Thursday, August 14, 2014

Como Abafar o Silêncio

Imagem DR
Existe no silêncio uma tão profunda sabedoria que às vezes ele se transforma na mais perfeita resposta.
Fernando Pessoa

Combater o silêncio é das tarefas que exige um maior nível de complexidade criativa, não fosse esta uma necessidade imperativa para o nosso próprio bem-estar. Não me refiro ao silêncio por si próprio, mas sim aos contínuos barulhos de fundo que com os quais, com maior ou menor esforço, somos obrigados a conviver.

Quem vive numa cidade está habituado à azáfama do dia-a-dia. O trânsito contínuo, os passos e vozes imperceptíveis de uma multidão atarefada. O ocasional alarme, sirene, ou outro tipo de som disruptivo. O comboio da uma e quarenta e dois, os ciclistas madrugadores e os animais domésticos que anseiam por liberdade. Todos eles, sons comuns, habituais, clichés auditivos que aprendemos a desligar das nossas mentes com alguma facilidade.

No campo, nos arredores, ou numa região rural, são os grilos, os lobos, os animais da pastorícia, a dança das folhas nas árvores, e o riacho que corre pelo nosso quintal. Sons pacíficos, ensurdecedores para o habitante citadino mal acostumado, mas também eles comuns e passíveis de serem ultrapassados após uma satisfatória habituação.

Mas, por vezes, o silêncio não é suficiente. Os sons de fundo intensificam-se, e deixamo-nos assolar por ondas de reverberação que nos impedem de pensar, de raciocinar, de criar. O silêncio das nossas mentes contrasta com o inaudível barulho do exterior.

É nestes momentos que o afamado conceito de open space pode revelar-se como o nosso pior inimigo. Sim, um espaço aberto no local de trabalho permite um maior convívio entre os colegas, possibilita a troca de ideias e impressões sobre uma dada temática ou parâmetro do projecto, facilita o contacto entre pares, e pode, ele próprio, ser uma fonte de inspiração. Contudo, passado o processo de brainstorming, e quando as acções requeridas não exigem qualquer tipo de automação, o trabalho criativo exige apenas duas peças essenciais: concentração e silêncio.

São várias as técnicas usadas para nos concentrarmos e silenciar as distracções quando o nosso ambiente laboral, pela natureza do espaço, assim não o permite. Desde desligar a Internet, as redes sociais, e outros elementos cuja atracção alimenta uma inconsequente produtividade, à própria deslocação do criativo para outro local, cada um tem o seu método e este apenas funciona ao nível pessoal de cada indivíduo. Dito isto, alguns destes métodos funcionam dentro de um variado leque de pessoas.

Quando o nosso empregador não nos possibilita o acesso a um gabinete isolado, a nossa ausência, ou até mesmo a possibilidade de trabalhar através de casa, precisamos de isolar a nossa mente, os nosso dedos, e os nossos instrumentos criativos, da multidão de colegas que nos rodeia.

O método mais comum é o uso da música, não só como elemento de isolamento mas também de inspiração. Para algumas pessoas qualquer género serve, tenha ela letra, ou apenas instrumental. O som de algo a abafar o ruído do open space é suficiente para se concentrarem. Para mim, esse processo não é assim tão simples. Como, por vezes, o meu trabalho criativo implica alguma escrita, vejo-me forçado a excluir todo o tipo de música com letra. A minha mente tem o hábito de se concentrar na letra, mesmo que a língua do artista não faça parte da minha lista de fluência verbal.

Música clássica, sons da natureza, lounge, ou algo com um tom mais calmo e sereno, também não encaixam nesta receita. Sinto a necessidade de algo que me impele a trabalhar, que abafe o silêncio, mas que também alimente a minha inspiração, mas não de forma excessiva. Preciso de ser capaz de me abstrair da própria melodia, ao mesmo tempo que a uso para me motivar, e fazer mover os meus dedos, as interfaces do meu computador, os meus olhos, e a minha própria mente.

Foi através desta necessidade, aliada a uma constante busca por música instrumental para ilustrar alguns vídeos, que descobri duas bandas que mesmo neste momento, preenchem esse vazio sonoro que tanta falta me faz. São elas Explosions in the Sky e God is an Astronaut. Duas bandas similares, e ao mesmo tempo diferentes. Ambas instrumentais, ambas com álbuns distintos, versáteis, e ricos em diversidade, com uma narrativa sensorial que apenas pode ser experienciada por um ouvido atento, e uma imaginação aberta.

São elas os meus esteios nos momentos em que a minha mente se encontra inundada por mil vozes, à excepção da sua própria. São elas quem impulsiona a minha imaginação e criatividade. Quem me inspira, quem me motiva. Quem faz os meus dedos dançarem por páginas em branco, por artboards limpos, por linhas de código, e por timelines caóticas.

Com persistência e necessidade, encontrei um método simples de isolar a minha necessidade criativa, mesmo quando me encontro imerso por um mar de estímulos auditivos irregulares.

Combater o silêncio é das tarefas que exige um maior nível de complexidade criativa. É uma arte em si próprio, e uma necessidade do nosso dia-a-dia. Persistência, necessidade, pesquisa, e algum acaso foram as ferramentas que me permitiram desenvolver o meu método. O vosso encontra-se à distância de um momento de silêncio.

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