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Numa ocasião ouvi um cliente habitual comentar na livraria do meu pai que poucas coisas marcam tanto um leitor como o primeiro livro que realmente abre caminho até ao seu coração.
Carlos Ruiz Zafón
O mais desatento utilizador das redes sociais já deve ter tropeçado em uma das últimas tendências, cuja popularidade já assumiu um lugar de destaque na nossa timeline. Estou a falar dos desafios, das listas, e dos pedidos de jantares que ficam sempre por oferecer.
Estas listas não são, em si, novidade. Já mesmo na distante “pré-história” em que nos limitávamos a comunicar por e-mail, e eventualmente em alguma chatroom guardada por Vladimirs com pouco sentido de humor, estas listas circulavam em cadeia. Algumas em forma de questionário que, além dos livros, álbuns, e filmes preferidos, nos pediam para listar aspectos da nossa personalidade e história pessoal, outras de forma mais aberta em salas de conversação públicas.
Tal como hoje, este era um bom método para “quebrar o gelo”. A descoberta de alguma característica ou interesse comum, servia como o pretexto ideal para iniciar uma conversa, fomentar uma amizade, ou até mesmo para alimentar as probabilidades desta partir para algo mais.
E, mesmo que isso não acontecesse, esta partilha de informação permitia também que diversos livros, filmes e bandas passassem de desconhecidas, a objectos de culto, ou de adoração popular.
Uma das minhas memórias mais antigas de resposta a um desses questionários, levou-me à descoberta do filme Donnie Darko. Isto apenas porque a pessoa tinha deixado na última questão uma simples referência que, não fosse a minha curiosidade, de outra forma podia passar por despercebida. A pessoa em questão oferecia um jantar a quem fosse capaz de perceber o significado por trás da palavra “Cellar door” (“porta da cave” em Inglês).
O jantar em si não me oferecia qualquer espécie de motivação, contudo, o facto de não conhecer aquela referência atormentou-me. Uma breve pesquisa levou-me até ao filme. Relembro que isto foi já há dez anos, e na altura não só a velocidade da internet era bem mais lenta, como os motores de busca não eram tão eficientes como o são hoje. Mesmo assim, foi com pouca dificuldade que descobri a origem daquele pedido.
Não tardei em ver o filme. Embora esteja longe de alguma vez figurar na minha lista de top dez, ou vinte, acabou por ser uma agradável surpresa que nunca teria descoberto, não fosse por influência deste questionário, e da própria pessoa que o respondeu.
Salvo um caso ou outro, não tenho prestado muita atenção às listas que os meus contactos têm partilhado ao longo das últimas semanas. Em alguns casos por não me rever em nada daquilo que eles listam, em outros pelas óbvias opções que já esperava que fossem partilhadas. Contudo, confesso que alguns álbuns e livros que despertaram o meu interesse, já se encontram em lista de espera para serem ouvidos, lidos, ou ambos, quem sabe.
Por falta de sorte, até ao momento apenas me desafiaram para fazer uma lista dos meus dez álbuns preferidos, e para publicar uma foto da minha infância. Embora o nível de dificuldade seja idêntico em qualquer lista que me peçam para fazer, pessoalmente, gostava de ser desafiado para listar os meus dez livros preferidos. Tal como aconteceu com os álbuns, suspeito que teria que inevitavelmente recorrer às Menções Honrosas para não deixar nenhum livro importante de lado.
É difícil listar aquilo que mais gostamos. Muito mais ainda é hierarquizá-lo. Se com a música por vezes o problema prende-se entre a força que uma faixa isolada tem para nos mover, quando as restantes não o conseguem, e a generalidade da qualidade de uma obra completa, com os livros a questão é ainda mais complexa.
É possível comparar o One Day do David Nicholls, com o A Gaia Ciência de Nietzsche? O Código Da Vinci, com o The Stand? Ou o Caim com o Livro do Desassossego? Os critérios são, por não o poderem ser de outra forma, arbitrários, pessoais e únicos a cada um. Ao momento que os leu, aos sentimentos que o livro lhe transmitiu, às pessoas que o aconselharam, ao tempo que fazia no dia que o comprou. Enfim, mil e um factores, mil e uma opiniões.
Ao partilhar a nossa lista não nos estamos a livrar de um jantar que não queríamos oferecer. Estamos sim a expor as nossas experiências, as nossas histórias, os nossos gostos. Apresentamos parte de nós ao universo da nossa timeline. Fazemo-lo sem consciência, na esperança da sua aceitação, ou com vontade de descobrir alguém com quem partilhamos tanto em comum.
Como todas as modas, esta cedo não tardará em desaparecer. Aproveitem-na para partilharem conhecimento. Para descobrirem novas artes. E para conhecerem melhor quem todos os dias vos acompanha por entre os zeros e uns desta virtualidade em rede.