Saturday, April 28, 2012

Confronto de Gerações

Como regra, sou duramente criticado sempre que me refiro a pessoas dois ou três anos mais novas do que eu como membros de uma geração distinta da minha. E se a nível sociológico sou forçado a admitir um erro da minha parte, visto serem necessárias décadas para distinguir uma geração da sua antecessora, a verdade é que alguns factores anormais, como a rápida evolução tecnológica do início da década de 2000, permitiram criar um profundo fosso geracional entre os jovens nascidos nos finais dos anos oitenta e os dos inícios da década de noventa.

Recentemente estava a falar com alguém mais novo sobre um sarau organizado pelo meu liceu quando ainda andava no oitavo ano. Essa pessoa perguntou-me se eu tinha vídeos ou fotos dessa noite. Embora seja possível que existam fotos desse sarau, eu não as tenho. Na altura a minha família tinha uma máquina fotográfica analógica que raramente usávamos.

As primeiras máquinas digitais já estavam à venda, mas a preços tão elevados que poucas pessoas podiam sequer sonhar em ter uma. Quanto ao vídeo, apenas as famílias mais ricas tinham câmaras de vídeo e não me lembro de ver alguém a filmar nessa noite. Mesmo que o tivessem feito, provavelmente têm as imagens guardadas numa mini-DV algures perdida numa gaveta a ganhar bolor. Quanto aos telemóveis, já existiam, mas o modelo mais avançado era o Nokia 3310, sim, esse. Telemóveis com ecrãs a cores eram ainda um sonho futurista, nem valia a pena considerar a hipótese de estes existirem com máquinas fotográficas incorporadas.

Contudo, apesar disto, essa pessoa não acreditou naquilo que eu disse, como se para ela a existência desta tecnologia fosse uma verdade absoluta desde o início dos tempos.

Apenas tive o meu primeiro computador com internet em 2000 e na altura só o podia ligar à noite, e apenas durante alguns minutos, não fosse a conta do telefone assustar os meus pais.

Eu era um privilegiado entre os meus colegas de turma. Além de ter acesso à internet, era o único que falava fluentemente inglês e que podia assim desfrutar em plenitude os canais estrangeiros que apanhávamos na minha parabólica. Isto deu-me uma vasta vantagem a nível escolar, e de acesso a informação cultural.

Enquanto os meus restantes colegas apenas viam e consumiam aquilo que a televisão e culturas portuguesas tinham para oferecer, eu já era na altura um cidadão global, profundamente influenciado pelas tendências britânicas, americanas, russas e japonesas da época. Era único, e isso fazia-me sentir bastante só.

Era complicado encontrar alguém que me desafiasse intelectualmente. Felizmente a internet de banda larga chegou, os preços começaram a baixar, e o acesso à informação começou a banalizar-se. Comecei a socializar e a conviver com pessoas mais parecidas comigo, com gostos semelhantes aos meus. Deixei de me sentir só, e tudo isto graças à popularização da internet.

Hoje em dia o acesso à informação online é muito mais simples. Ao contrário desses anos, a informação escrita em português europeu online é muito mais vasta, o que facilita bastante a pesquisa de conhecimento para aqueles que vêem o inglês como um bicho-de-sete-cabeças. Já quase que não há desculpa para se ser ignorante quando toda a informação que precisas está mesmo à tua frente, de forma simples e minuciosamente explicada. Inclusive, nos dias de hoje, discutem-se formas de lidar com a sociedade hipermediatizada em que vivemos.

Contudo, todo este facilitismo e falta de tempo criaram uma quebra de valores transversal a quase todas as áreas culturais. Enquanto antigamente agarrávamo-nos às nossas colecções de discos de música, proclamando fidelidade a uma mão cheia de bandas, hoje, ouvimos e deitamos fora um artista novo todas as semanas, para não dizer todos os dias.

É tão fácil obter uma discografia completa, ouvi-la e passar para a seguinte sem qualquer acordo de compromisso. Tudo se tornou descartável e desprovido de valor. Já não existe o objecto físico, apenas zeros e uns que podem ser replicados, apagados, e substituídos num abrir e piscar dos olhos.

O mesmo acontece com as relações. Sejam elas amizades ou romances, somos confrontados diariamente com a hipótese de conhecer pessoas novas, o que faz com que alguns se limitem a saltar de colo em colo sempre com a ideia que existe alguém melhor.

Dois ou três anos de diferença e a quebra de valores entre a minha e essa “geração” é incrivelmente profunda. Tudo é consumível, os compromissos são sobreavaliados, tudo tem que ser fácil, nada vale a pena, e a fama e o dinheiro parecem ser os seus únicos objectivos.

Claro que generalizo ideais que não representam a totalidade de uma geração. Mal era se assim fosse. Reconheço que na minha também exista quem aja assim, contudo, na minha experiência, é bem mais comum encontrar este tipo de personalidades em sujeitos nascidos na década de noventa e que iniciaram a sua pré-adolescência numa era digitalizada, e com fácil acesso à informação.

