Thursday, November 19, 2015

Embaralhar

Imagem DR
Ou como a vontade colectiva de um povo é capaz de superar qualquer imposição, regra, ou legislação. Desde que me conheço que digo “embaralhar”. Alguns riem-se e dizem que é um erro. Outros presumem que não passa de um regionalismo. Mas para uma pequena percentagem da população, esta palavra nada mais é que um termo comum, tão correcto como qualquer outra palavra escrita até este ponto. Ignoremos o acordo ortográfico, pois “colectiva” e “correcto” são tão mais belos com aquele silencioso “c” por ali ilustrado.

Nunca fui um ávido jogador de cartas. Prefiro outros jogos como Uno, Monopólio, Cluedo e o ocasional Scrabble. Embora tenha experimentado um pouco de Magic, este não foi capaz de me seduzir. Apenas Pokémon, e o seu jogo de cartas, foram capazes de me forçar a entrar em torneios e a investir uma considerável quantidade de tempo e dinheiro num passatempo deste género. Mas mesmo essa tentação não foi além da minha pré-adolescência, e de um ocasional rasgo de nostalgia.

Nos torneios em que participava semanalmente no café “A Cave”, sempre que a situação o ditava dizia a palavra “embaralhar” com toda a naturalidade que esta sempre me reservou. Os restantes jogadores anuíam e também eles a repetiam sem pensarem uma ou duas vezes. Na praia, a jogar às cartas ou ao Uno com os meus pais, o mesmo acontecia. Não fossem eles quem me ensinou o sentido desta palavra.

Tive que aguardar até ao meu segundo ano de faculdade para ouvir pela primeira vez alguém a contestar o meu uso do termo “embaralhar”. Na altura achei peculiar o reparo. Nunca tinha ouvido a palavra “baralhar” até aquele ponto. Parecia um objecto estranho e alienígena. Essa palavra truncada é que parecia sim um erro em comparação com o meu fiel “embaralhar”.

Os restantes jogadores encolheram os ombros e disseram que não devia passar de um regionalismo. Não estava convencido. Fui pesquisar, e, de facto, tanto “embaralhar” como “baralhar” existem e encontram-se no dicionário. Têm ambas o mesmo significado, sendo que a primeira surgiu através da segunda.

“Embaralhar” não era um erro, mas sim um coloquialismo, uma palavra transformada pela oralidade, escrita em bom português e aclamada por um povo que viu no original “baralhar”, uma palavra sem jeito, mas com espaço para melhorar. Nasceu assim “embaralhar”, por aclamação popular e pela necessidade de registo de um termo comum, evoluído de outra palavra igualmente banal.

Gostamos muito de brincar com quem diz “arrebentar”, “alevantar” ou “ajuntar”. Contudo, são eles os donos da última gargalhada. Seja por teimosia, insistência, ou por mera coloquialidade, todas estas palavras figuram hoje no dicionário como termos correctos. Informais, decerto, mas correctos. Não são erros, mas sim meras palavras criadas pela adjunção do prefixo protético “a-“.

Nem todas possuem a beleza de um “embaralhar”, nem tão pouco são palavras capazes de soar inteligentes. Contudo, elas existem. Fazem parte da nossa língua, da nossa memória colectiva, e são hoje parte da nossa cultura.

A língua não é um ser estanque no epítome patamar da sua evolução. Mas sim um organismo vivo, em constante crescimento, sujeito à mais ínfima mutação do seu ADN, surja esta por decreto, por consenso, ou por aclamação popular.

Talvez seja hipocrisia da minha parte elogiar o acto de “embaralhar” e ser, contudo, incapaz de me livrar do “c” ou de me deixar levar por esse desnecessário acordo ortográfico. Talvez assim seja por dar mais valor à aclamação popular em detrimento de acordos fechados em salas escuras com pouco ou nenhum recurso à opinião daqueles que serão mais afectados por essas mesmas decisões.

Enfim, vou continuar a “embaralhar”, pois o Português é uma língua tão rica e cheia de potencial. Todos aqueles que contribuam para o seu crescimento e para o sem embelezamento, são bem-vindos.

São bem-vindos a participar na dança eterna do verbo lusitano que, ontem, como hoje, continua vivo, a crescer, a evoluir, e, enfim, a embaralhar.

Friday, November 13, 2015

Em Busca do Vale Encantado

The Land Before Time
Some things you see with your eyes, others, you see with your heart.

Littlefoot’s Mother, The Land Before Time

São raros os filmes que podemos ter a sorte de ver pela primeira vez em mais que uma única ocasião. Foi assim que começou a minha história com o Em Busca do Vale Encantado. O filme estreou em 1988 nos EUA, o mesmo ano em que nasci, mas apenas chegou a Portugal a 28 de Julho de 1989, mesmo assim, ainda era demasiado cedo para eu ter qualquer ideia ou vontade de o querer ver no cinema.

