Conhecidos os resultados de acesso ao ensino superior, a Universidade do Porto voltou a bater recordes ao conseguir uma taxa de colocação de 100% nas vagas para o ano lectivo 2009/10. Apesar destes dados, é de salientar que muitos dos cursos da Faculdade de Ciências, como Biologia, Geologia e Química, continuam a ter algumas das médias de entrada mais baixas, em alguns casos a rondar os 12 valores.
De há uns anos para cá, a tendência tem sido de uma contínua subida na procura por cursos de Ciência pura, contudo, há não muito tempo atrás não era raro alunos com média de secundário inferior a 10 conseguirem colocação simplesmente por os cursos referidos não terem preenchido as vagas. Estará esta tendência a demonstrar uma maior aposta dos portugueses na formação científica? Talvez, mas este assunto merece algumas reticências.
Os últimos anos de governo trouxeram um aumento na oferta de cursos profissionais de equivalência ao ensino secundário, contudo o antigo agrupamento Científico Natural, continua a ser o mais procurado pelos jovens que todos os anos ingressam no décimo ano de escolaridade. Como se explica então a falta de interesse por cursos de ciências? A questão parte de uma predisposição social.
A verdade é que a grande maioria dos alunos que optam pela vertente científica no secundário assim o fazem com vista a concorrerem a cursos da área da saúde. O tão afamado curso de Medicina é visto por muitos como a concretização máxima dos estudos de nível secundário, e o destino obrigatório para os melhores alunos. Um dogma português que todos os anos retira as melhores mentes académicas das áreas que mais precisam delas, como é o caso das Ciências puras.
A sobrevalorização da área da saúde no nosso país leva a que apenas aqueles com médias baixas, ou os poucos apaixonados que arriscam em seguir os seus sonhos, optem por cursos de Ciências. Este caso é paradigmático. Em países como os EUA, apenas os melhores alunos optam por seguir as Ciências teóricas, e as carreiras académicas da área da saúde acabam por ser atribuídas, em muitos casos, a alunos medianos que mais do que arranjar emprego, ou querer provar alguma coisa, procuram enveredar pelo nobre caminho de ajudar os outros.
A principal falácia dos defensores da aposta na saúde no ensino superior é a facilidade na obtenção de emprego. Ora todos os anos são formados cerca de mil médicos nas universidades portugueses, a estes juntam-se mais dois mil enfermeiros, num país com dez milhões de habitantes e com um défice de hospitais e centros de saúde, mais cedo ou mais tarde estaremos perante um mercado de saúde saturado sem capacidade para integrar as centenas de profissionais que todos os anos saem das nossas universidades.
Já nos cursos de ciências, tomando como exemplo a Geologia, todos os anos são formados entre 30 a 40 novos geólogos. Com um mercado que cada vez mais oferece emprego na área, não estará na altura de apostar nestes cursos?
Ingressar no ensino superior com o único propósito de arranjar emprego retira às universidades aquilo que elas defendem, isto é, a procura de conhecimento. Um curso superior não deve ser visto como um meio para atingir um fim, mas sim como uma plataforma de conhecimento que nos fornece as ferramentas necessárias para crescermos como pessoas e profissionais, e para entendermos melhor o mundo em que vivemos.
Ano após ano, vemos cientistas de países diferentes a receber o prémio Nobel da Química e da Física. Quando chegará a vez de Portugal? Volta e meia é digno de notícia um ou outro cientista nacional que recebeu um prémio de menor gabarito, muitas vezes por recurso à ajuda de universidades estrangeiras. Isto prova que temos qualidade, temos a base para criar os próximos vencedores de prémios Nobel, mas estamos a desperdiçá-los com falsas esperanças de trabalho fácil e de aprovação social.
É necessário investir na ciência nacional e motivar os jovens a escolherem outros caminhos. Os tempos de cursos de ciências com média de 10 valores que não chegam a preencher as vagas têm que acabar. Temos que tornar a Ciência numa área atractiva para as maiores mentes jovens que todos os anos vivem a dúvida entre seguir os seus sonhos ou optar pelo caminho mais socialmente aceitável. As peças estão na mesa. Cabe ao governo, e a cada um de nós, fazer o melhor para que o cenário do puzzle seja de um futuro de inovação e de reconhecimento científico a nível mundial.
No comments:
Post a Comment