Ontem o meu avião despenhou-se e fui o único a não sobreviver. Há momentos que nos marcam, alguns por não acontecerem, outros pela simbologia que atribuímos a certas datas e ao significado que esses dias têm para nós.
O primeiro dia de Setembro de 2011 podia ser mais um desses dias, o meu primeiro dia de liberdade após um longo ano de pressões e assédio moral, dentro de um emprego desprezível e de uma cidade que nunca me soube acolher. Felizmente, não me limitei à conformidade de um contrato relativamente seguro e procurei por algo melhor que acabei por encontrar logo em Janeiro. Regressei a uma cidade que posso chamar de casa e iniciei um novo emprego onde conheci um ambiente agradável de camaradagem e de entreajuda, onde os nossos esforços não são apenas encorajados mas também bastante elogiados.
O dia 1 de Setembro foi um dia como outro qualquer, não fosse por ser o primeiro dia de trabalho depois das férias, nada de notável se passaria naquele dia. Mas ontem o meu avião despenhou-se, aterrou de lado e a asa raspou pela pista. A porta de emergência do lado do meu assento não resistiu ao choque e abriu-se desamparadamente, deixando o calor e os fumos do combustível da asa entrarem para dentro da cabine. Todos se salvaram menos eu, e o dia de hoje não é nada mais que uma sombra daquilo que podia ter sido.
Ontem foi dia 1 de Setembro, um dia em que nada aconteceu. Ontem não andei de avião, e este não se despenhou, ontem não estive em casa durante o dia. Ontem, esqueci-me das chaves e tive que pedir à minha vizinha para entrar em casa. Ontem, adormeci e cheguei um pouco tarde, troquei os horários e demorei-me a arranjar. Ontem, o meu pequeno-almoço foi uma caneca de cevada e torradas e não um panike, um croissant, um café e um sumo de laranja. Ontem, passei a manhã maldisposto, senti frio e apanhei chuva ao sair de casa. Ontem, foi dia 1 de Setembro.
No dia 31 de Agosto, aterrei no Porto. Adormeci, e perdi o autocarro para o aeroporto, demorei-me na estação de comboios para encontrar a paragem de autocarros e cheguei em cima da hora. O avião atrasou-se e apanhámos turbulência, tivemos uma aterragem atribulada e a porta de emergência estava a deixar entrar água. Sobrevivi a um trem de aterragem defeituoso, e cheguei a casa por volta das seis da tarde.
Ontem foi um dia como outro qualquer, e ainda bem que assim foi.
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