Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Miguel Torga
Ao contrário do que diz o poeta, o importante desta minha aventura não foi partir, nem chegar, mas sim, regressar. Há uns tempos propus a uns amigos uma missão quase impossível: encontrar a melhor francesinha fora do Porto. Como qualquer aventura, esta começou com uma simples ideia num pequeno restaurante em Aveiro chamado Alicarius. Combinámos ir ao Fórum Aveiro ver um daqueles filmes que não ficam na memória, e dado o tardar da hora decidimos parar para jantar.
Um deles, aveirense de gema, falou-nos das afamadas francesinhas do Alicarius e embora não as tivéssemos provado nessa noite, as primeiras sementes desta demanda começaram a ganhar raízes nos meus pensamentos. Foi preciso esperar alguns meses mas finalmente a noite chegou. O primeiro passo duma real epopeia gastronómica.
A francesinha em si estava boa, melhor que algumas das “originais” que já tinha comido, mas faltava algo ao molho, um certo ‘je ne sais quoi’ que apenas se encontra sob os ares do Porto. Ao Alicarius, seguiu-se o Pátio do Marquês em Ovar, um lugar mais conhecido pela qualidade dos seus pregos que das suas francesinhas, mas já que tínhamos rumado a sul, por que não começar mais perto de casa?
Além das francesinhas, trazia comigo uma novidade, a notícia da minha partida para Coimbra. Aguardei até ao final do jantar para o contar. Quando o fiz, o ambiente ficou um pouco pesado e logo ali estranhei a falta de entusiasmo por algo que na altura parecia-me uma boa oportunidade, embora cheia de sacrifícios.
Apesar da minha ausência, não demos o braço a torcer e continuámos a nossa demanda. O próximo destino era o Amândius em Santa Maria da Feira. Chegámos lá já a horas pouco propícias para jantar. Procurámos, perdidos pela noite da Feira, pelo tão afamado Amândius, este prometia qualidade, dado o rumor que mesmo gente do Porto ia lá de propósito só pelas suas francesinhas.
Quando finalmente o encontrámos, para nosso espanto, apesar de não passar de uma pequena tasca, a fila já chegava até à rua. Aguardámos, esfomeados, pelo momento que parecia não mais chegar. Eram quase 22h30 quando finalmente tivemos uma mesa livre. Fizemos o nosso pedido que chegou quase de imediato. Seis francesinhas, umas com ovo, outras sem, mas a todos a mesma opinião: quem espera nem sempre alcança. Foi de longe a pior francesinha que alguma vez comi, todo aquele alarido, e toda aquela espera apenas culminaram numa arrasadora desilusão.
Passaram meses até que o meu desejo por esta delícia portuense regressasse. E tal como a primeira passagem pelo Alicarius, também esta surgiu por acaso. Regressávamos do Furadouro quando pela primeira vez reparei num restaurante que orgulhosamente ostentava no seu toldo o nome das eternas francesinhas.
Incontáveis vezes tinha passado por aquela rua sem nunca ter reparado em tão óbvio sinal. A cada passo, o seu momento. O sítio chamava-se Bolero e, de acordo com alguns colegas vareiros, as suas francesinhas tinham boa fama. Combinámos ir lá no Domingo seguinte. Nessa mesma semana recebi a notícia da minha entrada no INESC Porto e que melhor maneira de festejar o meu regresso ao Porto, o meu regresso a casa, que com uma francesinha?
Nessa noite chovia exaustivamente, e ao contrário do episódio do Pátio do Marquês já lhes tinha dado as boas novas que desta vez foram recebidas com um forte abraço de boas-vindas. Chegados ao Bolero encontrámo-lo fechado. Desiludidos com tamanho imprevisto decidimos ir ao Furadouro a uma pequena tasca na avenida principal que, segundo constava, também tinha francesinhas.
Não eram as melhores, não eram conhecidas, nem tão pouco me lembro do nome do lugar, mas tinha francesinhas. Apenas eu e outro amigo pedimos uma francesinha, os restantes ficaram-se por outra qualquer opção do menu. Embora tivesse inicialmente duvidado da sensatez de tal pedido, até hoje não me arrependo de o ter feito, pois estas foram de longe as melhores francesinhas que alguma vez comi. O próprio molho tinha “aquele sabor”, o sabor que parecia certo, o sabor de uma verdadeira francesinha, que embora não fosse “nativa”, era capaz de enganar ao mais experiente dos aficionados portuenses.
Às vezes partimos numa viagem apenas para descobrir que o nosso destino é regressar.