It’s hard to say that I’d rather stay awake when I’m asleep, ‘cause everything is never as it seems.
Fireflies, Owl City
É difícil acreditar que apenas passaram seis meses. Ao recordar aquela tarde de Outubro e a indignação com que saí daquela sala, não deixo de esboçar um ligeiro sorriso perante a ignorância que exibia ao pensar no quão elucidativo seria o meu futuro próximo. Era mesmo ingénuo.
Futuro, na verdade, tudo começou com um lugar de futuro, um lugar chamado futureplaces. Terminado o meu estágio na Renascença, e após algumas semanas a finalizar o relatório que dava por concluída a minha licenciatura, restava-me apenas aguardar pelo dia em que a minha vida de aluno de Mestrado em Multimédia teria início. Tentei manter-me ocupado, tirei um curso de guionismo, fiz mais de 250 km de bicicleta, li, e explorei um pouco do meu país. Passaram-se quatro meses. O Verão deu relutantemente lugar ao Outono, era Outubro e as temperaturas mantinham-se elevadas, estava tudo menos preparado para começar logo a pôr as mãos ao trabalho. Com alguma frustração ouvi os novos tutores a pedir-nos, ou melhor, a exigir, que visitássemos o festival futureplaces, promovido pelo próprio mestrado, e que relatássemos de alguma forma pelo menos um evento. Assim fiz.
Juntamente com a Eliana e a Joana, duas colegas que transitaram comigo da licenciatura para esta nova aventura, visitámos o Maus Hábitos e documentámos com vídeo, fotografia e som, as instalações que lá foram dispostas. Com isto criámos uma interface em flash que incluía algumas fotos, um texto explicativo e vídeos documentais de algumas das exposições mais interessantes em termos de imagem. Se soubéssemos que esse projecto acabaria por ser ignorado pelos professores, talvez tivéssemos aproveitado as duas semanas do festival para respirar fundo e prepararmo-nos para o que vinha a seguir.
Até Janeiro, pouco ou nada se passou. A disciplina de Jogos apenas começou a ser leccionada em finais de Novembro, ainda a tempo de dar alguma luz de esperança para o que restava do semestre, mas tarde demais para fazer a diferença.
A primeira metade do semestre foi bastante pacífica, a proverbial calma antes da tempestade. Laboratórios Multimédia I manteve-nos ocupados com um projecto de criação de uma narrativa interactiva e não-linear. Aí tive o meu primeiro contacto com o software Max MSP/jitter, contudo, visto que o nosso projecto envolvia vídeo e uma machinima em Second Life, a programação em Max ficou ao cargo de João Guimarães, como ele já tinha bastante experiência com o programa, tudo parecia simples aos olhos de um leigo que apenas tratava dos conteúdos. A minha primeira impressão do programa foi que este era “algo intuitivo”. Como estava errado.
Curiosamente, foi o Second Life que me deu mais noites sem dormir. Não o ambiente virtual em si, mas a forma de captura das imagens.
Apesar de alguns obstáculos e dos já habituais imprevistos de última hora, o projecto, ao qual demos o nome de Your World, Your Imagination, ficou pronto a tempo e horas. Inclusive, ainda tivemos tempo para acrescentar alguns extras e fazer um design para a capa do DVD que acompanhava a aplicação. A nota final do projecto foi 19.
Enquanto Laboratórios Multimédia I dava os primeiros passos para a preparação do projecto 2, Sistemas Digitais Interactivos começa a tomar o lugar da frente, sugando toda a atenção. Infelizmente, não era pelos melhores motivos.
Sistemas Digitais Interactivos, ou melhor, Sistemas Musicais Interactivos – gafe do próprio regente da disciplina que retrata da melhor maneira as suas verdadeiras intenções – foi, e possivelmente ainda é, visto as notas ainda não terem sido lançadas, a maior pedra no sapato e o maior obstáculo à boa integração dos alunos de Multimédia neste mestrado.
Não é pelos grupos formados aleatoriamente através de um algoritmo de selecção que nem o próprio professor compreende. Não é pela excessiva dependência do Max MSP/jitter ou pela exigência de um conhecimento de programação a um nível ridiculamente exigente. Não é pelas longas e entediantes palestras, ou pela matéria aleatoriamente organizada e exposta sob uma sala escura e a abarrotar de gente. Não é pelo total desinteresse pelo projecto do futureplaces. Não é por um método de avaliação que dita que 40% da nota é decidida pelos próprios alunos segundo os seus próprios critérios. Não é por nada disto, e ao mesmo tempo é por tudo isto que Sistemas Digitais Interactivos é, e sempre será, uma triste lembrança de um primeiro semestre que espero nunca mais ter que relembrar ou reviver.
