Thursday, January 11, 2007

Overhearing

Imagem DR
As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas possam ir embora. Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.

Fernando Pessoa

Cada objecto nasce de uma simples ideia. Uma semente que brota de um temeroso e sofrível processo criativo que, na maioria das vezes, apenas dá origem a um fruto intragável. Uma premissa que no início se apresenta como atraente, pode revelar-se inútil, ilusória ou inexequível. Que fazer com algo que fica aquém do esperado? Com algo cuja qualidade deixa muito a desejar. Ou que demonstra ser nada mais que uma pirâmide de minúcias frustrantes?

Matar. É preciso saber matar os nossos “bebés”. Ou os nossos “queridos” se a imagem anterior for demasiado forte para os vossos frágeis estômagos. Este foi o caso de “Overhearing”. Uma curta-metragem de minuto e meio de duração. O meu primeiro projecto em vídeo na faculdade. Projecto esse que nasceu torto e não mais se endireitou.

Vítima de um bloqueio criativo, de falta de meios, e de pessoas predispostas a actuar segundo a minha direcção, vi-me perdido, de câmara na mão, sem saber o que fazer.

A minha ideia original era simples e algo interessante. Um rapaz que passeava pelas ruas do Porto, perdido no Universo dos seus pensamentos, tropeça na conversa de dois estranhos que cruzam o seu caminho.

Queria filmar uma conversa quotidiana e descontextualizada entre um casal que cruzasse o caminho do personagem principal. Sabia que rua queria usar. O tema escondido da conversa. Tinha uma ideia de quem podia ser o casal. E queria gravar tudo isto através do olhar do protagonista, com um ou outro plano dele e do casal para dinamizar a narrativa do vídeo.

Enfim, queria colocar o espectador no meu lugar. Queria que vivessem um pouco dos percursos solitários que forçosamente fazia todos os dias. Queria partilhar com o Mundo a beleza dos aleatórios e incoerentes encontros que alimentam a mais banal das viagens casa/trabalho, ou escola/casa.

“Overhearing” era a minha forma de comunicar a solidão do meu percurso. De mostrar o quão partilhada é esta solidão. Uma solidão acompanhada, por entre aglomerados de vidas interligadas. Desligadas, sós, mas ao mesmo tempo unidas, completas por momentos de ligação sem qualquer planeamento ou previsão.

Contudo, o resultado final não representou nada disso. Sem ninguém com quem contracenar, acabei por filmar um percurso simples, sob o ponto de vista do protagonista que vai de casa até à estação. Sem diálogos. Sem qualquer encontro. Apenas uma ou outra pausa. A porta de um comboio a abrir-se. E esse mesmo comboio a partir.

Durante alguns anos deixei esse vídeo no Youtube e aqui no blogue. Cheguei mesmo a partilhá-lo no primeiro rascunho do meu portefólio. A sua fraca qualidade, e o facto do mesmo nada ter a ver com o objectivo que inicialmente desejava executar, fizeram-me apagar todo e qualquer vestígio do mesmo online.

Não soube matar o meu “querido”. Não encontrei outra inspiração que não essa, e o meu bloqueio criativo persistiu por mais algum tempo.

Nem todos os projectos foram cunhados para o sucesso. Alguns devem ser logo descartados. Outros jamais irão além do medíocre ou do razoável. “Overhearing” tinha algum potencial, faltaram-lhe os meios, as pessoas e a criatividade. E assim morreu.

Talvez um dia o revive. Talvez um dia o escreva. Talvez um dia o grave. Para já, regressa às gavetas da memória, eternamente adormecido nos primórdios de uma alma criativa ainda por lapidar. 

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