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I poured my booze all down the kitchen drain,
And watched my bad habits get flushed away.
I thought that, that would keep my head on straight,
And all my pain would be in yesterday.
Coffee & Cigarettes, Michelle Featherstone
Há músicas que parecem ser escritas a pensar em nós. Guardadas em segredo por privados locais distantes, à escuta, sempre à espreita, daquele momento. Do momento que se revelam. Do momento que se apresentam para nós. Do momento onde tudo faz sentido. A letra. O tom. A forma como ela nos toca num lugar profundo que, sem saber, desejávamos desbloquear.
Uso a música e sou usado por ela. Como fonte de inspiração. Como espírito de motivação. Aquele incentivo extra que me move para agir, para terminar aquele exercício em alta, para escrever, para tomar decisões, para acreditar, para determinar, para valorizar. Uso a música e sou usado por ela.
Mas, por vezes, uma música deixa de ser um instrumento para atingir um fim, uma ferramenta de memória, ou uma esponja de silêncio. Por vezes, uma música toca-nos tão profundamente que parece apenas cumprir o seu propósito no momento em que se dá a conhecer. Como se um cósmico compositor a tivesse preparado especialmente para a banda sonora da nossa vida. Misturada por um caprichoso editor de som, com um excelente sentido de timing.
No guião do nosso breve caminho, quem o escreveu, previa nas suas anotações o vislumbre necessário desta melodia, desta letra, no preciso instante em que seria mais necessária. E assim foi, assim é, assim sempre parece. Guardo para mim, em memórias ainda recentes, o momento que descobri a música que não evitei citar antes mesmo de começar a escrever.
Estava entediado, numa pacata tarde de Domingo. Procurava por algum sentido, por algo novo entre os meandros da rede invisível que nos une. Ouvia pela enésima vez a Careful, da Michelle Featherstone, uma cantora discreta, cuja obra é apenas conhecida pelo seu contributo em séries e filmes com um certo nível de popularidade. Ouvia esta música há alguns meses, revia-me nela com o desejo que esta fosse o espelho de alguém que não eu, capaz de me ver de idêntica forma àquela que a letra ilustrava.
Nada sentia, apenas mais uma passagem por uma terra que já bem conhecia, e cujos encantos já nenhum segredo guardavam. Decidi explorar algumas das recomendações. Muitas, lugares comuns que me habituei a ignorar, outras, com pouco ou nenhum sentido para ali figurarem. Contudo, a mesma continuava a surgir. Escolha após escolha. Música atrás de música. A mesma sugestão surgia naquele canto. Como que uma novidade, colocada em destaque para ser promovida.
Cedi, e carreguei para a ouvir. A letra prendeu-me no primeiro segundo. Todo o universo que me rodeava passou para segundo plano. O barulho apagou-se em silêncio, as cores, as formas, os objectos, as pessoas, não passavam de um bokeh desfocado. Apenas eu e a música existíamos naquele instante. Corri para o quarto para a ouvir na minha aparelhagem, e replicar por entre as paredes da minha casa aquele momento.
Devo-a ter ouvido não mais que três ou quatro vezes naquele dia. Mas pareceu-me como se nenhum outro som tivesse ocupado a minha mente naquele dia. Aquela era a música que tinha de ouvir. A música que precisava de ouvir. A percepção que devia receber. A realização que faltava compreender.
Há músicas que parecem ser escritas a pensar em nós. Aguardam no nosso caminho. Aguardam pelo momento que nos sentimos prontos para as ouvir. Aguardam por aquele segundo cuja sua melodia, vibra em sintonia com o ritmo do nosso ser, com a amplitude da nossa alma. A música é uma constante do nosso dia. Um fundo que apaga o silêncio. Um sentimento. Uma distracção. Um vício impossível de quebrar. A música é arte. A música é aquele passo que nos move para despertar.
A música é eterna. A música, apenas é.
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