Já Jogos foi uma surpresa agradável. A única disciplina deste semestre em que aprendemos um software do início ao fim, com total apoio dos professores e sob um regime de colaboração e cooperação dos restantes colegas. Foi também a única com objectivos bem delineados sempre com atenção às reais aplicações dos projectos desenvolvidos. Em toda a justiça, Laboratórios Multimédia I também procurava construir aplicações com aplicação no mundo real, contudo, falhou pela ausência do ensino de alguma tecnologia, contando apenas com o background e a experiência de cada um.
17 foi a nota do projecto desenvolvido em Jogos. O protótipo funcional de um jogo para telemóvel sobre a temática da segurança na gravidez. Neste jogo, o utilizador é o condutor de uma ambulância encarregado de fazer chegar uma grávida ao hospital, ultrapassando diversos obstáculos de forma a atingir o seu objectivo antes que o bebé nasça.
Como segundo projecto para Laboratórios Multimédia I, além de mudar de grupo, esperava-nos uma ideia mais ambiciosa: a exploração da barreira homem/máquina e da interacção utilizador/aplicação. Neste caso desenvolvemos a instalação Symmetry. Dois corredores interactivos compostos por imagens, registos áudio e vídeo sobre os possíveis futuros que a humanidade pode enfrentar. Um corredor representava um futuro positivo, enquanto o outro retratava o negativismo da actualidade de forma a incumbir no utilizador a sensação de que algo precisa de ser feito, e que não é tarde para mudarmos o nosso destino.
O projecto custou-nos pouco mais de 300 euros. Foram necessárias 72 horas para montar a instalação e lutámos perante incontáveis imprevistos para ter tudo funcional a tempo e horas da apresentação. Embora o áudio não tivesse funcionado na exibição final, Symmetry foi um sucesso, e inclusive, recebemos alguns convites para a expormos noutros locais. Contudo, para o professor, sangue, suor e lágrimas não foram suficientes para nos dar mais do que um mero, e ridículo, 14.
Resta-me apenas Tecnologias da Comunicação Multimédia, a única teórica deste semestre. As aulas eram aborrecidas. Apenas ansiava pelo intervalo e pelo anúncio do final de aula. Talvez por ser à sexta-feira de manhã, talvez pelo aproximar da hora de almoço. Na verdade, o mais provável é que tentar compreender como funciona um codec de mp3, quais as vantagens do MPEG-2 na transmissão televisiva em HD, ou quais os parâmetros necessários para garantir a qualidade de um serviço multimédia, simplesmente não apelavam ao meu interesse.
Tecnologias da Comunicação Multimédia foi também a única disciplina a ter exame. O exame em si não foi muito difícil, embora algumas questões me tenham forçado a puxar da imaginação. Esta cadeira também era acompanhada de um pequeno trabalho sobre uma tecnologia à nossa escolha. Optei estudar a produção de machinima como uma ferramenta ao serviço do jornalismo e do processo documental do comportamento humano online. Apresentei-o no IJUP, Investigação Jovem na UP, dois dias antes da apresentação final no dia 19 de Fevereiro, a mesma data que o exame.
60, é o número de alunos que se esperava que apresentassem os seus respectivos trabalhos naquela tarde. Nada melhor depois de uma exame do que ficar a tarde toda fechado dentro de um anfiteatro à espera da minha vez. A apresentação correu bem melhor que no IJUP, tentei animar o público com alguns vídeos e música, tarefa hercúlea de despertar um anfiteatro de gente que apenas desejava estar noutro lugar qualquer que não ali. Ainda consegui alguns sorrisos e aplausos, o que para mim foi suficiente.
Cheguei a Março exausto. O meu computador foi o primeiro a ceder. A pressão e o uso constante ditaram que o monitor entrasse em colapso. Vi-me, assim, forçado a passar um mês e meio sem acesso ao universo do ciberespaço, enquanto aguardava pela reparação do meu PC. Eu próprio, exausto pelo stress constante dos últimos meses, aliado a uma má e irregular alimentação, caí de rastos durante algumas semanas. Visitei três médicos e vi-me forçado a ingerir um autêntico cocktail de comprimidos no qual, ainda hoje, continuo embebido. Vejo-me agora a viver um dia de cada vez à espera de sinais de uma recuperação total.
O segundo semestre mostra sinais de ser mais calmo. Pela primeira vez estou verdadeiramente entusiasmado com as disciplinas que frequento e com o que os próximos meses me reservam. Depois da tempestade, a bonança, há algo de verdadeiro na sabedoria popular.
Funcionei como um Uberman (Super-Homem em Alemão) durante o primeiro semestre, vivi escravo de uma agenda temerosa que acabou por tomar o melhor de mim. Voltaria a passar pelo mesmo? Sim, mas deixo um aviso àqueles que queiram seguir nas minhas pisadas: Evitem Sistemas Digitais Interactivos, escolham o Perfil de Artes ou de Educação, mas acima de tudo, agarrem-se àquilo que gostam na Multimédia, pois são esses pequenos prazeres a única coisa que vos irá ajudar a levantar de manhã, e a enfrentar os dias de cabeça erguida.