Em dois mil e dois o mundo era um lugar diferente. Isso, qualquer idiota consegue ver sem a necessidade de consultar um almanaque ou algo que a ele se assemelhe. Afinal estamos em dois mil e doze e o Google nunca foi tão eficaz. Mas em dois mil e dois o meu mundo era muito diferente, a começar pela tecnologia que tinha ao meu dispor.
Ainda não tinha telemóvel, embora o meu pai já fosse no seu segundo, não havia necessidade de um adolescente de catorze anos ter um. O meu primeiro computador com internet estava a fazer dois anos, tinha apenas dez gigabytes de disco e cento e vinte e oito megabytes de RAM. Na altura que o comprei o rapaz da loja disse-me que não valia a pena ter leitor de DVDs pois estes apenas serviam para filmes. O monitor continuava a ser o velho Philips do meu primeiro PC que já na altura tinha uns bons seis anos, ou não tivesse ele chegado cá a casa em mil novecentos e noventa e seis.
Já me aventurava pelos chats do IRC, AEIOU, entre outros. Apenas o ligava à noite e nunca por mais do que uma ou duas horas, não fosse a conta do telefone disparar do dia para a noite. Ainda não tinha ouvido falar em banda larga, muito menos em fibra óptica. Os computadores portáteis eram “coisa de ricos”, demasiado caros para tentar compreender a necessidade de ter um. Os tablets eram sonhos futuristas e o touch screen apenas uma brincadeira que tinha visto na Expo 98, e num ou outro museu.
Sonhava com visitar Londres, algo que ainda não fiz, mas agora apenas me detenho pela falta de oportunidade, visto que o preço da viagem é hoje bastante acessível, ao contrário de dois mil e dois, quando achava improvável que algum dia tivesse dinheiro para ir mais além de Espanha.
Já me tinha habituado ao Euro, sem necessidade de usar uma calculadora de conversão ou de gastar muitas horas a jogar a edição especial do Monopólio que tinha recebido no Natal anterior.
Não saía muito de Ovar, ainda não tinha descoberto a música, e limitava-me a gastar o meu tempo a ler ou a ver desenhos animados. Comecei a sair à noite nesse ano. Não tinha propriamente amigos portanto apenas saía quando havia jantares de turma ou o aniversário de alguém. Poucos eram aqueles que bebiam e ninguém fumava, pelo menos, não ainda.
O meu pai ainda tinha a sua Ford Escort de noventa e quatro, sem nenhuma mossa ou risco, quase que passava como nova. Até dois mil e sete, este foi o último ano que passei férias no Algarve. Viagem rápida pela A2, inaugurada recentemente. Ficámos em Quarteira, uma semana num T0. Apenas eu e os meus pais. A minha avó não quis ir.
Embora já tivesse televisão por cabo, ainda recorria à parabólica para ver alguns canais. Dividia os meus dias entre o Cartoon Network e o Canal Panda, e aos fins-de-semana fazia maratonas a ver as minhas cassetes do Em Busca do Vale Encantado no velho vídeo que tantas vezes teve que ir para arranjar por necessidade de limpar as suas cabeças. Dois euros chegavam e sobravam para ir ao cinema. Todos os sábados o meu pai deixava-me no Gaiashopping para eu ir ver um filme enquanto ele ia visitar a minha avó.
Em dois mil e dois tudo era mais simples. Não havia reportagens na TV sobre nomofobia. Ninguém sabia que a Apple existia, nem tão pouco havia vontade para socializar compulsivamente online de forma contínua. Estava desligado mas mantinha-me informado.
Há dez anos tudo era tão diferente e ainda assim tão igual. Há dez anos tudo era tão simples e ainda assim tão complicado. Há dez anos o futuro era tão distante e hoje mostra-se tão próximo.
Em dois mil e dois o meu mundo era um lugar diferente. Isso, mesmo sendo idiota, ainda o sei.