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Poucas coisas são mais irritantes que aquela palavra teimosamente presa na ponta da tua língua. Momentâneas obsessões que tomam conta do teu cérebro. Mordazes e incapacitantes obsessões. Persistentes obsessões. Enfurecedoras obsessões. Obsessões. Obsessões. Obsessões.
Uma importante parte dos meus constantes desafios e exercícios mentais passam pelo controlo do sentimento de obsessão. Aquela voz inquietante que não te deixa adormecer enquanto não te certificares se desligaste de facto o aquecedor. Que te incita a verificares o e-mail que acabaste de enviar para teres a certeza que não te esqueceste de nenhum anexo. Isto apesar de já o teres revisto umas dez vezes antes de carregares no botão de envio.
Em certos casos esta obsessão pode ser útil. É aquele pequeno gesto que te impede de enviar um projecto com erros, e que impele um certo toque perfeccionista em cada obra que produzes. Não fosse assim, e ‘ser um perfeccionista’ seria tudo menos a resposta mais comum à pergunta, ‘qual o teu maior defeito’. Contudo, há um motivo para que ser-se perfeccionista encaixe na categoria de defeitos e não na de virtudes. A perfeição consome uma grande quantidade de tempo. Tempo esse que é precioso. Tempo esse que é apertado. Tempo esse que não tem lugar para obsessões. Especialmente para aquelas que pouco ou nada têm de racional.
Há dias tinha uma palavra presa na ponta da minha língua. Tentei ignorá-la e descansar na hipótese de que eventualmente a iria recordar. Contudo, não há obsessão mais difícil de controlar que esta. Não há nada mais irritante que aquela palavra que não consegues dizer. Após alguns minutos a arranhar o meu cérebro, escavando o meu subconsciente em busca de algo que me pudesse ajudar a encontrá-la, apenas descobri as seguintes pistas: F podia ser a primeira letra da palavra; Quintessência; e uma possível sílaba com um som ‘L’.
A minha mente funciona de forma misteriosa, abstracta e demasiado complexa, mesmo para a minha própria compreensão. A palavra que procurava era um termo usado maioritariamente pela classe política e cujo significado é ‘uma característica comportamental peculiar a um indivíduo ou grupo’. Nada tem a ver com quintessência, e as pistas silábicas estavam erradas.
Após uma longa e infrutífera pesquisa online, parei então o episódio da série que estava a ver e fui escavar por entre uma pilha de livros em busca de um velho dicionário da Porto Editora. É um daqueles volumes laranjas pesados que raramente vemos em uso hoje em dia. Encontrei a letra F e folheei na diagonal todas as páginas desta letra, em busca da palavra que tanto me atormentava.
Enfim, desisti e recorri ao último recurso que apenas uso em caso de emergências obsessivas: pedi ajuda nas redes socias. Após uma breve troca de comentários jocosos, acabei por encontrar alguém capaz de me ajudar: Idiossincrasia. Era esta a palavra que me tinha atormentado nas últimas horas.
Sim, compreendo a profunda ironia de ter uma obsessão, ou melhor, uma característica comportamental peculiar à minha pessoa, a ditar uma incessante busca pela palavra ‘idiossincrasia’.
Não consigo descrever o sentimento de alívio que senti quando finalmente a reencontrei. Talvez seja esse sentimento a verdadeira quintessência da minha obsessão. O meu desejo por essa sensação de tranquilidade e calma catártica força-me a obcecar pela mais ínfima coisa, de forma a satisfazer a minha dose diária de paz intelectual.
Talvez isto não passe mesmo de uma característica comportamental peculiar à minha pessoa. Apenas sei que, até hoje, raras são as vezes que as pistas do meu cérebro fazem sentido a alguém que não a mim próprio. E, neste caso, nem aí surtiram algum efeito.
São as nossas próprias idiossincrasias que ajudam a construir as peculiaridades da nossa personalidade. Algumas são benéficas, outras são irritantes. Algumas são estruturantes, outras necessitam de ser trabalhadas.
Há dias falhei em controlar a minha obsessão. Já ontem. Ontem fui dormir sem me preocupar se tinha tirado ou não as pilhas da lanterna. Pequenos passos num longo caminho. Episódicos dias, cada um a seguir ao outro.