Jurassic World Edição Limitada |
“Ó não! A minha vida não vai ficar completa enquanto eu não tiver isso.” Já por diversas vezes sugeri que o Paulo criasse um canal, ou uma espécie de podcast, para que ele pudesse partilhar com o Mundo a sua inigualável forma de narrar eventos da sua vida, e de sumarizar filmes, séries, livros ou jogos. Ele consegue explicar uma receita, ou comentar um evento qualquer de uma forma cómica e exageradamente expressiva, capazes de tornar o episódio mais banal num momento deveras hilariante. Por mais que tente descrever este seu talento, ele é algo que precisa de ser vivido e presenciado em primeira-mão.
Na última sexta-feira, estávamos no Sal & Pimenta, como de costume – este ano ainda não saímos uma única vez no Furadouro, o Verão já passou e as noites já se sentem frias, parece-me que o Paralelo é cada vez mais apenas um velho pedaço de memorabilia de um passado distante dos nossos encontros – e entre uma conversa sobre filmes, perguntei ao Luís se ele já tinha visto a edição especial em Blu-ray do Jurassic World com duas miniaturas do T-Rex e do Indominus Rex em pose de combate. A resposta do Paulo foi imediata, aliás, quase nem me deixou acabar de falar, como sempre, nem deu tempo para o Luís me responder. “Ó não! A minha vida não vai ficar completa enquanto eu não tiver isso” – isto dito naquele seu jeito particular, e num profundo tom de sarcasmo que rivaliza com qualquer sketch dos Monty Python.
Ontem, enquanto explorava a minha necessidade de controlo, encontrei-me a pensar nesse momento. Na verdade, raro é o dia em que não me questiono sobre esta sua exaltação momentânea, desde que ela aconteceu. Tentei arranjar forma de a incluir na minha última crónica, mas simplesmente não era o espaço adequado. “Ó não! A minha vida não vai ficar completa enquanto eu não tiver isso”, é uma expressão que quando lida fora do contexto, pode dar aso a duas possibilidades. A primeira, ou melhor, aquela que é mais natural para mim, pois não só presenciei o momento, como este foi dirigido directamente à minha pessoa, é a mesma que o Paulo quis expressar. Ironia, sarcasmo, chamem-lhe o que quiserem, é uma frase que desvaloriza o objecto e o remete para o profundo abismo das coisas que ignoramos à primeira vista.
A segunda possibilidade é uma interpretação mais literal, de desejo imediato por esse mesmo objecto. Que, confesso, foi a minha reacção quando descobri que este Blu-ray existia. Desde pequeno que sou fã de Jurassic Park. Ainda antes do Em Busca do Vale Encantado me ter desperto a paixão por Dinossauros, e o meu sonho de ser Paleontólogo, já o Jurassic Park ocupava um lugar especial na minha infância e no meu imaginário. Sonhava com Dinossauros, em viajar no tempo, em poder tocá-los e viver entre eles. Em tê-los como animais de estimação, em dar o nome a uma nova espécie, ou em simplesmente admirar a sua beleza e a sua capacidade de nos espantarem com o seu Universo alienígena de um Mundo Perdido na História da Terra.
Ao longo da minha infância coleccionei diversas réplicas de Dinossauros. Tenho o Jurassic Park, o Mundo Perdido e o terceiro filme em DVD e em Blu-ray. Guardo e exponho religiosamente os meus brinquedos do Mundo Perdido, ora no sótão, ora no meu quarto. Mesmo hoje, mal saiu o Jurassic World, comecei a colecionar os seus respectivos sets da Lego, que agora ocupam o espaço dedicado aos meus velhos sets que tantos anos aguardaram por uma nova oportunidade de serem recuperados.
Portanto, não seria de admirar que mal descobri essa edição especial, o meu primeiro pensamento foi, “tenho que ter isto”. O preço é muito pouco convidativo, 80 dólares na Amazon. É uma edição limitada que ainda não está disponível em Portugal, se é que alguma vez chegará a estar. Para já, no site da Fnac não existe qualquer informação sobre esta edição especial, e mesmo o Play.com não a tem à venda.
Posso simplesmente esperar que esta tenha um preço mais aliciante, que surja alguma promoção, ou então aguardar por alguma pechincha de última hora no eBay. Posso até mesmo ignorá-la e comprar apenas o Blu-ray normal, cujo preço não tardará a rondar os dez euros, mais coisa, menos coisa.
Posso fazer isto, e normalmente sempre o faço. Mesmo com o último álbum dos New Order, a minha banda preferida, decidi aguardar para que este tenha um preço mais acessível antes de o comprar. Sei ser paciente, e sei aguardar pelo momento certo para fazer uma compra. Embora hajam algumas excepções a esta regra, não me considero um comprador compulsivo. Contudo, são incontáveis as coisas “desnecessárias” que comprei ao longo dos anos.
