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Cento e quarenta caracteres.
Todos os dias escrevo cento e quarenta caracteres. Pensamentos erráticos.
Comentários a um evento. Citações de momentos inócuos. Opiniões controversas.
Simples partilhas. Pequenas considerações. Encadeadas em sucessões lógicas mais
dignas de outro espaço. Um que as não limitasse a cento e quarenta caracteres.
Em 2008 quando comecei a
aventurar-me pela microblogosfera que hoje é o twitter, costumava comparar o
meu número de publicações, na altura ainda longe de serem conhecidas como
tweets, com aquelas que tinha feito até então no meu blogue. Devo ter demorado
ainda uns dois ou três meses, mas cedo ultrapassei um número que achava difícil
de alcançar. Hoje já lhes perdi a conta. Um breve vislumbre do meu perfil
diz-me que são mais de vinte e sete mil.
Vinte e sete mil tweets. Quão
ingénuo da minha parte era comparar tão volumoso número aos trezentos e vinte e
sete artigos publicados neste blogue. Quantos romances não podiam ser escritos
em vinte e sete mil tweets? Quantos poemas. Quantos contos. Quantas crónicas.
Quantas críticas. Momentos. Palavras. Pensamentos. Notas. Enfim, um finito número
de incontável material que podia já hoje ter publicado, tivessem esses vinte e
sete mil tweets, a energia e a lógica necessária para se conduzirem por entre
os diversos teclados para papéis capazes de lhes darem forma e um propósito.
Há meses que não escrevo. Não sei
como aconteceu. Não tenho um motivo ou uma razão. É apenas algo empiricamente
observável pela ausência de publicações neste ou em qualquer outro espaço. Há
um ano comecei por reduzir a frequência com que o fazia. Desisti da minha regra
dos trinta artigos anuais e mantive-me apenas fiel à habitual publicação
mensal. Em Janeiro, até essa fui incapaz de manter.
Podia culpar o excesso de
trabalho. A falta de tempo. As viagens. Enfim. Estaria a mentir. Tempo é algo
que não me escasseia. Por mais ocupado que esteja numa semana, há sempre outra
que compensa. Por mais tempo que passe dentro ou fora de Lisboa, há sempre uma
hora vazia, facilmente preenchida por um fugaz dedilhar de teclado.
Não. A culpa não é do tempo. Nem
tão pouco da sua falta. A culpa morre solitária em mim. Falta-me motivação. Razão.
Inspiração. Uma voz. Falta-me aquele algo que hoje me faz escrever. Falta-me
vontade.
Em Novembro, após cinco anos de
inactividade dessa particular aptidão, voltei a escrever notícias. Cinco por
semana. Todas as semanas. Recordo-me do pânico de uma mente enferrujada incapaz
de se lembrar de algo que em tempos era tão natural como qualquer outra minúcia
do dia-a-dia.
As primeiras semanas foram
exigentes. Não conseguia encontrar as palavras. Os meus dedos ficavam perros e
a minha mente vazia. Mesmo com toda a informação necessária à minha frente, era
incapaz de a reconstruir em uma narrativa coerente e informativa. Deambulava
entre opiniões e vozes de um repórter presente. Sentia falta de um rumo. De uma
crítica. De um empurrão na direcção correcta.
Ler o trabalho de outros colegas
em situações semelhantes apenas tinha o efeito oposto ao esperado. Em vez de
inspirar, desesperava. Mergulhava fundo em busca de um talento que se escapava
por entre as ondas de uma mente em constante reboliço.
As primeiras tentativas
deploráveis de encontrar algo substancial não passaram de embaraçosas mantas de
retalhos, demasiado cruas para servirem de conforto na mais fria das noites. Faltava-me
prática. Método. Rotina. Voz.
Este pânico inconstante durou
cerca de uma semana. Quem sabe, talvez duas. Comecei por desenhar uma rotina.
Planeei os meus dias à sua volta, decido a cumpri-la à risca. O método veio
depois. A ele seguiu-se uma voz.
A princípio tímida.
Inconsequente. Desconfiada. Insegura. A necessidade, o tempo, a urgência e,
enfim, o trabalho, deram-lhe força. De uma notícia por dia, escrita à
prolongada velocidade de duas horas desperdiçadas, passei a escrever as cinco
todas as sextas-feiras, de uma só vez, no espaço de uma manhã.
Hoje, tenho alguma ajuda, e as
cinco são agora duas. Talvez esta recém-descoberta liberdade tenha encontrado
na minha inspiração o espaço suficiente para respirar. Talvez seja por isso que
hoje escrevo. Ou talvez apenas tenha cedido perante uma inevitável necessidade
de o fazer. O tempo o dirá.
As vinte e poucas notícias
mensais voltaram a despertar em mim hábitos e técnicas há muito adormecidas.
Escondidas por entre a constante barragem de ideias e pensamentos que assolam o
íntimo da minha mente. Culpadas, talvez, pela falta de energia e vontade em dar
voz a algo capaz de se alongar para lá dos habituais cento e quarenta
caracteres. Foram, enfim, uma faca de dois gumes que me silenciou por um
período indeterminado.
Escrevo isto hoje sem música. Sem
paz. Com ruído e vozes de fundo. Em casa. Depois do jantar. Longe do sótão.
Longe do meu quarto. Longe de uma qualquer secretária num qualquer gabinete.
Hoje escrevo pois hoje tive voz. Pois hoje tive vontade. Pois hoje tinha que o
fazer.