Recentemente falava com uma amiga minha sobre um vox pop feito pela SIC a estudantes da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Nele, o jornalista questionava os estudantes sobre as dificuldades em pagar as propinas, principalmente para aqueles que dependiam da acção social ou que tinham pais desempregados. Ela reparou que nenhum deles tinha apresentado como solução arranjar um emprego temporário para ajudar os pais com os gastos.

Eu passei o último ano do meu mestrado como trabalhador/estudante, a trabalhar a tempo inteiro na minha área de formação da licenciatura. Reconheço que dada a actual conjuntura, eu tive muita sorte em poder fazer isso. Contudo, conheço inúmeros casos de pessoas da minha idade que embora não tivessem arranjado emprego nas suas áreas, aceitaram empregos menores para poderem pagar as propinas, ajudar as suas famílias, e ainda terem algum para gastarem consigo próprios.

Na minha geração, tal como em todas, existem pessoas que sabem reconhecer as dificuldades que os rodeia e que são capazes de as derrubar e seguirem em frente de cabeça erguida. Por que parece ser hoje em dia aceitável desistir ao primeiro sinal de adversidades? Por que existem jovens com o espírito tão derrotado que apenas se limitam a desejar que as coisas lhes caiam do céu? Estas questões têm que ser resolvidas. Não podemos simplesmente aceitar que este fosso geracional continue a crescer.

Nesta luta de gerações vejo os desenrascados a saltarem as barreiras em busca do seu próprio sucesso, enquanto os restantes ficam à rasca a chorar sobre leite derramado.

O acesso à informação é importante, mas sem um espírito crítico para avaliar os zeros e uns com os quais somos confrontados a cada segundo, este pode ser a pior arma de estupidificação com a qual alguma vez nos deparámos.

Desliguem-se da corrente e nadem contra ela, por mais solitária que a viagem pareça, alguém irá surgir para vos guiar até à margem.

Sunday, April 15, 2012

Sem Amigos em Comum

Há pessoas que conhecemos das mais diversas maneiras. Estranhos que todas as manhãs se cruzam no nosso caminho. Velhos conhecidos que viajam connosco nos mesmos transportes. Colegas de escola, de faculdade, de trabalho. Familiares, amigos, amigos de amigos, vizinhos, conhecidos e desconhecidos. Pessoas que, por um motivo ou outro, estávamos destinados a conhecer nem que fosse apenas de passagem.

Graças à internet, as regras do jogo mudaram. É comum, hoje em dia, conhecermos pessoas online que nada partilham connosco no mundo real. Pessoas de cidades diferentes, com percursos académicos e profissionais que nunca se cruzam com os nossos. Desconhecidos com quem não partilhámos uma viagem de comboio, nem tão pouco um festival ou um concerto de música. Pessoas que apenas conhecemos pela casualidade de num certo dia, a uma certa hora, ambos estarmos online.

Podia apenas assumir a internet como um espaço de encontro e comunicação tão válido como qualquer outro espaço físico, e esta conversa terminava por aqui. Contudo, o mundo real não é assim tão simples.

Com a excepção das viagens de avião, não é socialmente aceitável abordar um estranho num transporte público sem existir um propósito claro como a cedência do lugar, ou para avisá-lo que se esqueceu de alguma coisa no banco. Já a internet é desprovida deste género de convenções. Não é visto com maus olhos iniciar uma conversa com um desconhecido a partir do momento que este não hesita em responder.

Estas pessoas “desligadas” do nosso percurso, na maioria das vezes têm pouco ou nenhum impacto na nossa vida além de figurarem como nossos “amigos” nas diversas redes sociais. São erros de casting, conhecidos que noutro contexto não passariam de fantasmas com pouca ou nenhuma relevância na nossa história.

Contudo, nem a vida, nem o destino se constroem de uma maneira tão linear. A internet faz parte do dia-a-dia e no que a socializar diz respeito, abre as mesmas portas que um bar, um concerto ou uma viagem de avião. Todas as pessoas, mesmo os figurantes, são importantes. Por mais mínima que seja a sua intervenção, encaminharam-nos na direcção correcta e fizeram-nos companhia por alguns instantes do nosso percurso.

Por vezes encontro-me a pensar nestas personagens sem amigos em comum. Como as conheci e porquê. Qual o seu valor? Quando vai chegar a sua oportunidade de criarem um impacto? E se esse dia não chegar, porque existem sequer?

Questões que guardo no vento. Sem sentido pois a resposta a seu tempo irá surgir.

Não vejo as pessoas sem amigos em comum como erros, mas como projectos em desenvolvimento. No fundo, alguém “sem amigos em comum”, é em si só paradoxal, pois quando duas pessoas se conhecem, já têm um ao outro em comum.

Na grande história da nossa vida, na qual somos o personagem principal, caminhamos, tomamos decisões e seguimos pela estrada. Não somos narradores omniscientes, nem tão pouco conseguimos adivinhar o que vai acontecer a seguir.

Para elas, somos também nós figurantes. Cada um preocupado apenas com o próximo passo a dar, na esperança que, caso surja a oportunidade, sejamos capazes de dar aquela mão amiga para ajudar os nossos companheiros de viagem.