Ontem passei o dia a conter as lágrimas nos cantos dos olhos. Esforço inglório que apenas cedeu já muito após o soar das doze badaladas. Talvez não tivesse motivos para estar triste, mas sentir o contínuo fluxo de esperança a escapar-se por entre os meus dedos, por mais indiferente que seja a qualquer sensação a que os outros gostam de chamar de sentimento, há sempre algo que acaba por encontrar o seu caminho para a superfície, desencadeado pelo mais ínfimo pormenor.
Passaram várias semanas desde a última vez que pensei na minha incapacidade de sentir. No meu "vazio" que alimenta a possibilidade da verdadeira existência do nada. Tive um "daqueles dias", achava. Se calhar erro ao dar-lhe essa designação. No final de contas, foi um dia como tantos outros que, numa imparável sucessão, teimam em não me libertar.
Na verdade não lhe faço justiça, no balanço final nem foi um dia mau de todo, mas as vinte e quatro horas de uma quarta-feira, ou de qualquer outro dia da semana, são feitas de detalhes que demarcam o sentimento que prevalece sobre o que resta do dia.
Cheguei a casa às onze da noite, apesar da fome que implorava pelo jantar, ainda não habituada a uma rotina de ano e meio imposta todas as quartas-feiras por minha própria vontade e prazer, poucos motivos encontrava para apressar o regresso.
No caminho mantive as luzes desligadas enquanto guiava pela esquerda. Não sei porque o fiz. Talvez esperasse pela colisão, talvez apenas quisesse quebrar as regras. No fim, ao parar apenas disse: "Já não quero saber".
Enquanto caminhava pelas ruas escuras, poucas horas após o anoitecer, pedia por solidão, que nas mais desertas vielas, acabei por não encontrar. Pormenores, no fundo, pequenos pormenores.
Nunca foi tão difícil manter a promessa, ao longo de tantos anos o desgaste e o cansaço retiraram-me as energias que teimo em puxar ao máximo por mais inútil que isso seja. É cada vez mais difícil acreditar. No fim cedo sobre os pequenos pormenores que por enquanto pecam em clareza, não me permitindo ver a resposta para lá das típicas presunções. Únicos laços de sabedoria que o tempo me soube dar.