessoa. Condenados a batalhar contra os preconceitos que daí advém, para podermos quebrar essa barreira invisível que nos separa daqueles que queremos conhecer.
Antes era mais simples. Apenas falávamos. Nada sabíamos sobre a outra pessoa. Podíamos ser quem quiséssemos. Podíamos ser completos estranhos, opostos de quem realmente somos. Podíamos ser aquilo que desejávamos ser. O culminar dos nossos sonhos ainda por realizar. Ou, podíamos apenas ser iguais a nós próprios.
Ninguém consegue manter uma máscara de forma permanente. Aos poucos revelamos quem somos, mesmo para aquele estranho escondido por trás de um ecrã. Despimo-nos de preconceitos, largamos a nossa bagagem, e qualquer espécie de ansiedade que pudéssemos sentir, e começamos a escrever. A contar estórias, a partilhar momentos, música, livros, filmes, e experiências.
Apaixonamo-nos pela alma da pessoa, pelas longas conversas, pelo seu sentido de humor, e por aquela vontade que nos impele a regressar. A aguardar por aquele ícone verde, por aquele aviso, por aquela luz, por aquele som que faz o nosso coração dar um salto e que preenche a nossa a face com um sorriso parvo.
Tudo isto apenas possível, porque não julgamos a pessoa pela sua aparência, porque não fomos assolados por uma onda de informação perfilada aleatoriamente numa simples pesquisa pelas suas redes sociais.
Não foi só uma linguagem que se extinguiu com o desaparecimento do IRC, foi também uma filosofia de vida. A liberdade do desconhecido. A ausência de preconceitos, de psicanálise de antecipação, e de prospecção de mercado – termo que pessoalmente abomino.
Hoje não faz sentido perguntar de onde alguém tecla. A sua localização aparece na base do chat. As videochamadas permitem vislumbrar o local onde esta se encontra. Uma janela directa para o seu mundo privado. A idade, as fotos, os seus gostos pessoais, aquilo que ela leu, viu, onde esteve, com quem, onde trabalha, onde estudou, tudo à distância de um clique, sem sequer precisarmos de lhe dirigir uma única palavra que seja.
Este facilitismo, esta apologia do imediato, fez com que deixássemos de ter tempo para verdadeiramente conhecer alguém. Descartamos incontáveis conversas à partida com base em noções pré-estabelecidas, que podem até não corresponder à realidade.
Estamos expostos e vulneráveis. Somos julgados a cada pedido de amizade, não por aquilo que dissemos, mas por uma análise superficial e fútil daquilo que partilhamos. Somos vítimas da revolução social da internet, e somos hoje tão inseguros atrás de um ecrã como qualquer pessoa num bar, ou em um outro qualquer evento social. Perdemos a liberdade de sermos julgados com uma mente aberta, apenas pelas nossas palavras, pelos nossos conceitos, pelas nossas experiências, e pelas nossas ideias. Somos hoje ignorados por aqueles que nos descartam antes do primeiro Olá. Mas será isso assim tão mau?
Se alguém nos julga pela aparência, pelos nossos gostos, ou por um outro elemento superficial. Se essa pessoa nos bloqueia, ou ignora os nossos contactos, será alguém que mereça a nossa atenção? Não. E o que nos moveu a dar o primeiro passo? Uma foto? Uma partilha de um gosto em comum? Uma convergência de ideologias? A sua popularidade? Ou apenas, simples curiosidade?
Quando nós próprios também nos deixamos emergir por esse jogo da Internet social, não somos diferentes daqueles que nos julgam. O anonimato é hoje um encanto perdido, relíquia dos tempos do IRC. Contudo, agora é mais simples descobrir as intenções de quem nos procura, e filtrar aqueles que não merecem o nosso reconhecimento.
Aquilo que perdemos em experiências, ganhamos em tempo. Resta-nos saber como, e com quem, o partilhar.
No comments:
Post a Comment