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Existem dois termos que todos os eleitores deviam conhecer antes de exercer o seu direito de voto, a janela de Overton e o efeito Ratchet (Overton Window e Ratchet Effect em inglês).
A janela de Overton é um conceito que se refere a um
conjunto de temas que são, na sua maioria, aceites pela generalidade da
população. Os temas que estão dentro da janela de Overton representam aquilo
que é aceite como o status quo da
sociedade, ou seja, os direitos e os deveres básicos que tomamos como garantido
no nosso dia-a-dia.
Por exemplo, em Portugal podemos encontrar dentro da janela
de Overton temas como a escola pública, o serviço nacional de saúde, o direito
à vida, ou a liberdade de expressão e de associação. Contudo, a janela de
Overton não é um espaço estanque. Ela pode ser movida ou ampliada para a
esquerda ou para a direita do espectro político através da educação, da
propaganda ou, até mesmo, da manipulação da opinião pública.
Nos anos 90 temas como o aborto, a eutanásia, o casamento
homossexual, ou até mesmo a liberalização do consumo de drogas eram temas tabu,
radicais e firmemente fora da janela de Overton. Felizmente, através da
educação da população foi possível nas últimas décadas reverter esta situação e
permitir que a opinião pública, na sua generalidade, aceitasse a inclusão destes
temas na janela de Overton.
Hoje em dia seria impensável um partido dito moderado
posicionar-se contra o aborto ou contra os direitos da comunidade LGBTQIA+.
Temas que há trinta anos estavam fora do debate político hoje são direitos
garantidos a todos os cidadãos.
Actualmente fora da janela de Overton podemos encontrar
assuntos como a legalização das drogas leves e da prostituição, o rendimento
básico incondicional, e o investimento em energia nuclear, à esquerda, e a
liberalização do mercado e o corte de impostos, à direita.
Os partidos fora do bloco central têm como missão fazer
lobby, propaganda e educar a população para que estes ou outros temas de seu
interesse possam ser incluídos na janela de Overton.
Nos EUA, por exemplo, hoje em dia há um esforço enorme do
partido democrata para incluir temas como o acesso universal a cuidados de
saúde, o aumento do salário mínimo e a melhoria dos direitos dos trabalhadores
na janela de Overton da opinião pública norte-americana. Enquanto o partido
republicano esforça-se para remover da janela de Overton temas como o aborto ou
os direitos das pessoas transgénero.
A janela de Overton é no fundo um conceito que retrata a
fluidez da opinião pública e como esta pode ser alterada, para o bem e para o
mal, através da acção dos diferentes actores políticos.
O efeito ratchet é um conceito um pouco mais complexo que
procura explicar a dificuldade que certos países têm em mover a sua janela de
Overton.
Imaginemos uma engrenagem que roda numa única direcção. Esta
engrenagem tem uma peça que a impede de rodar na direcção oposta.
Voltando ao exemplo dos EUA. Durante a presidência de Donald
Trump duas posições do Supremo Tribunal norte-americano ficaram disponíveis.
Neste país estas posições são vitalícias e os juízes do supremo apenas
abandonam o cargo após morte ou doença severa.
Donald Trump e o partido republicano aproveitaram esta
oportunidade para colocar dois juízes conservadores com visões anti-aborto,
anti-sindicais, anti-feministas e anti-LGBTQIA+ no lugar. Com a agravante de se
tratarem de duas pessoas jovens que dificilmente sairão do lugar nos próximos
vinte a trinta anos.
Isto significa que um executivo que apenas durou quatro anos
conseguiu em tão pouco tempo ditar o futuro das principais decisões políticas
do país para as próximas décadas, travando qualquer hipótese de reverter a
engrenagem numa direcção progressista e favorável aos direitos das mulheres,
dos trabalhadores e da comunidade LGBTQIA+.
Em Portugal o efeito ratchet é visível por exemplo nas
políticas da troika impostas pelo governo de Passos Coelho que mesmo após seis
anos de governo de António Costa ainda não foram revertidas, como o
congelamento das carreiras dos funcionários públicos, o pagamento de horas
extra, e a contratação colectiva.
O efeito ratchet é visível, em particular, nos partidos ao centro,
pois estes sentem-se confortáveis em manter o status quo. Ao fazerem-no promovem a sua própria estabilidade governativa
e garantem o apoio dos parceiros sociais mesmo que isso não seja do interesse
da população em geral.
O bloco central promove assim o reforço da peça que impede a
engrenagem de rodar no sentido oposto.
Com estes dois conceitos em mente torna-se mais fácil
perceber os movimentos políticos de ambos os lados do espectro, permitindo uma
escolha mais acertada do eleitor no momento do voto.
Quando somos convidados a votar devemos olhar para o estado
do país e questionar que rumo queremos para o mesmo. Será que o meu voto vai
puxar a janela de Overton na direcção correcta? Ou será que estarei apenas a
promover um efeito ratchet que irá impedir o progresso e as reformas
necessárias?