Uso a palavra “desnecessárias” entre aspas, pois quando gostamos de algo e podemos tê-lo, seja ele um livro, um CD, um vinil, um DVD, um brinquedo, um pedaço de memorabilia de um filme, ou de uma série, uma peça de roupa que raramente iremos usar, ou outro objecto qualquer, não há mal nenhum em considerar esse investimento como um bem necessário. Construímos pequenos pedaços da nossa identidade com aquilo que compramos, e com aquilo que decidimos mostrar ao Mundo, por mais infantil, abstracto, ou inútil que esse objecto seja.
Sou um coleccionador nato. Não colecciono apenas uma coisa, nem tenho uma obsessão por algo como postais, moedas, selos ou pacotes de açúcar. Colecciono recordações, pedaços da minha infância, da minha vida, das coisas que gosto e que me fazem feliz. Por isso tenho ainda bem estimados todos os meus Power Rangers, Dinossauros, Legos, Cartas Pokémon, Fósseis, Minerais, T-Shirts de Concertos, CDs, DVDs, Vinis, Livros, Cromos, Brinquedos de Caixas de Cereais, Carros de Colecção, Jogos de Tabuleiro, Puzzles, Canecas, Bilhetes de Cinema, Postais, Fotografias, enfim, uma longa lista tão extensa, como interminável.
Algumas destas coisas estão melhor organizadas que outras. Algumas tiveram direito a expositores ou a lugares privilegiados em estantes e outros móveis da minha casa, outros estão guardados em gavetas e caixas, mas todos eles estão ao alcance da minha memória, e facilmente consigo localizá-los sem perder muito tempo.
Não são bens de primeira necessidade. Não. Consigo viver sem eles. A minha vida não seria menos completa se não os tivesse, e a minha carteira estaria bem mais cheia. Mas cada um deles é um momento material das minhas recordações. Cada objecto conta uma história. Cada objecto é único. Uma parte de um todo bem maior que compõe quem eu sou.
Uma vez, em casa do Luís, ele contou-me que gostava muito do seu quarto e que às vezes ficava apenas deitado a olhar para as suas coisas e a pensar como estas diziam tanto sobre ele. O mesmo acontece comigo, não tanto no meu quarto, por falta de espaço, mas no salão do meu sótão. Em poucos minutos, uma pessoa que observe esses dois espaços com o mínimo de atenção é capaz de ficar a conhecer mais sobre mim do que se passasse longas horas em conversa comigo. Especialmente se o Paulo estivesse lá para me interromper constantemente.
A minha vida é bastante completa sem a edição limitada em Blu-ray do Jurassic World. E nada mudará em mim se algum dia a vier a comprar. Contudo, confesso que a quero ter. Apenas porque sim. Porque o T-Rex está bem desenhado, porque a caixa é bonita, e porque o Indominus Rex, embora não me agrade, também se conjuga muito bem com todo o ensemble desta edição limitada.
Todas as coisas que tenho comprei-as porque podia. Não passei fome para as ter. Não deixei de viajar para as ter. Não aceitei um emprego fora da minha área para as ter. E fora aquelas que recebi quando ainda era criança, ou como prenda de aniversário, comprei-as todas com o meu dinheiro. Hoje podia ter um pé-de-meia interessante, talvez, mas não me arrependo do dinheiro que gastei em nenhuma delas. E também, sejamos sinceros, tudo aquilo junto não representa sequer metade daquilo que gasto num ano em renda ou em comida.
No Mundo do Digital eu gosto de ter os meus Livros, os meus CDs, os meus Vinis, os meus DVDs e os meus Blu-rays. Quero ter essa colecção física para um dia a poder partilhar com quem me é próximo e até mesmo, quem sabe, com os meus filhos. Da mesma forma que hoje ouço os vinis do meu pai, e leio os seus livros, um dia quero que os meus filhos façam o mesmo. E ao contrário de tantas histórias de adultos saudosistas pelos seus há muito perdidos brinquedos de infância, desejo preservar os meus para a posteridade, apenas porque sim. O meu pequeno museu pessoal das coisas que mais prazer me deram ao longo da minha vida.
A minha vida é completa não pelas coisas que tenho, mas sim pelas pessoas que amo e que me amam de volta. Tudo o resto são apenas recordações, diários físicos de uma linguagem universal, fácil de decifrar pelo mais atento dos observadores.
Quero muito ter essa edição especial. Mesmo sem ela, a minha vida já é completa. Mas quero muito tê-la. Apenas porque sim.
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