Tuesday, September 22, 2015

A Minha Infinita Playlist

The Tunnel, The Perks of Being a Wallflower
Suddenly it was as if the roar of the crowd, and the cheers of my team mates were all sounding from a thousand miles away, and what remained in that bizzare muffled silence was only Peyton, the girl whose art and passion and beauty had changed my life. In that moment, my triumph was not a state championship but simple clarity, the realization that we'd always been meant for each other and every instinct to the contrary had simply been a denial of the following truth: I was now and always would be in love with Peyton Sawyer.
An Unkindness of Ravens, Lucas Scott

A minha playlist do Spotify é muito variada. Tal como em muitos aspectos da minha vida, tenho um elevado nível de fidelidade para com as bandas e as músicas que gosto. Sejam estas recém-descobertas ou arquivos longínquos do meu despertar musical em 2003. As dezanove horas de duração da minha playlist não reflectem sequer uma pequena parte do meu repertório real, pois este teria uma duração quase infindável, e incomportável para qualquer servidor, por mais variado que este seja.

Apenas uso o Spotify no trabalho. Em viagem recorro ao meu leitor de mp3, e em casa, quando estou longe do PC e da minha longa biblioteca de música, gosto de parar para ouvir os meus álbuns no gira-discos, na aparelhagem, no leitor de CDs, ou até mesmo no meu sistema de home cinema. Hoje, a introdução de uma música fez-me lembrar outra que costumava ouvir nos meus tempos do secundário. Procurei por ela e acabei por ouvir dois álbuns inteiros desta artista.

Embora conheça quem me conteste em relação a isto, pelo menos para mim, é impossível não associar uma música a um momento, a uma história, a um episódio da tua vida, ou a uma época em particular. Seja pela letra, por quem ta deu a conhecer, ou pelo preciso instante em que a ouviste pela primeira vez. Por vezes são coisas profundas, outras nem por isso. Há uma música, Nobody to Love de Sigma, que sempre que a ouço, lembro-me de andar no banco de trás do carro da Mafalda enquanto o Ricardo o conduzia com o seu chapéu de palha.

A música tem este poder. De nos transportar no espaço e no tempo para coisas cujo espectro se estende desde a mais comum das banalidades até ao mais profundo dos sentimentos. Enquanto esta música leva-me para Ervedal da Beira, para o Verão de 2014, e para o chapéu do Ricardo, outras têm um efeito muito diferente. Fight Against the Hours, de Lene Marlin, lembra-me uma noite na minha adolescência em que não conseguia dormir. Peguei no meu leitor de CDs e sentei-me no canto do meu quarto a espreitar pelos buracos da preciana para o escuro da penumbra nocturna da minha rua, pontuada por uma ou outra estrela. Lembro-me de chorar, e do conforto que sentia ali sentado naquele canto, onde ninguém me via, e onde mais nada se passava que não o silêncio e a doce voz da Lene Marlin.

A música de hoje guardo algures no meio deste espectro. Levou-me para uma tarde de Inverno no nono ano. Uma visita de estudo a Serralves e à Biblioteca Almeida Garrett, com o inevitável passeio pelos jardins do Palácio de Cristal. Não me lembro das exposições que vi, de um único quadro, nem tão pouco do motivo que nos levou até lá. Lembro-me de levar comigo este álbum, de o ouvir a meias com o Tiago, e de como a Sara disse que já o conhecia e que já o tinha ouvido incontáveis vezes.

Nunca gostei muito de visitas de estudo. Não que a pausa das aulas não fosse boa, mas a viagem de autocarro era sempre algo tenebrosa. Acabava quase sempre por ficar sozinho, ou sentado ao lado de alguém com quem não me dava bem o suficiente para ter um qualquer tipo de entretenimento que fizesse o tempo voar, e o desconforto da situação esvanecer. Embora isto fosse regra comum ao longo do liceu, não esperava que o mesmo sentimento me perseguisse até à faculdade.

