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Existem escolhas que nos definem. Algumas mais importantes que outras, mas todas elas são reflexos das nossas acções, e do carácter que revelamos no momento em que somos obrigados a decidir. As grandes decisões, embora exijam maior concentração e empenho, não são tão reveladoras como as pequenas resoluções rotineiras que fazemos em milésimos de segundo. Por instinto. Espelhos transparentes do nosso ego. Construídas pela nossa experiência, e sustentadas na mais pura base do nosso ser.
No Domingo passado, regressei à Covilhã no Expresso do costume. Devido à menor procura nos meses de Verão, o número de autocarros da Rede Expresso entre Albergaria e Covilhã é reduzido. Isto força uma viagem de duas horas e meia com paragem na Guarda, a atrasar-se mais vinte minutos, obrigando os passageiros a pararem também em Viseu.
Embora esses vinte minutos não sejam uma diferença significativa, causam um transtorno extra, pelo menos para mim. As noites de fim-de-semana na Covilhã são parcas em transportes públicos. Facto que piora bastante durante os meses de Verão. Normalmente, chego à Covilhã por volta das onze e vinte da noite, hora ideal para apanhar o autocarro que pára mesmo em frente ao meu apartamento.
Durante o resto do ano, mesmo se o Expresso se atrasar, consigo sempre apanhar um ou outro autocarro que, não sendo o que pára em frente à minha porta, pára suficientemente perto para compensar o gasto na viagem. Já no Verão, isto não acontece. Se perder o autocarro das onze e vinte, apenas tenho outro à meia-noite e seis. Normalmente, o Expresso chega depois das onze e quarenta, deixando-me, no máximo, com uma espera de vinte minutos. Contudo, este fim-de-semana não tive igual sorte. O Expresso adiantou-se e chegou por volta das onze e meia.
Estava frio. A mala estava pesada, mas não trazia comigo roupa quente. As possíveis soluções seriam esperar lá fora durante mais de meia hora, gastar dinheiro num Táxi, que mesmo numa cidade pequena como esta, são ridiculamente caros, ou ir a pé. Não hesitei, fui a pé. Para memória futura, o meu apartamento fica no alto. O espaço que o separa da Central de Camionagem, corresponde a uma caminhada de mais de quarenta minutos, sempre em escada, com um, ou outro, ponto de descanso.
Apenas tinha feito este caminho a pé uma vez. Na primeira noite, não sabia que autocarro devia apanhar, nem tão pouco qual o preço do bilhete. O caminho parecia-me fácil e aventurei-me. Uma parva decisão, da qual ainda hoje me arrependo.
Na noite de Domingo, a ideia de voltar a subir aquilo tudo com a mala à mão, tão pouco me agradava. Mas estava frio. Não queria arriscar uma constipação. Queria chegar a casa, comer alguma coisa e deitar-me.
Pelo caminho, apenas pensava em como este episódio era um excelente momento de auto psicanálise. Se esquecer a hipótese de viajar de Táxi, podia ter optado por dois caminhos. O primeiro implicava bastante esforço e sofrimento. Um percurso árduo, amplificado por um fardo pesado, sem nenhuma ajuda para o carregar. O segundo, uma longa espera, solitária e fria. Uma espera de sofrimento e introspecção, que tardaria a levar-me até ao meu destino.
Perante esta decisão, escolhi fazer o meu próprio caminho. Por mais árduo que este fosse, e por mais pesado que o fardo de carregar a mala parecesse, não hesitei ao dar o primeiro passo. Fi-lo consciente da difícil tarefa que tinha pela frente, e da recompensa que me aguardava após a sua conclusão.
Cheguei a casa mais cedo do que previa. Fiz o caminho por etapas. Parei para descansar e beber água sempre que sentia necessidade. Degrau a degrau, subida a subida, cheguei ao meu destino. Cansado, sim. Exausto, mas vivo. Venci a subida da Serra, e o frio da noite.
São estas pequenas rotineiras decisões que nos definem. São elas que nos moldam e que revelam a nossa verdadeira natureza. Hoje, não me arrependo do cansaço que senti, ou da energia que gastei. Hoje, escolhia o mesmo caminho. Hoje, conheço-me um pouco melhor.
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