Tuesday, January 04, 2022

Janela de Overton e Efeito Ratchet

Imagem DR

Existem dois termos que todos os eleitores deviam conhecer antes de exercer o seu direito de voto, a janela de Overton e o efeito Ratchet (Overton Window e Ratchet Effect em inglês).

A janela de Overton é um conceito que se refere a um conjunto de temas que são, na sua maioria, aceites pela generalidade da população. Os temas que estão dentro da janela de Overton representam aquilo que é aceite como o status quo da sociedade, ou seja, os direitos e os deveres básicos que tomamos como garantido no nosso dia-a-dia.

Por exemplo, em Portugal podemos encontrar dentro da janela de Overton temas como a escola pública, o serviço nacional de saúde, o direito à vida, ou a liberdade de expressão e de associação. Contudo, a janela de Overton não é um espaço estanque. Ela pode ser movida ou ampliada para a esquerda ou para a direita do espectro político através da educação, da propaganda ou, até mesmo, da manipulação da opinião pública.

Nos anos 90 temas como o aborto, a eutanásia, o casamento homossexual, ou até mesmo a liberalização do consumo de drogas eram temas tabu, radicais e firmemente fora da janela de Overton. Felizmente, através da educação da população foi possível nas últimas décadas reverter esta situação e permitir que a opinião pública, na sua generalidade, aceitasse a inclusão destes temas na janela de Overton.

Hoje em dia seria impensável um partido dito moderado posicionar-se contra o aborto ou contra os direitos da comunidade LGBTQIA+. Temas que há trinta anos estavam fora do debate político hoje são direitos garantidos a todos os cidadãos.

Actualmente fora da janela de Overton podemos encontrar assuntos como a legalização das drogas leves e da prostituição, o rendimento básico incondicional, e o investimento em energia nuclear, à esquerda, e a liberalização do mercado e o corte de impostos, à direita.

Os partidos fora do bloco central têm como missão fazer lobby, propaganda e educar a população para que estes ou outros temas de seu interesse possam ser incluídos na janela de Overton.

Nos EUA, por exemplo, hoje em dia há um esforço enorme do partido democrata para incluir temas como o acesso universal a cuidados de saúde, o aumento do salário mínimo e a melhoria dos direitos dos trabalhadores na janela de Overton da opinião pública norte-americana. Enquanto o partido republicano esforça-se para remover da janela de Overton temas como o aborto ou os direitos das pessoas transgénero.

A janela de Overton é no fundo um conceito que retrata a fluidez da opinião pública e como esta pode ser alterada, para o bem e para o mal, através da acção dos diferentes actores políticos.

O efeito ratchet é um conceito um pouco mais complexo que procura explicar a dificuldade que certos países têm em mover a sua janela de Overton.

Imaginemos uma engrenagem que roda numa única direcção. Esta engrenagem tem uma peça que a impede de rodar na direcção oposta.

Voltando ao exemplo dos EUA. Durante a presidência de Donald Trump duas posições do Supremo Tribunal norte-americano ficaram disponíveis. Neste país estas posições são vitalícias e os juízes do supremo apenas abandonam o cargo após morte ou doença severa.

Donald Trump e o partido republicano aproveitaram esta oportunidade para colocar dois juízes conservadores com visões anti-aborto, anti-sindicais, anti-feministas e anti-LGBTQIA+ no lugar. Com a agravante de se tratarem de duas pessoas jovens que dificilmente sairão do lugar nos próximos vinte a trinta anos.

Isto significa que um executivo que apenas durou quatro anos conseguiu em tão pouco tempo ditar o futuro das principais decisões políticas do país para as próximas décadas, travando qualquer hipótese de reverter a engrenagem numa direcção progressista e favorável aos direitos das mulheres, dos trabalhadores e da comunidade LGBTQIA+.

Em Portugal o efeito ratchet é visível por exemplo nas políticas da troika impostas pelo governo de Passos Coelho que mesmo após seis anos de governo de António Costa ainda não foram revertidas, como o congelamento das carreiras dos funcionários públicos, o pagamento de horas extra, e a contratação colectiva.

O efeito ratchet é visível, em particular, nos partidos ao centro, pois estes sentem-se confortáveis em manter o status quo. Ao fazerem-no promovem a sua própria estabilidade governativa e garantem o apoio dos parceiros sociais mesmo que isso não seja do interesse da população em geral.

O bloco central promove assim o reforço da peça que impede a engrenagem de rodar no sentido oposto.

Com estes dois conceitos em mente torna-se mais fácil perceber os movimentos políticos de ambos os lados do espectro, permitindo uma escolha mais acertada do eleitor no momento do voto.

Quando somos convidados a votar devemos olhar para o estado do país e questionar que rumo queremos para o mesmo. Será que o meu voto vai puxar a janela de Overton na direcção correcta? Ou será que estarei apenas a promover um efeito ratchet que irá impedir o progresso e as reformas necessárias?