Já passava das dez e meia da noite quando o Fernando passou por minha casa para me dar boleia até ao S. Paio. Sob a escuridão da noite o céu carregado de nuvens ameaçava chover. “O cenário ideal para uma festa na praia”, pensei. Entrei no seu jipe onde já me aguardavam o Paulo e o João. Fizemos o desvio habitual por S. João de Ovar para ir buscar o Xavier, e fizemo-nos à estrada com a esperança que a viagem, tal como a noite fossem curtas. Mal podíamos imaginar o quão errados estávamos.
O S. Paio realiza-se todos os anos no início de Setembro na praia da Torreira, concelho da Murtosa. Dura cerca de uma semana, recheada com concertos, romarias, e outras festividades típicas das festas de Verão. Na verdade, é a última festa de Verão para os estudantes da região, o que acaba por atrair pessoas de vários sítios, muito além dos concelhos contíguos de Ovar, Estarreja, Espinho ou Aveiro.
Os 16 quilómetros que separam Ovar da Torreira, num dia normal, são feitos em cerca de vinte minutos, dependendo do trânsito. Dada a afluência habitual deste tipo de festas é natural esperar que a viagem não seja feita de forma tão rápida e tranquila como de costume. A experiência de anos anteriores dizia-nos que o habitual é perder cerca de uma hora na fila até chegar à Torreira, seguida de uma dor de cabeça infernal à procura de um lugar para estacionar.
Ao entrar na estrada nacional que atravessa a Ria de Aveiro até S. Jacinto estranhámos a falta de trânsito. Parecia que este ano iam menos pessoas, o que até fazia sentido visto terem reaberto o Parque de Campismo, e como a noite se adivinhava chuvosa a maioria das pessoas teria preferido ficar em casa em vez de se aventurarem por estes lados. Mas, como já diz a sabedoria popular, as aparências iludem.
Chegados ao Vela Areinho encontrámos os primeiros sinais da fila que nos atormentaria o resto da noite. “Tens aí lugar”, dizia eu em tom de brincadeira visto que ainda estávamos a cerca de doze quilómetros do nosso destino. Em retrospectiva, se tivéssemos ficado por ali, talvez não teríamos demorado tanto tempo a lá chegar.
O principal ponto de referência, que é ao mesmo tempo o local de trânsito crítico entre Ovar e a Torreira, é a Ponte da Varela que atravessa a Ria de Aveiro e liga a Murtosa à Torreira. A ponte fica a cerca de cinco quilómetros da Torreira e é o ponto de convergência entre os carros vindos de Norte, de Este a partir de Estarreja, e de Sul. Ao fim-de-semana durante o Verão é habitual haver problemas de trânsito nesta zona por causa das praias, mas nada que se compare com o que aconteceu naquela noite.
Era meia-noite em ponto, estávamos em viagem há cerca de uma hora e vinte minutos. A ponte ainda era uma mera miragem no horizonte. Conseguíamos ver o fogo-de-artifício à distância enquanto a frustração de não conseguirmos sair do mesmo sítio começava a fazer as suas mazelas.
Passámos por um desvio manhoso onde alguns carros estavam a virar em direcção às Quintas do Norte. Decidimos voltar para trás e arriscar seguir por esse caminho. As vantagens de ter um jipe é que os caminhos de gado, embelezados por ervas altas e areia solta não são um grande problema. Aquele caminho foi de facto dar às Quintas do Norte, contudo voltámos a apanhar outra fila. Não fomos os únicos a ter aquela ideia.
Ao fim de meia hora de pouca evolução, deparámo-nos de novo com outra estrada secundária. Arriscámos novamente, desta vez na retaguarda de um SUV que parecia conhecer o caminho. Contudo, como já é habitual, em vez de o seguirmos até ao destino, decidimos explorar um desvio que parecia não ir dar a lado nenhum. “É assim que todos os filmes de terror começam”, disse, em protesto por não termos continuado a seguir o SUV. Após uns dez minutos de solavancos fomos dar a uma ETAR escondida no meio do mato. Não tivemos alternativa se não voltar para trás.
Quando finalmente regressámos à civilização conseguimos sair numa rotunda já depois da ponte. Voltámos para a fila inicial que apesar de andar devagar, pelo menos estava bem mais fluida que aquela de onde saímos. Era uma da manhã quando finalmente chegámos à Torreira. Não tivemos meias medidas e estacionámos o carro às portas da cidade em cima de um passeio.
Fizemos a pé o resto do caminho, com a chuva miudinha a transformar-se em chuva a sério. Felizmente tinha levado um casaco com capuz, que embora não fosse impermeável para aquela situação servia.
Decidimos parar na Casa Mortuária onde um grupo de pessoas se estava a abrigar do mau tempo. O Luís e o Edgar que estavam ali a acampar vieram ter connosco. Falámos durante cerca de uma hora na esperança que a chuva parasse. Tal não aconteceu. Despedimo-nos deles e voltámos para o carro.
Apesar do mau tempo, a fila continuava longa, agora em ambas as direcções. Fazer inversão de marcha naquela zona foi um verdadeiro martírio, chegámos a estar com o jipe perpendicular à estrada, tapando duas faixas, enquanto uma ambulância se aproximava. Felizmente conseguimos entrar na fila antes que ela chegasse.
É de estranhar que a GNR apenas estivesse a controlar o trânsito na entrada da Torreira e em uma das rotundas depois da ponte. Não deviam ter agentes destacados ao longo de todo o percurso? E em todos os pontos críticos de trânsito?
Chegados à rotunda onde tínhamos entrado, decidimos voltar pelo mesmo caminho através das Quintas do Norte. Uma senhora que bloqueava a nossa saída, saiu do carro para nos perguntar se dava para ir por ali para a Torreira. O meu pensamento para com esta alma perdida foi: “Com este tempo e ao fim de horas na fila, porque não quer ir embora?”
Daí para a frente a viagem foi calma e sem grandes incidentes. Chegámos ao Carregal num instante e ainda parámos para comer um cachorro na Badalhoca. Eram três da manhã quando cheguei a casa.
Nas quatro horas e vinte minutos que passei fora de casa, apenas uma hora foi passada fora do carro, ao abrigo da Casa Mortuária.
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