Todos se queixam, alguns a ultrapassam, poucos a compreendem. A crise é uma palavra que nos últimos anos se tem espalhado de forma viral pela boca dos portugueses. Passou a ser parte do nosso dia-a-dia, virou cliché, e fomenta quase a totalidade das conversas do povo desinformado que poucos ou nenhuns assuntos de interesse tem para partilhar com o resto do mundo. Mas falar de crise parece não passar de uma catarse de desespero e queixas, sem se ver um verdadeiro debate sobre potenciais soluções para nos livrarmos dela.
De um ponto de vista sociológico a crise teve início no dia 11 de Setembro de 2001. O medo de ataques terroristas aparentemente aleatórios em países que há muito tempo gozavam de um ambiente de paz e segurança, fez com que as pessoas aderissem à ideologia do “só vivemos uma vez” e temos que “aproveitar o dia de hoje e esquecer o amanhã”. Isto levou a que muitas famílias, principalmente das classes média e baixa, parassem de adiar futuros investimentos e recorressem ao crédito para comprarem casas, carros, gadgets e afins. Isto despoletou um crescimento nunca antes visto nos mercados de crédito, no imobiliário e no sector financeiro. As famílias aceitaram sobreendividarem-se em troca de um nível de vida superior àquele que os seus salários permitiam. Para quê guardar e pagar amanhã se posso pedir crédito e pagar hoje?
A parte mais curiosa é que tudo isto seria aceitável, desde que as pessoas mantivessem os seus empregos e que os seus salários continuassem a subir superando todos os anos o valor da inflação. Contudo, tal utopia cedo se mostrou catastrófica graças ao rápido crescimento económico dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). A mão-de-obra barata e um regime de esclavagismo que ignora por completo os direitos dos trabalhadores em alguns destes países, levou a que as grandes empresas norte-americanas e europeias deslocassem para lá as suas fábricas. O baixo custo de produção levou ao encerramento de muitas indústrias em países europeus e nos EUA. Como as fábricas começaram a fechar, os trabalhadores foram para o desemprego, deixando-os sem possibilidade de pagar os seus créditos. Iniciou-se assim um efeito dominó que culminou na explosão da bolha imobiliária dos EUA no ano de 2008.
Como os trabalhadores das fábricas ficaram desempregados, ou viram os seus salários reduzidos, o seu poder de compra diminuiu. As pequenas empresas de bens não-essenciais deixaram de ter clientes e elas também começaram a falir. Os serviços viram-se forçados a reestruturar a sua política económica o que levou a mais despedimentos e a um constante agravamento dos impostos, o que resultou num forte corte dos salários.
Com um menor poder de compra e com o já referido sobreendividamento das famílias, estas deixaram de ter dinheiro para pagar os seus créditos. Algumas deram a volta e passaram a viver a um nível mais adequado àquele que os seus salários proporcionavam, contudo, já era tarde demais. Como as pessoas deixaram de pagar os créditos, ao mesmo tempo que deixavam de ter dinheiro extra para depositar nas suas contas, os bancos começaram a ficar sem dinheiro. Embora fossem capazes de reaver as casas, carros e afins nos quais os seus clientes tinham investido, os bancos mesmo que os conseguissem vender, nunca conseguiriam repor na totalidade o dinheiro investido. Desta forma não tiveram outra solução que não falir ou então recorrer a dinheiros públicos para se tentarem salvar.
Endividamento em cima de endividamento levou a que os défices da grande maioria dos países ocidentais subissem a pique. O povo não tinha poder de compra, o desemprego continuava a subir e os pagamentos ao estado a baixar.
Outro fenómeno que contribuiu para esta situação foi o crescimento do Euro. A moeda única quando surgiu tornou-se muito atraente para os mercados internacionais. Uma moeda forte suportada pela economia europeia que era mais barata que o dólar. Isto levou a que muitos países, nomeadamente os sul-americanos, optassem por usar o Euro como moeda de câmbio, em detrimento do dólar, nas suas transacções internacionais. Como se a crise económica não bastasse, os EUA viviam assim uma forte ameaça a uma das suas principais fontes de financiamento, as transacções internacionais. O dólar desvalorizou e o Euro cresceu, chegando mesmo a igualar a libra, uma das moedas europeias mais valorizadas a nível internacional. Os EUA olharam para isto como uma oportunidade e optaram por manter o dólar baixo. A Europa virou vítima do seu próprio veneno e o dólar começou a recuperar terreno nos mercados internacionais. O Euro desvalorizou e perdeu terreno.
A crise chegou à Europa através dos pequenos países na periferia da Zona Euro. Portugal, Grécia e Irlanda, eram países aliciantes para o investimento internacional dado o seu baixo custo de produção, contudo, incapazes de rivalizar com os BRIC ou até mesmo com os países da Europa de Leste. Como se isto não bastasse, a Grécia apresentou uma agravante crise de corrupção ao mais alto nível em todo o seu sector público. Há anos que o governo grego adulterava as suas contas para parecer um país cumpridor. Mas as mentiras apenas os conseguiram levar até um certo ponto. Quando a verdade emergiu os mercados internacionais e as agências de rating perderam confiança na Grécia e na União Europeia. Isto fez com que o investimento parasse e com que a dívida externa passasse a ser negociada com juros muito elevados e incomportáveis por parte deste país. A União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional (FMI) entraram em acção e tentaram ajudar a Grécia, mas o nível de corrupção era demasiado profundo e ainda hoje esse problema parece estar longe de ser resolvido.
O caso Português é sintomático do que se passa no resto da Europa. A instabilidade política provocada pelo PSD aquando da tentativa de aprovação do PEC IV por parte do governo de Sócrates foi a última palha nas costas do nosso camelo económico. Temendo que Portugal se acabasse por tornar numa nova Grécia, os investidores internacionais perderam a confiança em nós e obrigaram-nos a pagar juros surreais, tudo por causa de um aparente mal-entendido e do despertar de uma desconfiança pornográfica na nossa capacidade de ultrapassar as diversidades financeiras.
Somos vítimas de uma ideologia que assolou o mundo ocidental após o 11 de Setembro de 2001. Somos vítimas de nós próprios por tentarmos viver acima das possibilidades, mas acima de tudo somos vítimas da actual realidade europeia da qual parecemos apenas ser parte do problema e não da solução. Portugal foi em tempos o país exemplo de como a União Europeia poderia funcionar como um elemento fomentador de crescimento. Hoje temos que voltar a ser o exemplo de como somos capazes de ultrapassar a crise e de retomar uma estabilidade económica que permita ao Euro estabilizar-se, dando espaço para os mercados recuperarem e incentivarem o investimento e a subida do emprego. As soluções estão à nossa volta, e já demonstrámos a perseverança necessária para alcançarmos a estabilidade económico-financeira que tanto almejamos. Sim, é o momento para sacrifícios, mas são sacrifícios necessários para que no longo prazo sejamos capazes de recuperar a nossa confiança de forma a que esta não mais volte a ser questionada e abalada por factores externos.