Tive que esperar mais sete anos por um dia de aulas especial. A minha professora da primária trouxe o filme em VHS para vermos naquela tarde. Não me recordo bem do ano, mas creio que foi em 96. Lembro-me que era uma tarde primaveril, não muito quente, nem muito fria. A minha escola não tinha os melhores meios, a única televisão que tínhamos já era velha, mesmo na altura, e bem pequena. Sentámo-nos todos em U nas cadeiras ou no chão a ver o filme, ou pelo menos a tentar. Na altura não o consegui ver bem. As outras crianças estavam impacientes, queriam brincar ou apenas estar na conversa. Lembro-me de algumas cenas do filme, meros flashes de recordações. Lembro-me do tom sombrio do ataque do Sharptooth, e da mãe do Littlefoot a defender o seu filho. Mas pouco mais.

A verdade é que na primeira vez que vi o Em Busca do Vale Encantado, não lhe prestei qualquer atenção. Meses mais tarde, o filme passou na RTP. Vi-o com a mesma atenção que dava a qualquer desenho-animado que encontrava na televisão, era já a segunda oportunidade que este filme tentava apelar à minha imaginação, mas por um motivo ou outro eu teimava em não ceder.

Foi apenas em Dezembro de 1997 que o vi pela primeira vez, que o vi verdadeiramente pela primeira vez. Nesse mês a RTP preparava-se para estrear na televisão nacional o Jurassic Park. Para comemorar essa data, esse Dezembro foi o mês dos Dinossauros. As semanas que antecederam a estreia do Jurassic Park ficaram marcadas por três filmes do Em Busca do Vale Encantado, todos eles dobrados em Português Europeu. Três versões únicas que nunca foram comercializadas em VHS ou DVD. Na primeira semana mostraram o filme original.

Embora já o tivesse visto duas vezes antes, desta vez fiquei agarrado. Lembro-me de chorar quando a mãe do Littlefoot morreu, da sensação de espanto e de felicidade que me assolou quando o Vale Encantado é revelado para o Littlefoot entre as nuvens no topo da cascata. Lembro-me da montanha russa de sensações que este pequeno filme me fez sentir. Quando terminou estava tão feliz. Sentia-me tão parvo por o não ter conseguido ver nas outras oportunidades que tive. Foi aí que a minha paixão por esta série de filmes começou.

Na semana seguinte mostraram o Em Busca do Vale Encantado III, O Tempo da Grande Partilha. Por algum motivo saltaram o segundo filme. Só o descobri meses mais tarde na biblioteca municipal. O terceiro filme foi durante muitos anos a minha sequela menos preferida. Passava bem sem o ver, muito por causa do primeiro e do segundo, mas mais ainda por causa do IV.

Dias antes da estreia de Jurassic Park, a RTP mostrou o Em Busca do Vale Encantado IV, Viagem através da Neblina. Nessa tarde tive que ir a um evento religioso numa terra longe de Ovar com os meus pais e a minha avó. Deixei então o vídeo a gravar para o poder ver mais tarde, e foi a melhor coisa que podia ter acontecido.

Quando alguém me pergunta qual é o meu filme preferido, a minha resposta é sempre a mesma, o Em Busca do Vale Encantado. Sem hesitações. Contudo, foi o quarto filme, a Viagem através da Neblina que me manteve colado a este franchise. É, até este dia, a minha sequela preferida e rivaliza com o filme original por um lugar especial no meu coração. A versão em Português Europeu é tão perfeita, das melhores dobragens que alguma vez vi. Tenho pena que a nunca tenham comercializado, contudo, graças a esse feliz infortúnio de a ter gravado, ainda hoje tenho comigo, agora em DVD, uma das poucas cópias alguma vez gravadas desta versão.

Não consigo sequer ver a versão em Português do Brasil, e mesmo a original em Inglês fica em segundo plano quando comparada com esta minha cópia do Em Busca do Vale Encantado IV. No ano seguinte consegui gravar também o filme original, já o III não mais voltou a ir para o ar.

A Viagem através pela Neblina é a sequela perfeita. Apresentam Ali, uma Long Neck como o Littlefoot, e a personagem que mistificou a série com a promessa do seu regresso. A cada nova sequela que saía aguardava impacientemente por algum sinal do seu retorno. Contudo, este apenas aconteceu na série de TV que já chegou tarde em 2007. Tarde e de uma forma desapontante, num episódio onde pouca ou nenhuma atenção é dada à personagem.

A minha paixão pelo Em Busca do Vale Encantado tardou a chegar, mas quando finalmente o senti, não mais o larguei.

Este Verão recebi a melhor notícia que nem em sonhos acreditava alguma vez chegar a ouvir. O Em Busca do Vale Encantado XIV estava em produção com estreia marcada para Fevereiro/Março de 2016.

Nove anos depois da última sequela e da série que acabaram com o franchise, o Em Busca do Vale Encantado está de regresso. Littlefoot, Cera, Ducky, Petrie e Spike estão de volta em mais uma nova aventura, após um longo período de ausência.

Voltei a escrever em fóruns e todos os dias procuro por novas informações sobre a data de lançamento do novo filme. O trailer deixou-me ansioso por este reencontro com as personagens que durante tantos anos ocuparam as minhas tardes. Dos meus mais velhos amigos ficcionais, da série de filmes que faz mais parte de mim do que qualquer outra coisa na minha vida.

Sinto-me como quando era criança e via os anúncios do lançamento das novas sequelas no Cartoon Network, e calculava pacientemente o número de meses que estas iriam demorar a chegar a Portugal.

Após tantos anos de ausência o Em Busca do Vale Encantado está de volta e não podia estar mais feliz.