No segundo ano da minha licenciatura tivemos uma “visita de estudo” à ZON em Lisboa. Passei grande parte da viagem de ida a dormir após a Graça me abandonar mais uma vez num assento vazio. No regresso, o Nuno acompanhou-me, mas como sempre, pouco tínhamos para dizer um ao outro. Felizmente estava a dar um filme na TV do autocarro, Wild Hogs. Uma comédia sobre um grupo de motoqueiros a sofrer de uma crise de meia-idade que decidem abandonar os subúrbios durante alguns dias para se aventurarem na América profunda. O filme em si, hoje, não é nada de especial, mas talvez por cansaço, por não ter mais nada que fazer, ou por me deixar contagiar pelos risos que me rodeavam, eu e o Nuno passámos a viagem a rirmo-nos bem alto de cada uma das peripécias daquele grupo de amigos, inadaptados ao Mundo dos gangues de motoqueiros.

A semelhança entre estes dois momentos, entre uma longa série de episódios incapazes de encaixar numa única música, fez-me pensar que por vezes, parece que nunca conseguimos verdadeiramente deixar o liceu. Na Universidade, no emprego, no convívio com um qualquer grupo de pessoas, encontramos sempre os mesmos rostos. Aqueles que ainda não se conhecem, os que sentem a necessidade de se afirmar, os populares, os aborrecidos, os que gravitam à volta de outros e os que fazem os outros gravitar. Os crânios, as princesas, os desportistas, os incorrigíveis, e os criminosos. Um Breakfast Club perpétuo, espalhado pelos escritórios, pelas bibliotecas, pelas cantinas, pelos bares, pelos cafés, pelos clubes, enfim, em qualquer lugar onde um grupo de pessoas se pode reunir.

Contam velhas histórias, anedotas e disparates, falam das suas vidas, das de quem gostam e de quem desgostam. Uns mentem, outros são honestos. Uns resguardam-se, outros abrem-se. Na verdade, talvez a única coisa que muda do Liceu para a vida adulta sejam os temas que partilhamos, os pretextos que usamos para nos reunir, e as pessoas que esvanecem e que se deixam alienar por outros compromissos das suas vidas.

Já não falamos do último episódio do Dragon Ball, não trocamos cartas Pokémon, não experimentamos bebidas, não combinamos festas clandestinas, não planeamos partidas aos Professores, nem entramos à socapa na escola, ou num outro sítio qualquer onde não devíamos estar. Hoje falamos de filosofia, de política, de crenças, de espiritualidade, de sexo, de desporto, de viagens, de séries, de filmes, de música, enfim, de tudo aquilo que nos inspira. De tudo aquilo que nos interessa ou que achamos importante o suficiente para partilhar com alguém.

Sim, talvez nunca deixemos verdadeiramente o liceu. Este faz parte de nós, não apenas de um passado que desejamos reviver, ou que desesperamos por esquecer, mas também de um presente que é hoje real pelas bases que criámos nessa altura, por quem conhecemos, por aquilo que fizemos, e por aquilo que aprendemos. Nesses longínquos seis anos que, em retrospectiva, não foram assim tão diferentes de todos os restantes que se seguiram.

A escola ficou lá. Com ela, as pessoas. Momentos que não passam de velhas fotografias, nomes que apenas ecoam em memórias há muito esquecidas. Já nós, nós crescemos, mudámos, criámos o nosso próprio liceu. Construímos a cada dia o nosso micro universo de uma vida de partilha de conhecimento, e de experiências, sem os limites de um recreio, sem os limites de uma turma, ou de um “concurso” de popularidade. Escolhemos as pessoas que dele fazem parte e reservamos para esse grupo todas as nossas alegrias, tristezas, e momentos banais que dão cor a cada dia que vivemos. A cada momento nosso, gravado nas letras de uma qualquer música que ainda aguardamos por um dia ouvir.

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